por Marcos Romão
Visibilidade e fama para negro no Brasil são coisas perigosas. O perigo de cair do sucesso para o Pelourinho, está em cada casca de banana escondida em todas as curvas de seu caminho.
O caráter do homem e da mulher negra é como ‘bundinha de nenén’, todo mundo se acha no direito de dar opinião e passar a mão dando seus beliscõezinhos em nada agradáveis.
Para não me alongar no tempo da escravização do negro no Brasil, em nossa república falar e escrever sobre o caráter do negro virou uma especialidade em que todos podem tecer suas teorias, desde os acadêmicos até os fuxiqueiros enciumados da esquina. Todos têm um amigo negro que é bom, mas no geral os negros e as negras precisam se adaptar. Precisam sair desse “complexo de inferioridade”, porém, sem montar barracos, confusões e possíveis atos vingativos, melhor serem agradecidos.
De Oliveira Viana a Gilberto Freyre, os acadêmicos brancos brasileiros deram sua pitada sobre o que é o negro brasileiro, o que é o seu caráter. É uma sina do negro brasileiro ter tanta gente a defini-lo. O negro fica sem tempo para saber quem é nesta miríade de definições e sentenças sobre o que ele é e onde deve estar e ficar.
Apesar de alguns avanços da academia em relação aos estudos sobre o negro desde Florestan Fernandes, passando pelos brasilianistas e pelos cientistas sociais balançados pelo movimento negro dos anos 70s. Estes avanços teóricos que tiveram a influência do esquecido e nunca citado Sociólogo Guerreiro Ramos e a faca lingüística e política de Abdias Nascimento, pouco influenciam no dia a dia e no racismo verbal que atingem os negros brasileiros, pois ainda vivemos em nosso imaginário coletivo, nos tempos de Monteiro Lobato e narizinhos empinados e de Gilberto Freyre com sua morenice agradável. Negro bom é o negro que se adapta, se comporta e esquece que é negro, pois adaptado é “igual”.
Presos teoricamente em Gilberto Freyre, os intelectuais brancos brasileiros, revelam em 2013, com a aparição de uma casquinha de pele preta próxima ao poder (não nele) seus medos infantis do bicho-papão, do negro mau, que chega de noite para violar suas casas, mulheres ou seus castelos teóricos. Estava tudo tão confortável no Brasil. Negro se fingia de bonzinho e tudo ia bem. Gente negra mal agradecida, bem que os bisavós escravizadores avisaram.
Fiquemos no “Pai de Todos”, o Gilberto Freyre e suas lições sobre caráter, comportamento e participação do povo negro na formação do modo de pensar brasileiro.
Em Casa Grande e Senzala, ele nos dá uma pista sobre como se pensa no imaginário coletivo brasileiro de 2013:
“na colocação dos pronomes, como nós brasileiros temos duas faces:
uma dura, antipática, dominante que se expressa no Faça-me isto! E uma suave, simpática, pronta a obedecer do dominado que pede Me faça. E nem precisamos ter uma só linguagem as duas devem coexistir porque a força, a potencialidade da cultura brasileira parece residir toda na riqueza dos antagonismos equilibrados!!!”
Joaquim Barbosa contraditou o esperado e optou como negro “complexado e “dominado” pelo “Faça-me isto!”
Como sujeito negro com complexo de inferioridade, nas palavras do jornalista Ricardo Noblat, o ministro negro saiu de seu papel, que deveria ser dócil e agradecido, pois lá no Supremo está por ser um negro “escolhido” como café de boa cepa.
Pela infeliz escolha do magnânimo senhor de plantão, a coisa ou o julgamento deu no que deu. Foi até o fim e tem gente graúda presa, apesar de 200 milhões de brasileiros e brasileiras, jamais imaginarem que um dia isto poderia acontecer no Brasil.
O jornalista Noblat vai ao cerne do jeitinho que é a base do racismo brasileiro, mas perde as estribeiras, como é típico para intelectuais que entram no campo do “psicológico” quando falam do negro no Brasil:
“Por mais inocente que seja quem não receia ser alvo de uma falsa acusação? Ao fim e ao cabo, quem não teme o que emana da autoridade da toga?
Joaquim faz questão de exercê-la na fronteira do autoritarismo. E por causa disso, vez por outra derrapa e ultrapassa a fronteira, provocando barulho.
