Quilombos lutam para preservar raízes históricas

Os remanescentes dos antigos quilombos, que hoje ainda vivem no Estado do Rio, estão localizados em pelo menos 15 comunidades conhecidas como quilombolas. Aproximadamente metade delas fica na região litorânea do Estado, como Angra dos Reis e Paraty. As demais estão localizadas no interior, em cidades como Vassouras, Valença, Quatis e Rio Claro.

Quatis e Valença

Após 125 anos da abolição da escravatura no Brasil – ocorrida em 13 de maio de 1888 -, as comunidades dos quilombos de Quatis e Valença ainda tentam preservar as suas origens em diversas ações junto às comunidades quilombolas.

Localizada no km 12 da estrada entre Quatis e São Joaquim – a 144 km da capital -, a comunidade quilombola de Santana recebeu seu nome em razão da Capela Sant’Ana, construída em 1867 pelos antigos escravos que viviam na Fazenda do Barão do Cajuru. Após a morte do Barão, suas terras ficaram para sua filha, que doou um pedaço de terra para cada um de seus ex-escravos após a abolição.

De acordo com Miguel Francisco da Silva, presidente da associação dos remanescentes do quilombo de Santana, tudo começou como um povoado, a partir de 1980. E hoje, 130 pessoas vivem no local, distribuídas em 21 casas divididas em três áreas – Santana de baixo, Santana do meio e Santana de cima.

Eles vivem do trabalho nas fazendas ao redor do povoado. Mas, com os anos, perderam o vínculo com as culturas africanas como o Jongo – manifestação essencialmente rural associada à cultura africana no Brasil – e o Candomblé.

Para tentar resgatar esta identidade, a diretora da escola municipal quilombola de Santana, Patrícia Ribeiro do Nascimento está desenvolvendo projetos junto aos estudantes e a comunidade. Com o objetivo de comemorar o dia da abolição dos escravos, por exemplo, a escola desenvolve o projeto “Reconstruindo a história do dia 13 de maio”, iniciado há três anos.

– No projeto, trabalhamos com os alunos a questão do preconceito e descriminação do negro, que ainda existe. E junto com a comunidade, realizamos todos os anos apresentação de trabalhos e músicas, discussão e apresentação de filmes, além de comidas típicas. Este ano por enquanto a escola está desenvolvendo o projeto em sala de aula junto aos alunos, mas o evento todo será realizado no dia oito de junho durante o “Encontro da Família Quilombola”, realizado na comunidade de Santana – explicou.

Patrícia também explicou que quando assumiu a direção da escola, em 2011, observou que não existia uma identidade cultural sobre as origens quilombolas entre os moradores. Isso, como ela afirmou, é um reflexo da falta de identificação dos próprios descendentes.

– Por isso, começamos a realizar um trabalho de resgate da identidade histórica. No caso dos alunos, eles aprendem o alfabeto africano e as tradições e costumes africanos. Uma vez por mês realizamos atividades recreativas e culturais com os alunos e moradores. Semana passada, por exemplo, foi realizada uma gincana esportiva com os alunos e uma roda de mulheres com as mães – comentou.

A diretora informou que atualmente 35 alunos estão matriculados na escola de Santana, que oferece até o 9º ano do Ensino Fundamental. Até 2010, a unidade só atendia alunos até a 4ª série.

O grande problema da comunidade, segundo Patrícia, é a questão de trabalho e renda. Por isso ela acredita que tinha que ser criada uma cooperativa dos próprios moradores.

– A escola incentiva algumas atividades junto à comunidade, como artesanato com fibra de banana, doces em compota e a confecção de bonecas de pano. Para isso, desenvolvemos uma parceria com um grupo de estudantes da UniRio (Universidade Federal do Estado do Rio). Um dos projetos é uma horta comunitária na escola. Além de uma cooperativa para mulheres, trabalho com de preservação ambiental e o de resgate do Jongo – concluiu.

Quilombo São José da Serra

Localizado na RJ-147, que liga Conservatória a Santa Isabel do Rio Preto, em Valença, a comunidade quilombola de São José da Serra, todos os anos, lembra a abolição da escravatura com uma tradicional festa. Com cerca de 150 pessoas morando no local, o quilombo de Valença comemora com o evento conhecido como “Festa da Cultura Negra” – que este ano foi realizado no dia 18.

A comemoração começou às 10h, com uma missa afro, e seguiu até o domingo de manhã. No dia foram servidas comidas típicas como feijoada, embalada com dança de Jongo, apresentado por membros da comunidade. Além de samba de roda, maculele, samba de raiz e reuniu em torno de três mil pessoas, sendo 20% estrangeiros.

– Para comemorar título de posse da terra ocorrido este mês, em que 476 hectares passaram a pertencer à comunidade, o quilombo pretende realizar a “Festa da Posse”, dia 12 de setembro – alegou o antigo líder e atual presidente do quilombo, Antônio do Nascimento Fernandes, o Toninho Canecão.

Dificuldades

De acordo com Toninho, a comunidade surgiu com ex-excravos da Fazenda São José da Serra. Com a constituição de 1988, foi determinado que toda comunidade de negros remanescentes de escravos passasse a ser chamada de quilombo.

Segundo ele, atualmente a comunidade se mantém com o trabalho nas fazendas vizinhas, mas com a posse da terra observa-se que já é possível usufruir dos projetos oferecidos pelo Governo Federal. Entre os projetos, o principal é a criação de uma cooperativa.

– Apesar disso, a comunidade também se mantém produzindo artesanato e com a venda de livros sobre Jongo. Também recebemos muita visita de estudantes do Rio e da região, que passam o dia na comunidade. Com as festas também, cerca de 6 mil pessoas passam no quilombo. Com a posse da terra agora, vamos desenvolver e aprimorar as visitas, dando melhores condições e aumentando a renda – declarou.

Toninho frisou que hoje a comunidade procura preservar as danças e a cultura, sendo que o Jongo é o carro chefe da cultura local e é praticado por toda a comunidade até crianças.

Origem

Os quilombos se constituíram a partir de uma grande diversidade de processos, que incluem as fugas de escravos com ocupação de terras livres e geralmente isoladas. Mas também, a conquista de terras por meio de heranças, doações, pagamento de serviços, compra e ainda a simples permanência nas terras que ocupavam e cultivavam, tanto durante a vigência do sistema escravocrata quanto após sua abolição.

O que define o quilombo é o movimento de transição da condição de escravo para a de camponês livre. O que caracterizava o quilombo, portanto, não era o isolamento e a fuga e sim a resistência e a autonomia.

As comunidades quilombolas estão localizadas em todas as regiões do Brasil ocupando diferentes ecossistemas e explorando os recursos naturais de seus territórios de formas diversas.

Com relação a população, não existe um levantamento oficial sobre o número de comunidades existentes no Brasil. Fontes não governamentais estimam a existência de 2 a 3 mil comunidades. O cadastro oficial do governo brasileiro reconhece a existência de 1.170 comunidades.

 

Fonte: Diário do Vale

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