Sobre ser uma mulher negra brasileira vivendo no exterior – por Daniela Gomes

O processo de escrita desse post tem sido longo. Por várias vezes já pensei em começar, mas me sinto tão sensibilizada com o tema, que vejo o quanto isso pode prejudicar a escrita e simplesmente paro.

A primeira vez que vim aos Estados Unidos, tive a oportunidade de morar por dois meses em Atlanta no estado da Georgia. A experiência foi tão profunda para mim que cada etapa do que vivi era visto como algo mágico. Entre esses, também era novo para mim o fato de ser considerada uma mulher bonita pelos homens negros aqui, coisa que não acontecia com frequência no Brasil.

Naquele período de dois meses, aprendi que a palavra bonita tinha uma outra conotação quando ela vinha acompanhada da frase “ah você é do Brasil?”. Era fácil perceber que o que estava em jogo não era apenas o fato de ser bonita ou não, mas era antes de tudo o fato de ser brasileira que significava alguma coisa.

Sempre tinha ouvido falar sobre o estigma da hipersexualidade da mulher brasileira no exterior, que essa era vista como uma mulher fácil, ou ao até mesmo como uma prostituta, mas sempre achei que isso era uma generalização e não um fato concreto.

Com o passar dos anos, eu que sempre tive amizade com americanos negros, nunca pensei nesse tema como uma possibilidade, considerando-se que com meus amigos, sempre tive uma relação de respeito e igualdade independente de suas nacionalidades.

E essas relações foram cada vez mais me aproximando do conceito de diáspora e a tentar pensar na luta negra de forma coletiva onde negros de todo mundo devem estar unidos na luta contra o racismo.

Nesse período comecei a ter mais contato com a comunidade negra americana por conta do meu trabalho e cheguei a ser abordada por alguns homens negros americanos de forma indevida, mas sempre vi como fatos isolados, pois acredito que falta de caráter independe de nacionalidade.

Preciso dizer que esse pensamento não mudou, continuo encontrando pessoas maravilhosas no meu caminho e fazendo ótimos amigos aqui.

Contudo é preciso dizer que desde que passei a viver nesse país, alguns fatos chegaram ao meu conhecimento, tornaram as coisas mais claras e me deixaram realmente entristecidas.

O primeiro fato foi um comentário de um estranho sobre homens afro-americanos irem ao Brasil a procura de prostitutas, pois isso facilitaria o relacionamento apesar da barreira da língua. O segundo fato foi a observação de comportamentos indevidos de alguns homens negros americanos no Brasil, que tratavam mulheres como um corpo disponível, como pessoas que estariam ali apenas esperando por eles. Por último, tive acesso a um video que circula livremente pelo youtube onde homens afro americanos dizem procurar mulheres brasileiras, pois essas seriam submissas, não estariam preocupadas com status ou posição social e não teriam um alto nível de educação.

O vídeo me chocou por diversas razões:

A primeira pelo fato de que todas as mulheres no video eram negras.

A segunda pelo fato de que a maioria das mulheres no vídeo visivelmente faziam parte de uma rede de prostituição e as pessoas de forma indiretas mencionavam turismo sexual.

A terceira pelo fato de que o video em todo o momento criava uma tensão entre as mulheres negras brasileiras e as mulheres negras americanas, onde essas estariam sendo preteridas pelas primeiras.

A perspectiva apontada pelo vídeo me fez sentir realmente mal, comecei a lembrar de diversos fatos isolados não apenas que aconteceram comigo, mas também histórias de pessoas conhecidas que tinham exatamente essa perspectiva: mulheres negras brasileiras sendo tratadas como seres de segunda classe por aqui.

Comecei a lembrar que geralmente os comentários sobre a mulher negra brasileira ser bonita, vinham acompanhados sobre comentários de como esses homens gostariam de ir ao Brasil e se divertir muito, mas nunca acompanhado de um pensamento de encontrar uma mulher negra brasileira para um relacionamento verdadeiro, esses são reservados para boas mulheres americanas.

A tristeza só aumenta quando penso que isso é o reflexo de nossos corpos sendo vendidos como produto desde a escravidão, afinal no Brasil a branca sempre foi para casar, a “mulata” para foder e a preta para trabalhar.

Como mulheres Afro Brasileiras sejamos nós de pele escura ou clara, nos tornamos ao longo dos anos a mulata exportação, o símbolo da sexualidade de um país, uma bunda ambulante que está disponível, aquela que merece ser desfrutada, mas que nunca se tornará a senhora.

Enfim, o Brasil que foi tão hábil em mascarar seu racismo com o passar dos anos, também foi esperto o bastante para nos vender como seu melhor produto, que atrai milhares de “clientes”.

Mas se o Brasil vende um produto, existe por outro lado um país que está comprando essa imagem, que está acreditando que a mulher negra brasileira é realmente a grande prostituta que se diz. E isso realmente me entristece. Me entristece, pois eu conheço e tenho estudado cada vez mais a luta das mulheres afro-americanas para fugir de estereótipos como esses. Então porque acreditar quando isso é associado a irmãs de outros países?

Não há como falar em diáspora, sem pensar em união, sem pensar em partilha de dores e experiências na luta contra o racismo e pensar que eu posso ser observada como alguém que não é boa o bastante realmente me faz pensar se estamos em uma luta coletiva.

É claro que não posso generalizar, como eu mencionei antes minhas relações pessoais dentro da comunidade sempre foram maravilhosas e acredito que assim como meus amigos existam outras pessoas que também estão abertas a conhecer e respeitar a cultura do outro e seguir em uma luta conjunta.

Prefiro pensar que na maioria dos casos o que acontece é uma falta de conhecimento sobre a cultura brasileira ou sobre o que realmente acontece no Brasil.

Por isso resolvi responder em poucas palavras algumas das questões levantadas no video Frustrated: Black American Men In Brazil.

Sobre a sexualidade da mulher negra brasileira: Não há como generalizar, em um país com mais de 50 milhões de mulheres negras, cada uma irá lidar com sua sexualidade de maneira pessoal. Conheço mulheres negras que são sexualmente mais liberadas, como conheço outras que são virgens, não existe um padrão para a sexualidade da mulher negra em meu país. Também não acredito que tenhamos uma sexualidade mais aflorada que outras mulheres no mundo, acredito que isso é muito mais um conceito vendido do que uma verdade. A única certeza que tenho é: NÃO SOMOS UM CORPO A DISPOSIÇÃO, ir ao nosso país não significa sexo fácil, apenas porque somos brasileiras e isso é fato.

Sobre mulheres negras brasileiras serem submissas: Entendendo o machismo em meu país, acredito que muitas mulheres no Brasil ainda são subjugadas por homens, mas assim como sexismo existe em todos os lugares, a luta do feminismo negro também existe e nós temos nos levantados contra todo o tipo de opressão de gênero e raça. Temos um histórico de luta e protagonismo em nosso país, mulheres negras desde sempre foram responsáveis pela manutenção da família, como matriarcas que eram e também pelo pioneirismo político em diversas situações. NUNCA ESTIVEMOS NOS BASTIDORES.

Sobre prostituição no Brasil: Existe prostituição no Brasil como existe em qualquer lugar, na verdade o Brasil ainda é um país bem retrogrado nesse sentido, pois é um dos países no mundo, onde prostituição ainda é ilegal e considerada crime. E NÃO, NÃO SÃO TODAS AS MULHERES NEGRAS BRASILEIRAS QUE SÃO PROSTITUTAS OU QUE VÃO TROCAR SEXO POR FAVORES.

Sobre mulheres negras brasileiras serem melhores que mulheres negras americanas: Não acredito que possa ao menos existir essa comparação, politicamente falando mulheres negras nos dois países tem partilhado uma história de luta e militância e aprendido muito umas com as outras. Fisicamente falando, acredito que na verdade somos muito mais parecidas do que nunca, afinal vejo diversas pessoas aqui que se parecem comigo, com minhas amigas, com minhas irmãs. Emocionalmente, temos um histórico diferenciado, apesar de sofrermos com a opressão do racismo, mas acredito sinceramente que nenhuma de nós tem tempo ou vontade de ser o capacho de homem algum . Sexualmente falando, acredito que a questão da sexualidade tem que ser tratada como o que é, algo pessoal que compete apenas aos envolvidos. É mais do que hora de quebrarmos os estereótipos que foram criados sobre nós.

Bom, o post foi longo, mas espero ter sido claro e que ajude para que possamos continuar construindo relações fraternas na luta contra o racismo. Todos são bem vindos no Brasil, mas é preciso derrubar imagens que não são verdadeiras.

Deixo com vocês um link para o video Frustrated: Black American Men In Brazil. E convoco a todas mulheres negras brasileiras e americanas para se unir e dar uma resposta a altura para algo tão preconceituoso e machista.

 

About to be an Afro Brazilian woman living abroad

 

The process to write this post has been taking a time. Several times I thought about to start, but I feel so sensitive about the subject, and I see how this can worry the writing so I stop.

The first time that I came to the US, I had the opportunity of living during two months in Atlanta-GA. It was a so deep experience that for me each step that I took was seeing as something magic. Among these experiences was also new for me the fact that here I was considered pretty by Black men, what didn’t happen often in Brazil.

During those two months, I learned that the word beautiful had another connotation when it was followed by the sentence “oh are you from Brazil?”. It was easy to realize that what was on the table wasn’t only the fact of being beauty of not, but before this was the fact that to be Brazilian meant something else.

I always hard about the stigma of the Brazilian women hyper sexuality abroad, the fact that she was seeing as a promiscuous woman, or even as a prostitute, but I always thought it was a generalization and not a real fact.

Over the years, as a person that always had African American friends, I never saw it as a possibility, considering that with my friends I always had respectful and equal relationships independent of where they were from.

These relationships were responsible for approached me of the concept of Diaspora and made me start to thing in the black struggle in a collective way where black people around the world need to be united in the fight against racism.

On this period, I started to have more contact with the African American community because of my work and sometimes I was approached by some African American men in a malicious way, but I always saw it as isolated facts, because I believe that a bad character is a thing that isn’t related with nationality.

I need to say that this thought didn’t change, I still meet wonderful people on my way and I’m still making amazing friends here.

However, I need to say that since I came to live in this country, I start to know some facts, some things became clear and it made me really sad.

The first fact was a commentary made by a strange who told me about African American men who go to Brazil to find prostitutes, because it would make the relationship easier considering the language barrier. The second fact was the observation of a bad behavior of some African American men in Brazil, who were treating women as available body, as people who were there only waiting for them. At least, I had access to a video that is published on youtube, where African American men affirm to look for Afro Brazilian women, because they supposedly were submissive, they wouldn’t be worry about status or social position and they would not be educated.
This video shocked me for several reasons:

Fist, because all the women on it were black.
Second, by the fact that most of those women were clearly part of a prostitution networking and because indirectly in the video people were mentioning sexual tourism.

Third, the fact that during the video all the moment it was bringing a tension between Afro Brazilian women and African American women, as if those were deprecated by the first ones.

The perspective highlighted by the video made me feel really bad, I started to remember several isolated facts that have happened not only with me, but also histories of people that I know that had exactly this perspective: Afro Brazilian women being treated as second class people here.

I started to remember that usually the comments about the beauty of the Afro Brazilian women, were followed by comments about how these men would like to go to Brazil and have a lot fun, but never was a comment followed by the thought that they could go to Brazil and find a woman to have real relationship, because these are reserved for good American women.

My sadness becomes deeper when I think that this is the reflex of our body being sold as a product since the slavery, because in Brazil, the white woman was to get marry, the “mulatta” to fuck and the black to work.
As Afro Brazilian women no matter if we are light or dark skin we became over the years the “mulatta” for exportation, a symbol of the sexuality of a country, a walking as who is available, the one who deserves to be enjoyable, but who never will become a Mrs.

So, Brazil who was so able in to hide its racism over the years, was also smart enough to sell us as its best product, which can attract millions of “clients”.

However, if Brazil is selling a product, there is on the other hand a country that is buying this image, that is believing that the Afro Brazilian woman is really the great whore that everybody says. And this makes me really sad. It makes me sad because I know and have been learning each day more, about the fight of African American women to escape from stereotypes like these. So why to believe on it when this image is related with sisters from other countries?

There isn’t a way to talk about Diaspora, without to think about union, about share pain and experiences in the struggle against racism and to think that I can be observed as someone that isn’t good enough really makes me think if we are in a collective struggle.

Of course I can’t generalize, as I mentioned before my personal relationships inside the black community here were always wonderful and I believe that as my friends there are other people who are also open mind and are available to know and to respect the culture of their neighbor and to follow in a collective struggle.

I prefer to think that in most of cases what happens is a lack of knowledge about the Brazilian culture or about what really happens in Brazil.

For this reason I decided to answer in few words some of the questions which were approached on the video Frustrated: Black American Men In Brazil.

About the sexuality of the Afro Brazilian Woman: There isn’t a way to generalize it, in a country with more than 50 million Black women, each one of them is going to deal with their sexuality in a personal way. I know Black women in my country who are more sexually open in the same way that I Know other who are virgins; there isn’t a standard for the sexuality of the Black woman in my country. I also don’t believe that we are hyper sexual or are more sensitive for sex than other women in the world, I really believe it is more a sold concept than the truth. The only certainty that I have is: WE AREN’T AN AVAILABLE BODY and to go to our country doesn’t mean easy sex, only because we are Brazilians.

About Afro Brazilian women being submissive: I understand the machismo in my country, and I believe that several women in Brazil are still subjugated by men, but in the same way that sexism is everywhere, the struggle of the Black feminism also exist everywhere and we have been standing against all kinds of oppression of gender and race. We have a history of role in our country, Black women who since always have been responsible for support their family, as matriarchs and also by the political pioneering in different situations. WE NEVER WERE ON THE BACK STAGE.

About prostitution in Brazil: There is prostitution in Brazil as if there is prostitution everywhere. Actually Brazil is still a conservative country in this sense, because it is one of the few countries in the world, where prostitution is illegal and considered a crime. AND NO, NOT ALL BLACK BRAZILIAN WOMEN ARE PROSTITUTES OR ARE GOING TO CHANGE SEX FOR FAVORS.

About Afro Brazilian women being better than African American women: I don’t believe this comparison can even exist, in a political sense black women in both countries has been sharing a history of fight and activism and learning a lot with each other. Physically, I believe that actually we are really similar to each other, because here I see several people who look like myself, my friends, my sisters. Emotionally, we have different history, although we both suffer with the racism oppression, but I really believe that none of us has time or wish to be a doormat for a man. Sexually, I believe that this question needs to be treated as it is, something personal, that compete only to people who are involved on it. It is more than time to break the stereotypes which were created about us.
Well the post was long, but I hope it is clear and can help us to follow constructing friendly relationships in the fight against racism. Everybody is welcome in Brazil, but it is necessary to knock down some images which aren’t real.

I let here the link for the video Frustrated: Black American Men In Brazil. And I call all Afro Brazilians and African American women to join me and give a right answer to something so sexista and full of prejudice.

 

 

Fonte: Afroatitudes

+ sobre o tema

para lembrar

Combate ao racismo e homofobia tem pouco espaço nas escolas, diz relatório

Apenas 48% das escolas brasileiras afirmaram ter projetos para...

Um quarto das escolas públicas não aborda o racismo em atividades extras na sala de aula

Nesta quarta-feira (21), Dia Internacional Contra a Discriminação Racial,...

Origens e significados do termo raça

Maria Clareth Gonçalves Reis Doutora em Educação pela UFF...
spot_imgspot_img

Geledés participa do I Colóquio Iberoamericano sobre política e gestão educacional

O Colóquio constou da programação do XXXI Simpósio Brasileiro da ANPAE (Associação Nacional de Política e Administração da Educação), realizado na primeira semana de...

Aluna ganha prêmio ao investigar racismo na história dos dicionários

Os dicionários nem sempre são ferramentas imparciais e isentas, como imaginado. A estudante do 3º ano do ensino médio Franciele de Souza Meira, de...
-+=