Não é uma questão de maus modos. Ou da educação que o berço lhe negou, pois não lhe negou. No caso dele, tem a ver com o entendimento jurássico de que para fazer justiça não se pode fazer qualquer concessão à afabilidade.
Para entender melhor Joaquim acrescente-se a cor – sua cor. Há negros que padecem do complexo de inferioridade. Outros assumem uma postura radicalmente oposta para enfrentar a discriminação.
Joaquim é assim se lhe parece. Sua promoção a ministro do STF em nada serviu para suavizar-lhe a soberba. Pelo contrário.”
Joaquim foi descoberto por um caça talentos de Lula, incumbido de caçar um jurista talentoso e… negro.”
Tenho respeito por Ricardo Noblat, um jornalista que se caracteriza por sua independência, como também a tem o juiz Joaquim Barbosa.
Em seu texto “Joaquim Barbosa: Fora do eixo”. Noblat não entra nas diatribes racistas que se tem publicado ultimamente em blogs e jornalões, em uma campanha orquestrada para se atingir o caráter de Joaquim Barbosa, entretanto a alimenta.
Noblat escorrega no desaforo, como todo bom jogador de futebol amigo do negro que acabou de xingar. Só que Noblat, estamos em 2013 e o pote de tolerância com o racismo transbordou. Basta!
Joaquim Barbosa está Ministro Presidente do Supremo Tribunal porque é negro, todos nós negros, assim como Barbosa, o sabemos. Como sabemos que todos os outros anteriores o foram porque eram brancos.
Como um troféu de outrora ele o negro jurista precisou ser caçado, como eram caçados os griots, quando havia necessidade de alguma conciliação colonial com os escravizados, depois eram mortos.
Negro jurista dificilmente seria encontrável nos churrascos da “Granja Torta e Branca”, onde negros só entram como “tias Anastácias” e Lambe-Botas. Caçadores de talentos deveriam sair de lupa na mão para aprisionar um negro com “alguma” competência branca, pois o Brasil assim o precisava para ter uma nova imagem.
São 125 anos de Abolição e só os astros dirão se vai durar mais 125 anos para termos um ou outro presidente do STF negro.
Baixe o pau quem quiser no Presidente do Supremo. Dê sua opinião quem quiser sobre o julgamento do mensalão. Coloque em questão quem quiser os procedimentos jurídicos do julgamento e das prisões. Estamos em uma democracia, mesmo que capenga. Ainda é um direito de qualquer cidadão emitir sua opinião.
Agora pensem duas vezes ao serem analistas do caráter de ser negro. Vocês têm muito pouca experiência no assunto, pois são inconscientes da própria cor e de seus privilégios. Chega de charlatanismo psicológico sobre o que o negro pensa.
Quantas vezes, você Noblat participou de uma roda de conversa antirracista para saber o que é construção de identidade?
Os negros sabem que é muito difícil para os brancos encararem a sua “falta de identidade privilegiada”, por isto fica mais fácil falar e escrever sobre os outros, índios e negros e mulheres e assim esquecerem-se da própria “Patologia do Homem Branco”, como nos lembra Guerreiro Ramos.
Nestes últimos 40 anos tive o prazer de vivenciar com brancos no Brasil e na Europa, que enfrentaram a Esfinge do Racismo. Doeu mas pariram. Pararam de serem “doutores” em negros. Ai deu para começar a conversar.
Pergunte às mães e esposas de jovens e maridos negros, o que é assistir a seus parentes serem julgados por milhares de juízes brancos, que tem medo e asco à sua pele e comportamento e os enfiam nas masmorras?
Ainda não li uma linha branca nos jornalões sobre o caráter mau, perverso, branco e racista destes juízes e de sua formação e berço.
Ao voltar há dois anos ao Brasil avisei aos meus amigos. O racismo brasileiro está entrando em uma fase nova e virulenta. Poucos acreditaram.
Agora muitos negros estão surpresos e estupefatos, com a sem cerimônia intelectual com que passam a mão nas nossas caras e nádegas e pedem que sejam agradecidos pela condescendência de o fazerem com margarina.
Negro não tem imprensa, mas a resposta está aí. Só não vê quem não quer.
Como diria o Gonzaguinha: “A gente não está com a bunda exposta na janela prá passar a mão nela”.
Meus respeitos agora estão na condicional.
Cartaz da Campanha Stop o Neoracismo produção Luiz Carlos Gá
Fonte: Mamapress