Sindicato quer mais negros nos bancos

Umuarama – Em razão do dia em que foi assinada a Lei Áurea que “aboliu” a escravidão no Brasil, em 13 de maio de 1888, o Sindicato dos Bancários promoveu ontem, em parceria com o Grupo de Consciência Negra de Umuarama (Gruconeu) uma manifestação em frente ao Bradesco, pedindo mais contratações de negros e negras nos bancos, que atualmente representam apenas 8% dos contratados no Paraná e que ganham, em média, 84,1% do salário dos brancos, de acordo com o Mapa da Diversidade dos Bancos, elaborado em 2009.

Segundo o diretor do Sindicato dos Bancários de Umuarama, Assis Chateaubriand e Região, Edílson José Gabriel, o movimento, estimulado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), vem para, além de comemorar a abolição da escravatura no Brasil, lutar também pelas marcas que o período de escravidão deixou até os dias atuais. Entre os estigmas está a preferência dos empresários em contratar brancos ao invés de negros.

Para Edílson, a pesquisa feita em 2009 com mais de 50% dos bancários de todo o Brasil, revelou a negação dos bancos em contratar afrodescendente. Os negros representam 35% da população economicamente ativa (PEA) no Brasil, e apenas 19% são bancários. O número cai para 16% no Paraná e apenas 8% dentro das agências.

O acesso dos candidatos às vagas também aponta para um processo não democrático de seleção, que perpetua as desigualdades. A pesquisa mostra que a grande maioria dos bancários teve acesso ao emprego através de indicações de parentes e amigos. Este dado desmistifica o argumento apresentado pelos banqueiros de que as contratações priorizam a qualificação dos candidatos. Ou seja, apesar dos avanços que permitiram o ingresso de um número maior de afrodescendentes em universidades, eles continuam sendo discriminados na hora de ingressar no mercado de trabalho. “Nossa avaliação é de que os bancos estão discriminando, por isso cobramos mais contratações de negros e negras. Os avanços estão acontecendo muito lentamente”, acrescenta Edílson.

“HÁ UMA DÍVIDA A SER PAGA”

O professor, Carlos Alberto de Arruda, atua há 11 anos no Gruconeu, e luta dentro das escolas para praticar o Estatuto da Igualdade Racial, aprovado no ano passado por lei e que obriga o ensino de História e Cultura Africana e Afrobrasileira nas escolas e universidades públicas e particulares. Em entrevista ao Ilustrado ele faz uma avaliação histórica e social da situação dos negros no Brasil até chegar à discriminação no atual mercado de trabalho, inclusive nos bancos.

Arruda conta que se descobriu negro quando entrou na escola e não podia desenvolver uma vida social com os colegas por conta do preconceito. E é com a sua experiência que ele vê a necessidade de um trabalho constante nas instituições de ensino, locais onde todas as raças, culturas, etnias, tipos e religiões se encontram.

AÇÕES AFIRMATIVAS

Ao longo do tempo o governo foi criando as Ações Afirmativas, que são políticas sociais que visam a compensação histórica de tudo o que foi feito com os negros. Entre essas ações estão as moradias populares, que procuram tirar as pessoas das favelas, o Sistema Único de Saúde, o transporte público, etc. Mas o conflito se dá, segundo Arruda, no âmbito da educação.

Diferentemente da saúde, onde quem tem maior poder aquisitivo vai para as clínicas e também não precisa de transporte público, é na universidade em que todos precisam conviver em uma mesma estrutura, graças às ações afirmativas, neste caso, as cotas. “O sistema de cotas não é um esmola aos negros, mas uma reparação do que foi feito lá atrás, é uma dívida a ser paga”, argumenta o professor.

Arruda expõe que a escola foi criada para filhos de brancos e ricos na época da colonização, que estudavam apenas a Europa. Para ele, é esse sistema que precisa ser modificado com aplicação do ensino de História, Cultura Africana e Afrobrasileira, que ajuda a criança a não se sentir como o professor se sentiu na sua infância. “É por essa ‘herança’ colonizadora que negros ainda sabem mais de Napoleão Bonaparte do que Zumbi dos Palmares”, critica.

A visibilidade dos afrodescendentes começou, para Arruda, no governo Lula. As cotas, por exemplo, não são uma entrada pela porta dos fundos, como muitos afirmam, mas fazem parte das políticas sociais que precisam ser cumpridas em razão de um passado cruel, que reverbera até hoje.

NO TRABALHO

A questão dos bancos não é isolada. “Em todo o mercado de trabalho a discriminação se repete. Se uma candidata branca e uma negra vão pedir emprego, mesmo com formação na mesma instituição, com o mesmo currículo, a branca tem muito mais chances de ser contratada”.

Arruda comenta que certa vez, em uma loja, perguntou para o gerente porque havia tantas vendedoras brancas e nenhuma negra. A resposta foi rápida: não costumam trazer currículo. O professor coletou vários currículos de conhecidas e levou até a empresa. Entretanto, até hoje nenhuma foi contratada, senão uma moça para o serviço de limpeza, que o gerente se utilizou para negar a discriminação.

“O negro está entrando nas universidades aos poucos, e quanto mais igualdade dentro das instituições, menor também será a discriminação no mercado de trabalho”, avalia.

Apesar dos avanços, o preconceito ainda impera até na “igualdade”. Seja em divisões dentro das próprias universidades, ou construção de casas populares bem distantes da classe média alta do centro. “É complexo, há muito o que se discutir, desde frases como ‘entrar na minha lista negra’, ‘ovelha negra da família’, até o preconceito nas escolas, nas empresas e sociedade em geral. A maioria das pessoas não tem visibilidade da situação como um todo”, argumenta.

O professor finaliza afirmando que o Brasil é o segundo país em população negra, mas mesmo assim está longe da meta do fim do preconceito. A esperança, está nas escolas.

 

Fonte: Ilustrado

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