Reconheça seus privilégios para poder mudar o mundo – Lola Aronovich

por LOLA ARONOVICH

Em junho, quando estive no II Congresso da ANEL (Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre!), em Juiz de Fora, decidi falar sobre privilégios na minha mesa, que era sobre opressões. Fui bem recebida e, de lá pra cá, bastante gente tem me pedido para publicar essa listinha de privilégios aqui.

A pessoa mais recente que me pediu isso foi numa palestra na Unicamp, em Limeira, na semana passada. Essa moça me disse que algumas dessas frases são extremamente eficientes em fazer as pessoas pensarem. Então vamos ver.

Faz um tempão que falo de privilégios, um tema que deixa muita gente indignada. Afinal, ninguém gosta de assumir que tem privilégios. Preferimos acreditar que trabalhamos muito e que merecemos chegar onde chegamos. Que estamos aqui por mérito próprio, fruto unicamente do nosso esforço, sem que a forma como a sociedade é estruturada tivesse qualquer influência.

Em linhas gerais, privilégio é andar por uma estrada sem grandes buracos, sem lama, bem transitável — e nem sequer reparar nas boas condições da estrada. Isso não significa que a vida pra quem tem privilégios será um mar de rosas. Todos têm problemas e frustrações. Só que há muito menos obstáculos pra quem é homem cis (identificado como homem desde que nasceu) branco hétero de classe média e sem necessidades especiais. O mundo foi feito pra esses caras. Eles são o padrão.

Por outro lado, homens têm que deixar de fazer uma série de coisas que são consideradas pouco másculas, como abraçar e demonstrar afeto. É como se tivessem que pagar pelo privilégio masculino cooperando com uma versão idealizada da masculinidade. Uma versão que não traz benefícios pra ninguém.

Nunca me canso de repetir que eu sou muito privilegiada. Tirando o privilégio masculino, que não tenho, tenho todos os outros. Por isso, foi fácil escrever sobre privilégios masculinos, mas complicado tentar me colocar na pele de negrxs e homossexuais e ver os privilégios que eu tenho, e que são negados a eles. Esta semana ainda, publicarei uma lista de privilégios cisgêneros (pessoas que se reconhecem com o gênero designado pela sociedade, ou seja, pessoas não trans).

Eu luto para que meus privilégios deixem de ser privilégios e sejam direitos de todos. Por exemplo, frequentar uma universidade pública de boa qualidade deveria ser um direito de todos que quisessem trilhar esse caminho. Mas, no Brasil, algo tão simples se transforma em privilégio. Quem está numa universidade é desde já um privilegiado.
Reconheça seus privilégios.

Alguns privilégios masculinos

É não ser considerado “disponível” apenas por estar sozinho.
É ser escutado porque pode ter algo interessante a dizer, não por ser atraente.
É não te disserem o tempo todo que, pra você ser um homem completo, você precisa ter filhos.
É poder sair à noite e se preocupar apenas em ser assaltado.
É poder cometer muito mais acidentes no trânsito e ainda assim ser visto como um bom motorista, porque mulher é que é barbeira.

É poder ter uma vida sexual ativa, com várias parceiras, e ser festejado por isso, chamado de garanhão, playboy.
É ninguém achar que seu corpo está à venda.
É ser ensinado que ser ouvido é mais importante que ser visto.
É poder beber até cair sem ser estuprado.
É ter toda uma linguagem que te adota como padrão. (Se eu falar “Olá, leitoras”, leitores não se sentirão contemplados).
É poder ver anúncios misóginos, só notar a beleza das modelos, e rir de quem protesta da misoginia dos anúncios (vai lavar louça!).
É poder ver como “opressão” as meninas bonitas não se interessarem por mim.
É ter toda uma ciência feita por homens para legitimar o seu comportamento e o seu domínio como “natural” e “instintivo”.
É achar que você tem direito a todos esses privilégios porque Deus — que é Pai — quis assim. Ou porque está na bíblia. Ou simplesmente porque sempre foi assim.

 

Alguns privilégios héteros

É poder andar de mãos dadas com seu amor. E beijar em público.
É não haver insultos relacionados a sua orientação sexual.
É não ter um monte de igreja querendo te curar e salvar enquanto te agride.

É ninguém jurar que você vai direto pro inferno por gostar do “sexo oposto”.
É não ter que decidir quando vai contar pros seus pais que vc é hétero.
É sua família não te botar pra fora de casa e nunca mais falar contigo por causa da sua sexualidade.
É não ser espancado na rua por fascistas que suspeitam do seu jeito.
É, quando ligar a TV ou ir ao cinema, ver pessoas como vc, que te representam e te inspiram.

É poder adotar crianças e a sociedade te congratular por isso, não te achar um pervertido.
É não considerar que uma doença é punição divina pela sua vida sexual.
É ninguém falar pra vc: “Prefiro ter um filho assassino a ter um filho heterossexual”.

estude

Alguns privilégios brancos

É nem perceber que a primeira coisa que as pessoas reparam em vc não é a sua cor.
É ter muito menos chance de ir pra cadeia.
É, quando se é criança e brincar de boneca, as bonecas serem da sua cor.
É o padrão de beleza levar a sua cor. E seu cabelo nunca ser chamado de bombril ou de ruim.
É ter muito mais chance de ingressar numa faculdade por ser branco.
É, numa faculdade, as pessoas acharem que você está lá porque estudou muito e mereceu entrar, não porque uma lei me beneficiou.

É achar que as leis e toda a estrutura da sociedade não te beneficiam.
É as pessoas não te descreverem apenas pela sua cor.
É, na TV e no cinema, as pessoas da sua cor terem papéis diversos e completos, não fazerem papéis de serviçais, ser protagonistas.
É ter pessoas que te avaliam geralmente serem da sua cor.
É ninguém se negar a sentar do seu lado no ônibus (a menos que vc seja gordx).
É ninguém associar a sua cor ao seu cheiro.
É quase todos os escritores que fazem parte da grade curricular da sua escola/faculdade serem da sua cor.
É todos os heróis da pátria serem da sua cor.
É todos os presidentes do seu país (o cargo mais alto a que alguém pode aspirar) terem sido da sua cor.

 

Quando finalmente nos damos conta dos nossos privilégios, podemos começar a entender as opressões que pessoas sem esses privilégios têm. Sem saber de nossos privilégios, desqualificamos as opressões, e inventamos besteiras como “orgulho hétero”, ou “quero usar camiseta escrito 100% branco”.

Admitir os seus privilégios não é abrir mão deles. É apenas compreender melhor o mundo, e o lugar que você ocupa neste mundo. E, pra mudar o mundo, precisamos saber de onde partimos e para onde queremos ir.

canhoto na idade media

– Seu estilo de vida é uma abominação.
– Mas sou assim desde criança.
– As Escrituras dizem que isso é do demônio.
– Mas quem eu estou machucando sendo desse jeito?
– É do mal! Você deve renunciar a este comportamento!
– Mas e se for natural?
– Não há prova disso!

SER CANHOTO NA IDADE MÉDIA

 

 

Fonte: Lola escreva Lola

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