Quem tem medo e/ou nojo de pobres?

Por que os pobres incomodam tanto? Em um mundo onde ser ‘VIP’ e obter exclusividades são o ápice do prazer aristocrático, fica evidente que o que aborrece a elite não é a perda de direitos, mas de privilégios

Por Maíra Streit  No Pragmatismo Politico

Nessa semana, dois textos de colaboradoras do jornal carioca O Globo chamaram bastante a atenção dos leitores, não exatamente pela qualidade do conteúdo em si, mas pelo grau de preconceito destilado em suas palavras.

Em um deles, a colunista Hildegard Angel defendeu a segregação como medida para conter os arrastões em praias do Rio de Janeiro. Entre as sugestões destinadas ao governo, surgiram ideias brilhantes como “diminuir drasticamente a circulação das linhas de ônibus e de metrô no fluxo Zona Norte-Zona Sul” e até mesmo “cobrar entrada nas praias de Leme, Copacabana, Ipanema, Leblon”.

É isso mesmo. Para a colunista, impedir o acesso da população pobre às áreas mais prestigiadas da cidade é uma maneira eficiente de “reprimir as hordas e hordas de jovens assaltantes e arruaceiros”. “As medidas são antipáticas e discriminatórias, concordo. Mas ou é isso ou será o caos”, finalizou. Aparentemente arrependida de suas declarações, Hildegard retirou o texto do ar após uma saraivada de críticas.

Seguindo a mesma linha, os leitores d’O Globo foram brindados com uma publicação pretensamente irreverente, mas nem por isso menos cruel. Em seu blog, a jornalista Silvia Pilz descreve o comportamento dos mais pobres em consultórios médicos.

Em tom de deboche, ela afirma que essas pessoas costumam inventar doenças e fazem drama para faltar ao trabalho. “Acho que não conheço nenhuma empregada doméstica que esteja sempre com atacada da ciática [leia-se nervo ciático inflamado]. Ah! Eles também têm colesterol [leia-se colesterol alto] e alegam ‘estar com o sistema nervoso’ quando o médico se atreve a dizer que o problema pode ser emocional”, escreveu.

Silvia ridiculariza ainda a procura por mais informações na área da saúde, dizendo que, ao assistir a um programa da Rede Globo sobre o assunto, “o caso normalmente é a dúvida de algum pobre”. “Coisas do tipo ‘tenho cisto no ovário e quero saber se posso engravidar’. Porque a grande preocupação do pobre é procriar”, complementa.

A jornalista enfatiza que, com a democratização dos planos de saúde, fazer exames se tornou um programa divertido para os pobres, que se arrumam especialmente para a ocasião, chegam cedo e, admirados com o ar-condicionado e o piso de porcelanato dos laboratórios, aguardam ansiosamente pelo lanche oferecido após os exames.

Não sabemos exatamente em que país vive a blogueira em questão, mas, no Brasil, a relação entre os pobres e o acesso à saúde está longe de ser engraçada. Embora algumas conquistas sejam evidentes, os planos particulares não funcionam às mil maravilhas e ainda são, sim, um privilégio de poucos. A realidade da população de baixa renda ainda é, em boa parte, a fila do hospital público, a superlotação, a falta de médicos e a dificuldade na marcação de consultas.

O país, de fato, está mudando. Mas o que parece não mudar nunca é a ideia de um ‘apartheid’ social que enche os olhos da classe média alta brasileira, incomodada em dividir o mesmo ar que segmentos antes marginalizados.

Danuza Leão

Impossível não lembrar da afirmação de outra polêmica colunista, a socialite Danuza Leão, que há alguns anos escreveu na Folha de S. Paulo que ir à Nova Iorque não tinha mais graça, já que eram grandes as chances de encontrar o seu porteiro por lá.

Esses são exemplos clássicos de que o que incomoda a elite não é a perda de direitos, mas de privilégios. Em um mundo onde ser ‘VIP’ e obter exclusividades são o ápice do prazer aristocrático, a popularização do acesso a educação, saúde, viagens e bens de consumo deve ser mesmo um horror.

Imagine que absurdo o filho do motorista estudar na mesma faculdade que o seu, ou encontrar a manicure fazendo compras naquela que era a sua loja preferida. Ainda mais ultrajante deve ser ver a empregada jantando filé mignon e dizendo a você que, de uma vez por todas, a escravidão acabou. Haja Lexotan para acalmar os ânimos dessa gente, tão afeita a mandar e desmandar sozinha em seus feudos imaginários. Quanto a isso, só resta uma coisa a ser dita: acostumem-se… A tendência é piorar.

 Leia também:

Artigo revolta morador da favela da Rocinha

+ sobre o tema

12 milhões de crianças e jovens não têm acesso adequado a esgoto no Brasil

Aproveitando a aproximação do Dia das Crianças, comemorado no sábado...

Quilombolas vencem eleição para prefeito em 17 cidades

Candidatos que se declararam quilombolas venceram as eleições para...

Saiba quem são os 55 vereadores eleitos para a Câmara Municipal de São Paulo em 2024

Os moradores de São Paulo elegeram 55 vereadores neste...

Constituição, 36 anos: defender a democracia

"A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação...

para lembrar

Não é fácil viver numa democracia

por Carlos Motta     Democracia...

Sem registro de nascimento, meio milhão de crianças “não existem” no Brasil

Apesar da estabilidade econômica e do avanço social alcançados,...

Os golpistas precisam saber, em vida, que sua versão da História morreu

O golpe e a ditadura cívico-militar de 1964 ainda...

Lula anuncia em megaevento meta de 2 milhões de casas para baixa renda

Por: Azelma Rodrigues   Em megaevento com a presença...

A cidadania vai além das eleições

Cumprido ontem o dever cívico de ir às urnas eletrônicas nas eleições municipais em todo o país — para quem não precisa voltar e mesmo...

Eleições municipais são alicerce da nossa democracia

Hoje, 155,9 milhões de eleitores estão aptos a comparecer às urnas e eleger seus prefeitos e vereadores. Cerca de 400 mil candidatos, sendo 13.997...

Eleição: Capitais nordestinas matam 70% mais jovens que Rio de Janeiro

As capitais nordestinas matam cerca de 70% mais jovens do que a cidade do Rio de Janeiro, que costuma estar nos noticiários com cenas...
-+=