Rugido de Revolta

“Aquele negro que mata alguém que deseja mantê-lo escravo seja em qualquer circunstância, mata em legítima defesa”. Luis Gama

“Quem é preto como eu, já tá ligado qual é, Nota Fiscal, RG, polícia no pé” essa frase retirada de uma das letras do grupo de rap Racionais Mcs, esboça bem a violência racista que foi vítima o jovem Nicolas Menezes Barreto, aluno negro do curso de Ciências da Natureza da USP, que foi brutalizado por um policial militar dentro das dependências da Universidade ao não apresentar o seu “cartão de estudante” (Leia-se: pele branca). A diferença é que em vez de ter a polícia no pé, Nicolas levou socos, pontapés, tapas na cara e uma quadrada (arma de fogo) apontada pra sua cara.

Diante dessa selvageria racial, perpetrada pelos agentes do supremacismo branco, dispensamos a construção de uma nota, monção, carta aberta, ou quais termos congêneres e viemos por meio deste, soltar nosso rugido de revolta. Nesse sentindo, três pontos nos chama atenção, I) a (não) repercussão do caso, II) A percepção (e vivência) de que não é um acontecimento isolado e III) Nós não nos chocamos, o fato serve apenas pra evidenciar uma certeza: O braço armado do estado é racista e arbitrário da sua base (capitães do mato contemporâneos nas ruas caçando e matando pretos) até às suas máximas estruturas de poder.

A primeira questão a ser apontada é a repercussão nos meios de comunicação, da violência racial sofrida pelo jovem negro. O caso foi divulgado, ou melhor, denunciado em variadas mídias ligadas ao movimento social negro e mesmo nas redes de comunicação do inimigo, as tradições mídias hegemônicas (leia-se burguesas). Entretanto, é perceptível que os socos, pontapés e tapas sofridos pelo jovem estudante negro da USP, não têm o mesmo peso (ou cor) que as violências sofridas na reintegração de posse, pelos estudantes que ocuparam (legitimamente) essa mesma universidade há alguns meses atrás.

Quando os estudantes da USP, na sua grande maioria jovens brancos de classe média, apanharam, todos se pronunciaram: Os partidos de esquerda, de direita, de centro, de fundo, os ambientalistas, professores, servidores técnicos, sindicatos, os pais dos alunos, coletivos estudantis por todo Brasil, quiçá do mundo, sem contar os milhares de comentários, monções, cartas, notas e coisas do tipo, que circularam (e ainda circulam) nas redes (prisões) sociais da falaciosa “aldeia global. Mas isso não é novidade pra nós, pois a cartilha nos ensina desde cedo, Estamos por nossa própria conta, é nois por nois mermo!

Outro aspecto importante a ser ressaltado, é que a bestialidade racial contra Nicolas, não foi um caso isolado, na verdade não deve ser caracterizado como um caso, mas sim a confirmação de que o regime de supremacismo branco vigente no Brasil, um Estado instrumentalizado para caçar, capturar e exterminar negras/os. Quando não se mata, soca, chuta, estapeia, rasca, estilhaça, ameaça, humilha.

A ferocidade com que Nicolas foi tratado não é inédita. Ele foi único e exclusivamente agredido por ser negro, foi pra isso que o policial foi treinado, é dessa forma que a política (de Estado) de segurança pública é desenhada, é dessa maneira que o Estado brasileiro trata secularmente a comunidade negra: Caça, captura e mata. A agressão sofrida pelo estudante negro da USP é mais um elo da forte corrente da estrutura de poder Branco instaurada no Brasil, é apenas mais uma ponta desse iceberg de cadáveres negros abatidos cotidianamente nas batidas policiais, nos baculejos da madrugada, na política de higienização da comunidade negra, conhecida pelos nomes de “Pactos pela vida” e “UPPs”. O tiro para comunidade negra nunca é perdido, o bagulho ta apontado para nossas cabeças, quando não acerta, nos aleija de alguma forma.

Por fim, sem mais delongas, sem muitas análises e ponderações (que são necessárias), o que temos a dizer? O que pensamos sobre o que ocorreu, ocorre e esta acontecendo nesse momento com vários pretas/os por essa diáspora a fora? Mais uma vez a sabedoria de Rua do Rap Nacional representa o que pensamos e sentimos, “Eu durmo pronto pra guerra e eu não era assim, tenho ódio e sei que é mau pra mim” (Racionais Mcs).

Guerra e ódio, duas palavras que cada vez mais perpassam nossas cabeças, nossas conversas, nossa militância. Nós, que estamos fazendo a militância no verdadeiro Bang, sem negociatas com os inimigos (e falsos aliados). Nós que permanecemos (e somos) “pretos largados pelas ONGS, os pretos aprisionados, drogados, os que dizem foda-se com uma pistola nas mãos e roupas Ciclone e sandálias kenner nos pés sujos. Os pretos confinados nos guetos das cidades, enterrados vivos nas casas de correção, detenção e manicômios, os pretos e pretas que “vem cum nós” a cada dia que saímos as ruas com uma militância real, viva.” (Hamilton Borges, Geledes, 2012). A gente não se choca mais, não choramos mais, não tememos socos ou pontapés e mesmo a morte não nos assusta tanto assim, como já disse Steve Biko, “Para um número muito grande, na verdade, não há realmente muito que perder… E assim, se a gente puder superar o medo da morte, que é uma coisa atualmente irracional, sabe então a gente esta a caminho” (Steve Biko em Escrevo o que eu quero).

Mas a caminho de que estamos? Essa estrutura de poder Branco que oprime secularmente a comunidade negra, e, sobretudo, extermina, nos deixa cada vez mais desumanizados e conscientes que nossas táticas em legítima defesa, não conseguem parar a máquina de moer carne preta (Brasil). Militamos por muito tempo por amor a nossa comunidade, hoje muitos estão na luta por ódio aos nossos algozes… Isso é perigoso, não sabemos como as próximas (e atual) gerações responderão ao genocídio.

Mais uma vez recorremos a filosofia das ruas, apenas uma mensagem perpassa em nossas mentes, “A guerra me parece inevitável pra quem vive em uma condição desfavorável (…) se a população se revoltar não grite por socorro (…) quando o sangue bater em sua porta espero que você entenda e descubra que ser preto pobre é foda” (MV Bill).

Em rebeldia

Por Núcleo de Negras e Negros Estudantes da UFRB

 

Fonte:  

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