Uma ideia pode mudar o mundo. E foi assim que a professora Maria Isabel dos Santos Gonçalves levou o nome da pequena cidade de Boninal, na Chapada Diamantina, para todo o Brasil. Isso porque ela foi uma das vencedoras do Prêmio Educador Nota 10 – maior e mais importante prêmio da Educação Básica Brasileira e que desde 1998 premia iniciativas feitas por profissionais da educação dentro de sala de aula.
Aos 33 anos, Maria Isabel é nascida no povoado de Duas Passagens, a 60km de Boninal, e por lá foi criada. Sem energia elétrica, subindo em árvore e tomando banho de rio. As novelas das 21h eram os causos contados por sua mãe e sua bisavó Iaiá Lia: rezadeira, parteira e líder da região de Umburana que foi a inspiração para o seu projeto vitorioso chamado ‘As filosofias de minha avó: poetizando memórias para afirmar direitos’.
“Com 30 anos minha bisavó já era viúva e naquele tempo não teve aposentadoria, auxílio e alimentou os filhos como parteira. O que ela recebia em troca era uma galinha, um prato de feijão, nunca uma remuneração. Ela também era uma rezadeira curandeira, as pessoas doentes iam à casa dela e ela dava orientações do que tomar”, diz Maria Isabel.
O projeto é colocado em prática para turmas de 1º ao 3º Ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Rui Barbosa – onde ela leciona há pouco mais de um ano, e funciona da seguinte maneira: em sala de aula, os alunos tiveram contatos com temas tipo a Filosofia Ubuntu, que prega que ‘o que vale é o nós, o coletivo, eu sou o que sou porque você também é’.
Com esse repertório e munidos de boas perguntas, eles partem para a fase dois e coletaram relatos de seus avós – com vídeos, textos e fotos –, verdadeiros retratos da resistência de seus ancestrais nas comunidades quilombolas.
“Há um olhar diferenciado, às vezes preconceituoso, para quem é de comunidades ruaris. E eu queria fazer uma descoberta desse algo rural como algo grandioso porque na minha visão é uma coisa maravilhosa. Eu cresci com a certeza de que há muitos saberes dali que não são valorizados”, diz a professora.
O projeto deu certo e rendeu frutos como o trabalho da aluna Eline Oliveira dos Santos – 3° ano, entrevistou a moradora mais antiga de seu povoado, o Capão: Dona Lisisinha, como é conhecida Felicina Alves dos Santos, de 79 anos. A partir deste relato, a aluna construiu um poema que foi finalista no concurso de poemas da secretaria do estado, o TAL, Temas de Artes Literárias, 2019.
“Ser uma das finalistas do Brasil é poder dar esse reconhecimento para o grande legado que está em cada comunidade rural, em cada comunidade negra do sertão da Chapada. Ver o projeto selecionado me faz acreditar com mais força neste sonho de transformar a educação partindo do que está bem aqui, pertinho de nós e da nossa realidade”, disse.
Pandemia
O projeto iniciou no ano passado, quando Maria Isabel deu seus primeiros passos no Colégio Estadual Rui Barbosa. Formada em Letras pela Universidade Estadual da Bahia (Uneb), ela também tem licenciatura em Filosofia, especilização em ensino de Filosofia e está completando uma pós-graduação em Direitos Humanos pela Ufba.
Os primeiros a realizar o projeto foram alunos do 3º ano do Ensino Médio e após a boa recepção das turmas, ela ampliou para todo o colégio. “Neste ano estava empolgada e comecei a passar as orientações para os alunos do 1º ano, que ainda não fizeram o projeto, mas foi quando começaram as implicações da pandemia”, conta.
Ainda assim, alguns alunos seguiram realizando o projeto de forma remota. Como boa parte das entrevistadas são as próprias avós dos alunos, muitos dos garotos e garotas aproveitaram para enviar áudios, filmagens e relatos do que conseguiram produzir dentro de casa.
“O projeto mostrou para eles esse legado de resistência afrodescendente como algo transformador e que pode nos ensinar muito. E quando estudamos pensamos também na questão dos direitos humanos porque ao visitar as comunidades víamos os direitos sendo negados. Concluímos que a memória traz um arsenal de possibilidades para trabalhar a questão dos conteúdos de sala de aula”, afirma Maria Isabel.
O prêmio
Por estar entre os 10 melhores, Maria Isabel ganhou um vale-presente no valor de R$15 mil e segue na disputa pelo título de Educador do Ano. É a segunda vez que uma educadora baiana chega tão longe: em 2016, a profesora Débora Gomes Gonçalves, de Mata de São João, também ficou entre os 10 vencedores com seu projeto que tinha o objetivo de criar boas situações de leitura e de escrita para os alunos de 2º ano se alfabetizarem melhor.
A professora orientou a pesquisa em textos informativos relacionados às tartarugas marinhas. O objeto de estudo foi escolhido para aprofundar a relação das crianças com o Projeto Tamar, que se encontra dentro do município e emprega alguns pais da comunidade escolar. A partir do trabalho, os alunos de Débora passaram a admirar com outros olhos esses animais marinhos presentes em seu dia a dia.
Dos 10 projetos campeões em 2020, cinco são trabalhos realizados com alunos do Ensino Fundamental, três com turmas do Ensino Médio, um de gestão e outro com crianças bem pequenas, em idade de creche. Além da Bahia, os vencedores representam Amazonas, Distrito Federal, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.
Entre as disciplinas, são dois projetos de Língua Portuguesa, um trabalho de gestão escolar e um com crianças bem pequenas. Completam a lista iniciativas de Artes, Educação Física, Filosofia, Matemática, Geografia e Física.
O Educador do Ano será escolhido pela Academia de Jurados em data que ainda não foi definida pela organização do evento por conta da pandemia do coronavírus. O vencedor recebe outro vale-presente, também no valor de R$ 15 mil. As escolas dos vencedores também recebem uma verba para a celebração.