Professora cobra do MEC cumprimento da lei de ensino de cultura afro-brasileira

O caso chamou a atenção semanas atrás e ganhou repercussão nas redes sociais e na imprensa. Um livro infantil da escritora e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Kiusam Oliveira, com temática relacionada à cultura e história da África, foi substituído no colégio Sesi em Volta Redonda (RJ). “Os danos a mim, ao meu livro e às africanidades brasileiras como possibilidades de serem pautadas como conteúdo programático foram brutalmente atingidos a partir de toda a polêmica gerada por um ato desordenado de uma instituição. Tais danos são irreversíveis para mim”, enfatizou.

Por Vitor Taveira, do Século Diário 

Divulgação/Oma-Obra

Oma-Oba: Histórias de Princesas apresenta seis mitos africanos originários das comunidades Ketu e foi substituído após pressão de evangélicos fundamentalistas no Sesi em Volta Redonda, município do Rio de Janeiro.

Provocada pela situação, ela resolveu iniciar uma campanha nacional, interpelando o Ministério da Educação (MEC) sobre o não cumprimento das leis existentes sobre discriminação nas escolas e ensino de cultura afro-brasileira. Junto com Leonor Araújo, também professora da Ufes, fez um pedido de informações sobre a implementação dos artigos 26A e 79B da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

O documento, publicado na página do Coletivo de Entidades Negras (CEN), é assinado por um grupo de quatro advogados, encabeçado por Hédio Silva Jr., e ganhou adesões de nomes importantes como a ex-ministra Nilma Lino Gomes, o professor Carlos Moore, o educador indígena Daniel Munduruku. Até o momento, mais de 12 mil pessoas assinaram o documento online.

 

As leis como a 10.639/03 e 11.645/08 são vistas por Kiusam Oliveira como as mais revolucionárias e includentes, por ampliar os universos culturais ao incluir a educação sobre cultura indígena e negra. Mas ainda esbarram nos inúmeros obstáculos para sua efetiva implementação.

 

Para ela, mesmo com todo respaldo legal, os profissionais da educação “vacilam e escorregam feio” quando o assunto é o enfrentamento das discriminações cotidianas no espaço escolar. “Seja porque o estudante usa seu fio de conta no pescoço ou por ter necessidades educativas especiais, seja por ser negro ou um estrangeiro em nosso território, seja por usar seu poderoso penteado black power ou por querer levar um pouco de sua cultura afrorreferenciada para o espaço da escola, tais estudantes se sentem completamente violentados em seus direitos de pertença e sentimento de orgulho pelo que são e pelo que fazem”.

 

Com base nas experiências em seus 23 anos como professora e 15 como formadora de professores, Kiusam acredita que raramente a educação pensa um projeto que combata de frente o preconceito, a discriminação racial e o racismo, tendo em vista o bem-estar da criança, do jovem e do adulto negros que ocupam os espaços escolares. “Dificilmente vemos nas formações de professores o tema branquidade e branquitude, para mim, temas fundamentais ao professorado brasileiro, porque brancos precisam externalizar ou ouvir que são privilegiados sim, somente por serem brancos”.

 

As obras literárias de Kiusam sofreram preconceito por retratar orixás e divindades africanas em suas narrativas, o que ela aponta como um claro sinal de como o racismo persiste nas estruturas. “Inúmeras pesquisas acadêmicas nos tiram do senso comum para que sejamos capazes de afirmar que há, sim, preconceito e discriminação a tudo o que vem das culturas africana, afro-brasileira e indígena na educação do nosso país, uma vez que no espaço sala de aula é possível retratar os deuses gregos porque tal conteúdo pode ser considerado História, mas nas tentativas de retratar os deuses africanos, todas as dificuldades aparecem, porque aí não pode, é religião”, pontua.

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