Para marcar o 20 de novembro de 2014, Dia da Consciência Negra, o editor do site da UNE, Rafael Minoro, bateu um papo com Rappin’ Hood sobre preconceito, começo da carreira, negro na política e manifestações.
No Vermelho
Hood está com um novo trabalho engatilhado, o discoSujeito Homem 3, que encerra uma trilogia das mais criativas e importantes para o mundo da música brasileira. A pegada samba-rap, como ele mesmo define o seu som, continua forte e algumas faixas já estão circulando pela internet. Hood fala ainda sobre o quase encerramento da sua carreira, lembra Sabotage e lamenta o extermínio da juventude negra no país.
Confira a entrevista na íntegra:
Rafael Minoro: Onde estava e o que estava fazendo o Rappin’ Hood no dia 20 de novembro de 1994 e onde está e o que está fazendo o Rappin Hood 20 anos depois?
Rappin Hood: Em 1994 eu estava numa reunião no Geledés, instituto da mulher negra, um evento onde estudávamos formas de fazer com que essa data fosse reconhecida e hoje 20 anos depois me vejo feliz pelo reconhecimento da data mas ainda querendo mudanças, muitas mudanças pois a luta ainda continua. Estarei fazendo shows nesse dia, a militância segue.
Como é que o Júnior vai se transformar no Rappin’ Hood? De onde veio o incentivo para buscar uma carreira na música? Foi o meio em que você vivia, a sua realidade, a sua situação, isso serviu como um pilar, um catalisador para a sua arte?
Sim, todo esse conjunto de fatores colaborou no resultado final, foi a porta que encontrei para seguir, a música é um ótimo caminho, eu faria tudo de novo. No hip hop encontrei a veia certa, devo tudo que tenho ao hip hop. Eu era um garoto e ouvi as batidas de [Afrika] Bambaataa e quando vi Pepeu, Thaide, Metralhas percebi que estava inserido, que eram iguais a mim e assim incentivado pelo finado DJ Natanael Valencio comecei a me apresentar em bailes e eventos. Tudo começou assim…
A sua madrinha e parceira Leci Brandão foi reeleita em 2014 deputada estadual em São Paulo. Quando ela se lançou na política foi uma surpresa e recebeu críticas e elogios. Você tem acompanhado o trabalho dela na Assembleia? Qual a sua opinião sobre a entrada na política de figuras como a Leci? Faltam ainda nas câmaras e assembleias parlamentares que representem, por exemplo, o rap? Na sua opinião, por que o rap, mesmo sendo hoje um movimento grande, organizado, com ramificações em outras áreas da arte, não consegue eleger os seus representantes diretos?
A querida Tia Leci sempre foi militante e politizada e apesar dos críticos está desenvolvendo um belo trabalho lá na Assembleia. É muito bom ter uma representante da mulher negra lá, ela tem um olhar diferente para o povo e espero que ela siga firme nos propósitos, torço por ela. Acredito que ela estava preparada para o cargo. O rap chegará lá quando for o momento certo, por enquanto me sinto representado por ela que está abrindo caminho pra nós chegarmos no futuro. Eu não tenho essa pretensão, mas espero ver algum dos meus irmãos lá, seria bom para o hip hop.
Quais as novidades que você pode adiantar sobre o seu novo trabalho? Já tem previsão de lançamento? Escutamos algumas já, uma, inclusive, um recado para os políticos…
Vem aí Sujeiro Homem 3 e o que posso adiantar é que vem bastante coisa nova, mais de 20 músicas, um cd duplo. A parte samba rap de meu trabalho conta com a produção do Maestro Rildo Hora e com participações de peso como Zeca Pagodinho e Martinho da Vila. Já nos beats, trabalhei novamente com Dj Luciano e Parteum e já soltamos o vídeo de “Ó auê aí o”, música que fala dos protestos.
