Racismo e Subjetivação

por Márcia Maria da Silva

O Brasil foi considerado ao longo de várias décadas o país da democracia racial, no entanto, embora nunca tenha se consolidado um regime racial, legal, formal, as distinções e desigualdades raciais são visíveis e de graves conseqüências para o país, corroborando para que negros e brancos tenham lugares bem demarcados socialmente.

Os negros são maioria entre os mais pobres e entre os indigentes, estão nas posições mais precárias no mercado de trabalho, apresentam os menores índices de educação formal, além de serem discriminados no sistema de saúde.

No entanto, no Brasil, o preconceito é sistematicamente considerado atributo do “outro”, não é abertamente afirmado, portanto um fenômeno difícil de ser compreendido, e portanto, enfrentado. Nesse sentido, impõe-se necessário quebrar a construção da hegemonia eurocêntrica amplamente difundida e reforçada.

Verifica-se que as atitudes racistas fazem parte de um consenso intersubjetivo da cultura, ou seja, a ordem natural das coisas, propiciando uma relação entre brancos e não brancos normativa, pejorativa e agressiva. Esse efeito agressivo resulta de um lugar de poder sustentado pela visão do homem branco europeu como superior ao negro, á mulher e todas as outras minorias.

O negro é visto no Brasil como um objeto de menos valia, a subjetividade do negro está estruturada em um passado que ele talvez ignore, mas que está presente num pertencimento coletivo que a visibilidade contemporânea afirma, fabrica, reformula, organiza, e defende de todas as tentativas de apagar.

As palavras da vida cotidiana tanto quanto da vida social atribuem ao individuo negro um lugar inferior, portanto, os negros vivem num mundo de injúrias, a linguagem os cerca, os encerra e os designa, criando para eles significados.

Uma pessoa negra descobre a todo momento que é alguém que pode ser julgada e agredida, que é objeto de olhares e dos discursos e assim é estigmatizada por esses olhares e discursos. Já crianças se aprendem que há pessoas que podem ser xingadas, como os negros e os gays; este fato opera como ato de censura que edita, garante e reforça o domínio de uma raça sobre outra.

O negro, tem sido excluído do sistema de dominação branco que nega a sua cor, contribuindo para a marginalização de sua presença, de seu significado e de sua imagem, no entanto, há uma ambivalência de posição dos negros, uma adaptação a essa realidade, uma estranheza à sua real situação. Estes fatos nos levam a refletir se o sofrimento de ser vítima de discriminação racial pode contribuir para alterações psíquicas nos indivíduos negros.

Segundo Larkin Nascimento(,) os 122 anos de liberdade tem causado mais danos psíquicos aos negros do que os 400 anos de escravidão porque o racismo cria um foco interior de contradições nas quais se inscrevem as dificuldades encontradas pelas pessoas negras de amarem a si mesmas e aos outros da sua raça.

Os negros encontram dificuldades de identificação porque o processo de embraquecimento tenta redefinir, para eles, o que significa ser uma pessoa humana, essa lógica associa a bondade, o sucesso, a criatividade, o gênio, a beleza e a civilização a brancura, e em última análise identifica a condição humana com o fato de ser branco.

Nesse sentido(,) as teorias psicológicas não contemplam a diversidade, no entanto, todas a partir dos pressupostos, por elas adotados, enfatizam a necessidade do individuo ser acolhido no meio onde ele se insere. Portanto, verifica-se a necessidade de uma escuta psicológica mais atenta ao racismo e suas implicações na subjetividade das pessoas negras, frente a essa vulnerabilidade psíquica e social.

Verifica-se também a necessidade do negro trabalhar pela sua desalienação numa súbita tomada de consciência das realidades econômicas e sociais, buscando produzir a si mesmo, suas próprias representações, e por essa iniciativa de se produzir como sujeito do discurso; recusar-se a ser apenas objeto dos discursos dos Outros

No Brasil existe um senso comum no sentido de que a tese da inferioridade do negro e o determinismo racial foram varridos do país não restando vestígio de sua operação social. Essa idéia convive em tensão constante com o testemunho de intelectuais e ativistas negros que documentam a presença ativa do ideário eugenista em incontáveis fatos cotidianos.

A sociedade brasileira está estruturada de forma a permitir a ilusão aos negros, de às vezes, se sentir branco, desde que não crie problemas e não exija de fato igualdade de direitos. Essa(,) esquizofrenia social permite a ocorrência de fatos que seriam escândalos em qualquer lugar mais civilizado do mundo, mas que no entanto aqui são aceitos com a mais espantosa naturalidade.

Recentemente o Deputado Jair Messias Bolsonaro foi questionado sobre o que faria se seu filho namorasse uma mulher negra, ele respondeu que não corria esse risco de seu filho se apaixonar por uma negra, porque eles haviam sido muito bem educados.

O caso suscitou várias polêmicas nos meios de comunicação, no entanto, se não vivêssemos numa sociedade inexplicavelmente apática, convencida da democracia racial, esse caso não seria apenas polemizado, mas sim seria exigido que esse representante de governo respondesse criminalmente pela sua insensatez.

Expõe ainda, a vulnerabilidade da raça negra no país que não consegue se vê como grupo e reagir a esse e outros escândalos que reforçam a inferioridade dos negros restituindo-os às senzalas e reforçando o sentimento de menos valia.

Essas reflexões mostram que o ponto nevrálgico do racismo no Brasil é o silêncio. As pessoas não estão dispostas a debater seriamente as questões raciais, portanto é indispensável mobilizar a sociedade brasileira para este tema. Os brancos precisam olhar para si mesmos e verificar o quanto de preconceito ainda carregam e os negros se conscientizarem de que não são tratados com iguais direitos.

Nesse jogo anti-democrático todos perdem. Os negros perdem a oportunidade de usarem toda sua criatividade e inteligência e os brancos de construírem juntamente com os negros uma nação plenamente democrática onde as pessoas realmente tenham direitos iguais.

MARCIA MARIA DA SILVA – psicóloga e servidora pública

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