Protagonista de Malhação Ana Hikari sofre com racismo: “Vivi situações de chorar pelo meu pai”

Filha de pai negro com mãe brasileira descendente de orientais, a atriz revela histórias de racismo vivenciadas na família, conta que não gosta de ser tachada de japonesa, mas que usa seus traços e história para diminuir o preconceito

(Foto: Ricardo Penna/Divulgação )

Por Ana Paula Bazolli Do Revista Marie Claire

Assim como a Tina, Ana Hikari é decidida e não leva desaforo para casa. A paulistana de 22 anos vive seu primeiro papel na TV, a protagonista oriental em Malhação – Viva a Diferença, e revela para Marie Claire que seu objetivo é usar sua visibilidade para diminuir o preconceito que há com orientais e negros no nosso país.

A atriz sofre muito desde a infância ao ver o pai negro, Almir Almas, sofrendo racismo e a mãe Makiko, filha de japonês, passando por situações de preconceito. “Quando eu era pequena perguntaram para o meu pai onde ele tinha roubado aquela criança”, diz em tom de revolta. “É meu pai, sou apaixonada por ele e o defendo em tudo”, revela. Conheça um pouco mais desta atriz cheia de personalidade, que se tornou forte para defender os pais e a si mesma e que está sempre engajada em causas nobres.

Marie Claire- Quando decidiu ser atriz?
Ana Hikari- 
Comecei no teatro aos 12 anos, em São Paulo, e antes disso cantei na Escola Municipal de Música. Desde pequena tenho contato com o palco. Sempre fui muito apaixonada. Meu pai é da área de cinema e as pessoas se lembram dele me carregando no em festivais. Quando crescemos em ambiente artístico, somos influenciados. Entrei em artes cênicas na USP em 2013 e trabalhei em curtas que foram até para festivais internacionais. O convite para Malhação surgiu quando fui fazer cadastro nos Estúdios Globo e me chamaram para um teste. A ficha não caiu. Só tive a verdadeira noção que era protagonista no lançamento da novela.

MC- Você assistiu situações de racismo desde pequena. Como foi?
AH-
 É um assunto muito delicado e muito urgente no Brasil, país que mesmo com diversidade, carrega muito preconceito. Eu vivi isso desde pequena porque vi pessoas serem racistas com meu pai. Vivi situações de chorar por ele. Uma coisa que me marcou muito, no ano passado, foi quando meu pai saiu para comprar um lenço de papel na farmácia e a gerente mandou ele “vazar” dali, pois estaria roubando. Ele foi até a delegacia e o caso não foi adiante porque não tinha testemunhas. Já aconteceu também de acharem que meu pai não era meu pai – estava com ele na rua de mãos dadas porque eu era pequenininha e uma pessoa falou: “Onde você roubou essa criança!”. Meu pai respondeu: “É minha filha”. A pessoa insistiu e disse: “Olha a cara dela”.  Na época não entendi o que estava acontecendo. Depois de grande, fui entender aquilo e até hoje a gente houve esses comentários escondidos em um tipo de “brincadeira”.

MC- Se você estivesse naquela farmácia e visse o seu pai passar por isso, o que faria?
AH-
 Aprendi a transformar toda a minha revolta em arte. Aprendi a lutar pelo que acredito e dialogar através do meu trabalho. Não sou uma pessoa, assim como a Tina, que fica calada. Ela é uma personagem muito forte, decidida como eu. Sempre tento dialogar, porque não dá para só brigar. Tem que fazer a pessoa entender o que tem de errado na atitude dela. O mais importante é a pessoa refletir. Preconceito é um absurdo.

MC- Como o seu pai te educou para encarar situações de preconceito?
AH-
 Como meu pai é da área artística, ele sempre falou comigo através da arte e me levava para conhecer coletivos de movimento negro. Tem um que sou apaixonada desde pequena chamado Frente 3 de fevereiro – tem esse nome por ser a data do assassinato de um homem negro por uma injustiça. Desde pequena frequento e fui entendendo o que era o preconceito através dessas performaces. Essa foi a maneira que ele encontrou de me mostrar.

MC- Sua mãe, Makiko, também sofre por ser filha de japonês?
AH-
 Existe uma coisa que não dá para comparar: a discriminação racial dos descendentes de orientais com o racismo que os negros vivem. Mas não dá para dizer que os orientais não sofrem. É muito triste porque é pouco falado sobre isso. Têm crescido o movimento de debate sobre esse assunto. O grupo de discussão chamado Perigo Amarelo fala do preconceito que os orientais sofrem. A Tina me ajudou a ver isso. Desde o terceiro capítulo ela fala: “Não gosto que me chamem de japa, meu nome é Tina”.

MC- Te incomoda ser brasileira chamada de japa o tempo todo?
AH- 
Isso me incomoda muito. Não sou japonesa e o fato de me chamarem assim me reduz a um rótulo que estou muito além.  Não estou dizendo que seja negativo ser oriental, mas negativo é as pessoas me olharem com olhos que me limita. Tive muito mais contato com a parte brasileira e negra da família do que a oriental. Não sei falar japonês e fui ao Japão por conta do meu pai, que fez mestrado e doutorado lá.

MC- O que isso tudo te ensinou?
AH-
 A palavra mais importante que essa vivência em relação ao meu pai me ensinou foi empatia. As pessoas se colocarem no lugar do outro e entender o que está vivendo. Me fortaleceu porque, apesar de tudo, meu pai superou as situações com muita luta e engajamento. As pessoas chegam a conversar comigo sobre isso. Uso muito as redes sociais para conversar com fãs e postar vídeos que falem da discriminação em relação a asiáticos no Brasil. A visibilidade dá uma responsabilidade muito grande e uso para debater essas questões.

MC- Tem medo de ficar limitada a papeis japoneses na TV?
AH- 
Acho que a representatividade está se transformando. O fato de existir a primeira protagonista oriental na Globo, em Malhação, é um grande passo a frente. Acredito de verdade que os autores podem pensar fora da caixa do estereótipos e construir histórias incríveis que tenham muita representatividade. Me esforço muito para que meu trabalho seja muito bom e honre essas pessoas que estou representando.

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