Seguro, Legal e Raro…

By Rachel Moreno

 

Depois de uma década de acesso irrestrito ao aborto, as taxas na Suíça continuam estáveis e estão dentre as mais baixas no mundo. Como o país consegue chegar à tão citada fórmula do “seguro, legal e raro”?
http://correiodobrasil.com.br/o-segredo-das-baixas-taxas-de-aborto-na-suica/523018/#.UGsv_q4pm9s

O segredo das baixas taxas de aborto na Suíça

Uma das poucas mulheres a falar publicamente da sua experiência de aborto, Doris Agazzi contou à swissinfo.ch ter recebido mensagens de apoio da sua comunidade mais próxima, mas também ameaças por e-mail. “Nunca me senti envergonhada ou considerei que isso deveria ser mantido em segredo, mas conheço muitas mulheres que não se sentiam bem”, afirma Agazzi.

As leis suíças mudaram em 2002 para permitir o aborto voluntário nas primeiras doze semanas da gravidez, uma abordagem liberal aceita por 72% dos eleitores. Na época, Agazzi contou sua história na televisão como parte da campanha para legalizar o aborto.

Desde então, as taxas caíram gradualmente e se estabilizaram. As estatísticas do aborto no país são publicadas anualmente com pouco alarde.

Em 2011, a taxa era de 6,8 por mil mulheres com idades entre 14 e 44anos, um número extremamente baixo comparado ao do Reino Unido (17,5), França (15 em 2009) e os Estados Unidos (16 em 2008), por exemplo. Alguns outros países como a Holanda, Bélgica e Alemanha têm taxas ainda próximas do nível suíço. A média anual de aborto no mundo é de 28 por mil mulheres em idade fértil.

Planejamento familiar

As baixas taxas de aborto poder ser relacionadas aos números reduzidos de gravidez indesejada. Então o que permite às mulheres suíças terem uma posição tão forte na questão do controle da própria fertilidade?

Especialistas em saúde sexual apontam três principais fatores: educação, contracepção e nível socioeconômico.

A educação sexual está relativamente bem estabelecida na Suíça apesar de não ser obrigatória, como explica Rainer Kamber, membro da Associação Suíça de Saúde Sexual e Reprodutiva. “Ela é oferecida em praticamente todas as escolas públicas suíças, geralmente através de uma cooperação entre professores e especialistas externos.”

Quando jovens mulheres começam a sua vida sexual ativa, é comum que visitem ginecologistas para serem esclarecidas sobre os métodos de contracepção.

Johannes Bitzer, médico-chefe do setor de obstetrícia e ginecologia do Hospital Universitário da Basileia, tem mais de trinta anos de experiência na área de saúde reprodutiva de mulheres. “Temos um número relativamente grande de ginecologistas que trabalham no campo específico dos cuidados básicos de saúde. Em alguns países anglo-saxões esse trabalho é feito geralmente por clínicos gerais”, acrescenta Bitzer.

Sexo sem proteção

A chamada “pílula do dia seguinte”, que impede a gravidez após sexo sem proteção, foi liberada para a venda sem receita médica em 2002. Essa forma emergencial de contracepção também desempenha um papel significativo. Mais de cem mil embalagens da pílula do dia seguinte são vendidas por ano, de acordo com as estimativas da indústria, embora a Sandoz, fabricante da única marca disponível na Suíça, não forneça os números de venda.

Na base de todos os fatores que mantêm baixo o nível de gravidez indesejada está a riqueza relativa de um país. “Embora as gestações indesejadas sejam interrompidas por mulheres de todas as idades férteis, , um dos mais importantes fatores de risco continua a ser o baixo nivel socioeconômico”, analisa Kamber.

Resistência

Um total anual de mais de dez mil abortos por ano (ou 6,8 abortos por mil mulheres com idades entre 15 e 44 anos) corresponde, ao longo do tempo, a uma em cinco mulheres na Suíça tendo tido um aborto em algum momento da vida. Mas a interrupção de uma gravidez indesejada não é vista como uma “realidade da vida” por todos.

Novos esforços estão a caminho para questionar a aceitação geral do tema ao apontar para a questão do financiamento do aborto. Eles são impulsionados por aqueles que lutavam até 2002 contra a legalização do aborto.

A iniciativa popular “Aborto é uma questão privada” (n.r.: projeto de lei para votar em plebiscito e lançado através do recolhimento de assinaturas), que deve ser levado às urnas no ano que vem, tem por objetivo retirar o aborto da lista de procedimentos cobertos pelo seguro obrigatório de saúde.

Como alternativa, ela propõe um sistema onde a mulher pode ou fazer um seguro para si própria separadamente para fazer um aborto em caso de gravidez indesejada, ou pagar o procedimento do seu próprio bolso.

É muito mais uma questão moral do que uma medida de redução de custos, explica Peter Föhn, parlamentar do Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão), co-presidente do comitê de lançamento da iniciativa. “Pessoalmente não estou preparado para co-financiar um aborto e também não espero que as pessoas que são contra o aborto, e o condenam, o façam”. A iniciativa faz uma exceção para os casos em que a vida da mulher está em perigo e para gravidez resultante de um estupro.

Questão de ética

Em um mundo ideal, Föhn gostaria de ver as taxas de aborto na Suíça reduzidas a zero. “Todo assassinato de uma pessoa não nascida, assim como matar qualquer pessoa, é um assassinato a mais”, declara à swissinfo.ch.

Frente a essa impossibilidade, ele acredita ser necessário agir, mesmo se em pequena escala. “Sob nenhuma circunstância o governo ou a comunidade devem facilitar o aborto, encorajá-lo ou, como acontece na Suíça, financiá-lo através do seguro básico de saúde.”

Um antigo veterano das campanhas em prol do aborto, Anne-Marie Rey, vê a iniciativa como uma manobra das forças contrárias ao aborto para mudar o rumo da história. “É apenas um pretexto deles de colocar toda a questão do aborto em discussão mais uma vez. As únicas mulheres que seriam afetadas seriam as pobres. Isso é altamente antiético e discriminatório”, declara.

Quanto aos professionais da área médica, como Johannes Bitzer, eles vão continuar a tentar melhorar os métodos contraceptivos e a sua eficácia, assim como atender as mulheres que enfrentam a gravidez crítica. “Nós continuamos a ter agravidezes não desejadas e penso que a discussão ética continuará, já que ela sempre ficará sem solução”, conclui.

Clare O’Dea, swissinfo.ch

Adaptação: Alexander Thoele

 

 

Fonte: Observatório da Mulher 

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