Religiosos criticam decisão que não considera umbanda e candomblé religiões

Vinícius Lisboa – Repórter da Agência Brasil – Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Líderes de diversas religiões repudiaram hoje (19) a decisão do juiz da 17ª Vara Federal do Rio, Eugênio Rosa de Araújo, que negou o pedido de retirada de vídeos com mensagens de intolerância contra religiões afro-brasileiras, por considerar que a umbanda e o candomblé “não contêm os traços necessários de uma religião”, como um texto-base, a exemplo da Bíblia, uma estrutura hierárquica e um Deus a ser venerado. As críticas foram feitas durante o lançamento da campanha promovida pela Pastoral do Esporte da Arquidiocese do Rio para a Copa do Mundo de 2014.

ato ecumenico maracana-4194

Intitulada Por um mundo sem armas, drogas, violência e racismo, a campanha foi promovida em um evento inter-religioso nesta segunda-feira, no Estádio Jornalista Mário Filho, Maracanã. O babalorixá Carlos Ivanir dos Santos afirmou que o candomblé vive tempos difíceis e agradeceu o apoio de representantes de outras denominações religiosas que criticaram a decisão: “O que leva ao ódio é a ignorância. É a ignorância que cria o que estamos vendo na Nigéria [referindo-se ao grupo fundamentalista que sequestrou meninas por acreditar que mulheres não devem estudar], onde um grupo quer impor a sua verdade sobre outros”.

De acordo com Santos, “A questão da intolerância religiosa tem sido um fator importante para o ódio. Quando um juiz de um Estado laico desrespeita a Constituição, colocando uma opinião preconceituosa, se fomenta o ódio contra as religiões de matriz africana”, criticou, classificando a argumentação do juiz como elitista e racista. Na decisão, Eugênio Rosa de Araújo afirmou que “as manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem em religiões, muito menos os vídeos contidos no Google refletem um sistema de crença – são de mau gosto, mas são manifestações de livre expressão de opinião”

A mãe Fátima Damas, umbandista, também defendeu sua religião contra a visão do juiz. “É muita ignorância da parte dele. Ele precisa entender que existe a cultura oral. É impraticável a gente aceitar que um homem da lei abra a boca e faça uma coisa dessa. Queremos ouvi-lo e queremos que ele nos ouça. Esperamos que se retrate”, afirmou.

Líderes de outras religiões endossaram as críticas. Presidente do Conselho de Igrejas Cristãs do Estado do Rio de Janeiro, a pastora Lusmarina Campos Costa apoiou o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF/RJ), que solicitou a retirada dos 15 vídeos do YouTube: “Não podemos aceitar o ódio ou a sua expressão de maneira nenhuma. Nos colocamos solidários com o MPF do RJ quando diz não aos vídeos que incitam o ódio contra as religiões afro-brasileiras e permanecemos ao lado quando ele recorre da decisão descabida do juiz federal que baseia o seu julgamento em um argumento arcaico e obsoleto, desconsiderando a complexidade do universo religioso brasileiro”.

Representando o arcebispo do Rio, Dom Orani Tempesta, o bispo auxiliar Dom Roque Costa Souza também se solidarizou com as religiões de matriz africana. “Se o país está dizendo que é laico, e as religiões não têm que se intrometer em determinadas situações, por que agora vem a Justiça querer definir o que é religião e o que não é, se desde tanto tempo nós estamos nesse diálogo inter-religioso e procurando aceitar uns aos outros com as nossas diferenças do modo de cultuar Deus?”, questionou, acrescentando que a Igreja Católica se posiciona contra essa decisão.

O sacerdote budista Gyoushu Tadokoro também invocou a laicidade do Estado para criticar a decisão. “O país é laico legalmente e qualquer tipo de discriminação que coloque que isso é religião e isso não é cabe a nós, religiosos”, defendeu.

Membro da Sociedade Beneficente Islâmica do Rio de Janeiro, Sami Ahmed Isbelle destacou a tradição das religiões africanas no Brasil. “Essas são denominações existentes há muito tempo no Brasil, então, essa é uma decisão completamente equivocada e fora de propósito. O que vai gerar tudo isso é mais ignorância”, disse.

Isbelle também alertou: “Quando você coloca uma denominação que há muito tempo já sofre um preconceito dentro do Brasil como não sendo uma religião, isso pode estimular as pessoas a perseguirem, a cometerem atos violentos contra eles, justificando que não é considerado religião”.

O presidente da Federação Israelita do Estado Rio de Janeiro, Jayme Salomão, pediu respeito às minorias. “Todo mundo que busca um Deus, nós temos que reconhecer. Temos que reconhecer as minorias presentes no Brasil. O Brasil tem que servir de exemplo de sucesso, de lugar onde todas as religiões se agregam em paz”.

A campanha Por um mundo sem armas, drogas, violência e racismo é o tema da 14° Semana Municipal da Paz, que destaca a importância da preservação da vida. Além de atividades de conscientização, a campanha produziu a música Fé na Copa e ninguém pra escanteio, que será executada nos eventos da arquidiocese antes, durante e depois do mundial de futebol.

 

Fonte: Agência Brasil

+ sobre o tema

São Paulo marca ‘beijaço de repúdio’ contra Marco Feliciano

Acusado de homofobia e racismo, deputado é alvo de...

Declarações de Feliciano incitam o ódio e a intolerância, diz Ministra dos Direitos Humanos

  A ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência...

Laerte e Wyllys criam comissão de direitos humanos paralela

O cartunista Laerte (à dir.) e o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) comandarão...

No Recife, Marina Silva sai em defesa de Marco Feliciano

“Feliciano está sendo mais hostilizado por ser evangélico que...

para lembrar

Cemitérios proíbem cultos afro

Orientação da Santa Casa descumpre decreto assinado pelo prefeito...

Sobre preconceito e intolerância religiosa

Comunidades de terreiro se mobilizam em todo o país...
spot_imgspot_img

Na mira do ódio

A explosão dos casos de racismo religioso é mais um exemplo do quanto nossos mecanismos legais carecem de efetividade e de como é difícil nutrir valores...

Intolerância religiosa representa um terço dos processos de racismo

A intolerância religiosa representa um terço (33%) dos processos por racismo em tramitação nos tribunais brasileiros, segundo levantamento da startup JusRacial. A organização identificou...

Intolerância religiosa: Bahia tem casos emblemáticos, ausência de dados específicos e subnotificação

Domingo, 21 de janeiro, é o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Nesta data, no ano 2000, morria a Iyalorixá baiana Gildásia dos...
-+=