Serena Williams foi superior até ao se despedir

Tenista, que anunciou o adeus às quadras num extraordinário artigo, só não passou mais tempo no topo do ranking porque fez as coisas a seu jeito

Serena Williams teve um 2006 muito difícil. Dona de sete títulos de Grand Slam àquela altura da carreira, a tenista sofreu com lesões, deixou de disputar Wimbledon e Roland Garros e despencou mais de 80 posições no ranking da WTA. Pior: tomou uma dura da ex-tenista Chris Evert, uma das maiores de todos os tempos, que então parecia insuperável com seus 18 Grand Slams. Em carta aberta publicada numa revista especializada, Evert disparou reprimendas e conselhos a Serena: “Estive pensando em sua carreira, e algo está me incomodando”, começava a carta. “Você já considerou seu lugar na história? É algo com que você se importa? (…) Me pergunto se daqui a 20 anos você poderá refletir sobre sua carreira e se arrepender de não ter se dedicado 100% ao tênis (…) Não vejo como ser atriz e desenhar roupas podem se comparar com o orgulho de ser a melhor tenista do mundo. (…) Quando eu estava jogando, eu sempre soube que haveria tempo para me casar, ter filhos, comentar na TV e até treinar, se eu quisesse. Garanto que haverá tempo para você perseguir todos os seus sonhos quando terminar o tênis.”

Dezesseis anos depois da publicação desta carta, é seguro afirmar que Serena fez tudo diferente. E melhor. Ganhou mais títulos de Grand Slam (23) do que qualquer homem ou qualquer mulher na Era Aberta (desde 1968) do tênis. Só não passou mais tempo no topo do ranking do que Steffi Graff e Martina Navratilova porque escolheu fazer as coisas a seu jeito. Brigou pública e corajosamente por premiações iguais para homens e mulheres, um problema que foi parcialmente atacado graças a ela. Serena não se guardou para as quadras: estudou moda, lançou sua própria linha de roupas, matriculou-se num curso técnico de manicure, formou sua própria empresa de investimentos, produziu filmes. Estrela de um esporte que massacra psicologicamente seus protagonistas, permitiu-se longos períodos para cuidar da saúde mental. Embora tenha basicamente feito o que quis durante quase 27 anos de carreira, teve que largar a raquete a contragosto.

Nesta semana, Serena Williams anunciou o adeus às quadras num extraordinário artigo escrito em primeira pessoa para a revista Vogue: “Serena Williams diz adeus ao tênis em seus próprios termos — e em suas próprias palavras”.

A capa da revista, em que ela aparece com a filha, Olympia, de 5 anos, é outra obra de arte. Sua aposentadoria — termo que ela odeia, prefere “evolução” — desatou debates muito mais importantes do que a deliciosa perda de tempo sobre quem foi melhor.

Em seu artigo para a Vogue, Serena lembrou que jogou com depressão pós-parto, que jogou enquanto amamentava, que ganhou o Aberto da Austrália em 2017 jogando grávida. “Mas agora eu tenho 41 anos (…) Eu nunca quis ter que escolher entre o tênis e a minha família. Mas eu quero aumentar minha família e não quero jogar grávida de novo”.

Seus colegas homens nunca sofreram com esse dilema. Todos eles continuaram a competir normalmente depois que se tornaram pais, afinal não sofreram nenhuma consequência física. No máximo ganharam alguém a quem dedicar os troféus. Até ao se despedir Serena foi superior.

+ sobre o tema

Racismo científico, definindo humanidade de negras e negros

Esse artigo foi pensado para iniciar um diálogo sobre...

“Pérola Negra: Ruth de Souza” traça panorama da carreira da atriz

Mostra que entra em cartaz no CCBB traz 25...

Mylene Pereira Ramos: a juíza que defende maior diversidade na magistratura

“Em nossa sociedade, fatores como raça e condição social,...

para lembrar

Melhor do mundo, Serena Williams só não consegue derrotar o racismo

Serena Williams tinha 6 anos de idade quando a...

Sempre aos domingos: A roupa como uma tomada de posição

A jogadora de tênis Serena Williams é um gigante...

Rainha da Inglaterra parabeniza Lewis Hamilton

A festa da McLaren para Lewis Hamilton nesta quarta-feira...
spot_imgspot_img

Rebeca Andrade lidera Brasil à prata por equipes no Pan-Americano

Rebeca Andrade estreou com uma medalha de prata nos Jogos Pan-Americanos. Neste domingo, a campeã olímpica liderou o Brasil ao pódio por equipes em...

Queniano Kelvin Kiptum quebra recorde da maratona em Chicago

O corredor queniano Kelvin Kiptum venceu a Maratona de Chicago, na manhã deste domingo (8), completando o percurso de 42,195 quilômetros pela cidade americana em duas...

Ouro para o Brasil: Rebeca Andrade é bicampeã no salto no Mundial de Ginástica

Rebeca Andrade conquistou, neste sábado, a medalha de ouro no Mundial de Ginástica no salto. A brasileira, atual campeã olímpica, superou a norte-americana Simone Biles, que...
-+=