(Foto: Eladio Machado/Terra)
Zulu Araújo
De Salvador (BA)
Racismo e homofobia crescem no Brasil e exigem ação dos três poderes, diz ex-presidente da Fundação Palmares
Racismo, intolerância religiosa, xenofobia, homofobia, eugenia e autoritarismo são frutos de uma mesma árvore. Possuem a mesma origem e buscam os mesmos objetivos. Ou seja, a subordinação à força do outro, do diferente aos seus desígnios, sejam eles políticos, religiosos, morais ou estéticos. Não raro, os porta-vozes destas ideias, consideram-se portadores de uma missão divina ou de uma fé pura e inabalável.
O atentado terrorista praticado na Noruega no último dia 21 de julho contém a maioria dos ingredientes acima citados e chamou a atenção do mundo, não apenas pelo número de vítimas ou do país em que ocorreu, mas por conta do perfil de quem o cometeu. Isto, por si só, já seria preocupante, pois evidenciaria um forte grau de preconceito. Mas, o que vimos posteriormente na cobertura da maioria da imprensa mundial, e em particular da européia, foi a prova mais contundente de como o racismo, a intolerância e a xenofobia caminham juntos por aquelas bandas. Bandas tidas e havidas como civilizadas e portadoras do DNA da civilização universal.
Minutos após o atentado, acusaram de pronto os islâmicos e a famigerada rede Al Qaeda de serem os responsáveis pela carnificina. Era como se fosse algo natural. Só poderia ter sido um ato de bárbaros externos. Ao darem-se conta de que havia sido um dos seus (um nórdico, bem nascido, loiro, de olhos azuis e fundamentalista cristão), caminharam da estupefação (todos passaram a chamá-lo de louco) à solidariedade às suas ideias. Sim, acreditem, há muita gente importante no continente europeu que não só concorda com as ideias do terrorista escandinavo como as defende de público.
Aparentemente, este atentado na Noruega não tem nada a ver com o Brasil. Afinal somos o paraíso da miscigenação, da tolerância, da convivência pacifica e do exercício pleno da diversidade cultural. Pelo menos, este é o discurso oficial que há anos vige no país e aplaudido por muita gente boa e pensante do nosso país. Mas, quando confrontamos este discurso com a realidade devemos colocar nossas barbas de molho e ir à luta.
O discurso homofóbico, racista e intolerante tem crescido vertiginosamente no Brasil. Ora travestido de defesa da moral cristã, ora em nome da preservação da vida, ora em nome de uma igualdade racial inexistente. E assim, temos visto barbaridades ocorrendo pelo Brasil afora, tais como: um deputado federal racista e homofóbico agredir a tudo e a todos em redes de televisão e jornais, pai e filho serem agredidos publicamente e o pai perder a orelha por terem sido confundidos com homossexuais e terreiros de candomblés sendo invadidos e seus adeptos espancados pelos neo-pentecostalistas. Tudo isto sob o olhar complacente dos poderes constituídos, Executivo, Legislativo e Judiciário, tendo como único contraponto até o momento o Supremo Tribunal Federal.
Quando a sociedade civil, por meio de suas organizações, tem se manifestado sobre o assunto exigindo a punição ou a criação de mecanismos que impeçam tais atitudes criminosas, ressaltando-se neste sentido o movimento LGBT e o movimento negro, a desqualificação vem a galope e de maneira avassaladora. Editorialistas e articulistas da grande imprensa logo afirmam: “São uns paranóicos”, “Estão querendo racializar o Brasil”, alguns mais radicais, como um senador da República, chegam a afirmar que por aqui não houve escravidão nem estupros no cativeiro, mas sim uma relação consentida.
Até mesmo aqui no Terra Magazine, espaço nobre do debate, li recentemente um artigo em que um respeitado escritor considera que o Mein Kampf (livro de Hitler) é algo grave, mas o racismo de Monteiro Lobato, adepto da Ku Klux Klan, é algo normal, e ainda se deu ao luxo de fazer piadinhas. Confesso que não consegui entender tal distinção, pois tanto as teses do Mein Kampf quanto às da Ku Klux Klan pregavam a intolerância e o racismo e o uso da violência como ferramenta de convencimento. Talvez a diferença esteja no fato das teses de Hitler terem atingido diretamente os judeus (de pele branca) e as da Ku Klux Klan os descendentes de africanos (de pele preta).
Não nos esqueçamos de que estes monstros e estas monstruosidades se alimentam exatamente do pouco caso com tratamos coisas tão sérias como o racismo e xenofobia. Da impunidade com que líderes da extrema direita daqui e de lá pregam a discriminação, embora estejam claramente tipificadas em nossas Constituições que tais atos são criminosos. De todo modo, a tragédia que se abateu sobre a Noruega e que tanto nos comoveu, e ao mundo, deve servir de lição para nós outros da banda de cá. Afinal, racismo é coisa séria e, neste sentido, o Sr. Breivik não nos deixa mentir. Para tanto, temos que tratar o racismo e seus derivativos como coisa séria, que deve ser enfrentado de forma séria e com propostas sérias.
Axé!
Toca a zabumba que a terra é nossa!
Zulu Araújo é arquiteto, produtor cultural e militante do movimento negro brasileiro. Foi Diretor e Presidente da Fundação Cultural Palmares (2003/2011).
Fonte: Terra