Como o Rappin Hood, um cara que sempre foi militante do rap, envolvido com projetos sociais, enxergou as manifestações de junho? Você estava acordado ou dormindo?
O Rap sempre esteve acordado, sempre denunciamos isso. O Rap nunca dormiu.
O seu disco novo fecha uma trilogia? Quando lançou o Sujeito Homem, pensava em fazer mais dois discos e fechar um ciclo? Sobre o que essa trilogia falou? O novo trabalho fecha também uma carreira como cantor de rap? Você vai mesmo se aposentar ou voltou atrás?
Sim, fecha uma trilogia, um ciclo. Passei a pensar nisso só quando fiz o segundo cd. Cada cd é um filme e cada filme é diferente um do outro mas com certeza tem um norte a ser seguido, uma raiz a qual sigo, mas estou feliz de fechar essa fase. O terceiro trará gratas surpresas, espero que curtam. Virão outros trabalhos com certeza, a aposentadoria ficou pra depois, eu estava com problemas pessoais, minha mãe estava muito doente e eu disse que pararia, mas a finada Dona Beth me fez prometer que não pararia e por isso estou aqui mais firme que nunca.
Por ser uma figura pública, por cantar rap, que é um estilo carregado de preconceitos e estereótipos, você acha importante passar essa positividade para o público, principalmente para jovens e crianças. Sua postura, a do Sabotage, que também estava sempre “de boa“, e outras figuras como vocês quebram um pouco uma barreira que existe, meio que simbolicamente, entre a alegria e o rap, a coisa boa e a favela?
Não nasci de mal com o mundo o mundo que nos trata mal né!!! Mas tento canalizar pro lado bom, transmitir coisas boas, o mundo já tá tão louco, tento transmitir positividade, uma mensagem de paz, autoestima. Acho que esse é meu papel na sociedade também.
O que mais você se lembra do Sabotage? Qual a cena que você sempre se pega pensando quando lembra dele? Em um exercício de futurologia, o que o Sabotage estaria fazendo no final deste ano de 2014?
Poxa, que saudade! Lembro de vários momentos, mas um que me marcou foi a alegria dele ao instalar o chuveiro elétrico em seu barraco, ali na favela do boqueirão, ele ficava feliz em cada vitória, cada passo que dava, eu acredito que hoje ele estaria gigante como rapper, como ator, acho que estaria fazendo filmes e até novela, por que não? Ele era pra frente, muito inteligente, grande amigo e parceiro querido. Pode crê, mano, Sabotage vive!
Qual o seu envolvimento com a Faculdade Zumbi dos Palmares, uma instituição de ensino voltada para a inclusão do negro no ensino superior? E qual a sua opinião sobre políticas como a das cotas para afrodescendentes no ensino superior público?
Eu sou um ex-aluno da Zumbi, estudei administração lá por quase dois anos mas parei por conta dos compromissos profissionais. Eu acredito que as cotas não resolvem mas ajudam, são uma conquista de nosso povo quer gostem ou não, lá nos EUA isso também aconteceu, acho normal. No Brasil trouxe controvérsia, mas o que não é controverso aqui?
“Ser negro corresponde a [fazer parte de] uma população de risco: a cada três assassinatos, dois são de negros”, afirmam os pesquisadores Almir Oliveira Júnior e Verônica Couto de Araújo Lima, autores do estudo divulgado pelo Ipea e que revelou que a possibilidade de um adolescente negro ser vítima de homicídio é 3,7 vezes maior do que a de um branco. Ainda o assusta sermos um país onde existe o extermínio da juventude negra?
Essa é uma verdade há tempos dita e denunciada pelo rap. O tempo passa e nada muda, infelizmente. Acredito que nosso maior desafio seja esse, nos mantermos vivos. Esse fato não me assusta e sim me entristece pois estamos num novo século e a humanidade ainda não entendeu que somos todos irmãos. Que pena!
Confira o novo clipe de Rappin Hood: