Quem sentará no banco dos réus com o NEM? Os policiais e agentes públicos subornados, os usuários de drogas da zona sul ou os governantes

por Sérgio de Martins

A prisão do traficante Antônio Francisco Bonfim Lopes, vulgo “nem”, ou melhor, do gerente executivo, de umas das mais rentáveis áreas de venda de drogas ilícitas mexeu com a sociedade carioca. O policial que apenas cumpriu seu dever em averiguar uma viatura suspeita, durante uma operação policial, e recusar um suborno de um milhão de reais recebeu tratamento de herói popular. Do outro lado, o administrador dos negócios ilícitos, no primeiro momento, reclama em depoimento para autoridade policial dos prejuízos, causados pelo pagamento de subornos para policiais e agentes públicos e algumas migalhas distribuídas entre os necessitados da rocinha na compra de medicamentos, e outros subsídios de sobrevivência.

Enquanto isso, os usuários, não poucos, só aguardam que “a poeira baixe” e as novas modalidades de venda e fornecimento reinvente o comércio na região, afinal o uso de drogas é uma questão personalíssima, de menor gravidade tratado pela Lei 9.099/95. O traficante e seus comparsas estarão respondendo aos ditames da lei criminal, reclusos na prisão. O sistema funciona, dizem os governantes, só é preciso aumentar o número de policias honestos, que tudo funciona maravilhosamente.

O jornal “O globo” em sua manchete, no dia 17.10, anuncia que “a violência mata mais homens jovens”, é claro, nas áreas mais pobres e com maior letalidade para homens negros e pardos, com informado em várias pesquisas, já divulgadas. Então, o traficante de 33 anos, chefe da rocinha é na verdade um sobrevivente e bem sucedido. Mas também, o são os policias e agentes públicos que ostentam um patrimônio incompatível com suas rendas e gozam de prestígio social no meio em que circulam.

Se deixarmos de lado a tese do bode expiatório, teremos que concordar que estamos longe de um combate efetivo do comércio de drogas ilícitas, até porque, trata-se de um prática que goza da aprovação de vários segmentos entre usuários e beneficiários dos “gordos” subornos pagos pelos comerciantes de drogas.

A sociedade necessita fazer um debate aberto e sincero sobre o papel das drogas na vida contemporânea, considerando os danos causados para indivíduos incluídos ou excluídos do mercado de trabalho, assim como para o conjunto da sociedade. Porém, este enfrentamento dever evitar um recorte meramente moralista, que na verdade, fecha os olhos para cumplicidade entre traficantes, agentes públicos e usuários, perdendo a oportunidade de aprofundar a discussão.

Entre as saídas para o problema devemos examinar a liberação do uso das drogas, a taxação dos usuários e vendedores, a mudança da legislação criminal permitindo o monitoramento eletrônico dos usuários que praticam atos violentos e demais crimes. Também, podemos ficar execrando os usuários de “crack” que parecem como “zumbis” nos centros das cidades, enquanto, que nas raives, bailes funk, churrascos, favelas e condomínios de luxo brilham nas noites os olhos pasmos e vidrados, que retomam seu lugar social ao nascer do sol, de óculos escuros, sem quaisquer incomodo uns aos outros, mas com uma grande contribuição aos traficantes e beneficiários.

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