Ler dissertações e/ou teses é sempre um aprendizado – especialmente quando a escrita desafia as nossas certezas e instiga a reflexão. No mínimo, aprendemos ao nos depararmos com novas informações e/ou pelo estímulo à rememoração enriquecedora de conteúdos que pareciam esquecidos.
Por Antonio Ozaí da Silva Do Antonio Zai
Por isso, sempre agradeço com sinceridade pela honra do convite. Não obstante, confesso que a paciência se esvai com a leitura dos “capítulos teóricos” e/ou as longas introduções nos quais os candidatos nos fazem percorrer caminhos já percorridos e nos cansam com tal insistência. Não é raro que tais capítulos correspondam à maior parte do texto apresentado, com o “objeto de estudo” relegado às poucas páginas que compõe o último capítulo. Sendo condescendente, a responsabilidade não se restringe ao autor das dissertações e teses analisadas. Em geral, seguem um padrão considerado científico na academia.
As introduções e o primeiro capítulo de dissertações e teses assemelham-se a tratados metodológicos. É o capítulo metodológico por excelência. Some-se a este, a quantidade de páginas dedicadas ao resgate histórico – a tal da contextualização. Algumas vezes chega a ser hilário, pois retorna-se a um passado remoto que obscurece o “objeto de estudo” e tende a tornar-se mais importante do que a apresentação e análise. Dizem que são exigências da ciência!
Por trás das exigências de cientificidade encontra-se, de fato, um eterno recomeçar que nos faz percorrer caminhos por demais explorados e nos leva a repetir as eternas batalhas do passado. É o que BOURDIEU denomina de “culto escolar dos clássicos” (2000: 47). No final, o resultado é uma sistematização, um resumo, nem sempre bem elaborado, dos autores e teorias. Além disso, corre-se o risco de “forçar a barra” com o uso das teorias que se mostram esvaziadas e sem relação com o conteúdo ou a argumentação – isto, sem contar o abuso da utilização de autores apenas como “argumento de autoridade”. *
Claro, tudo isso não invalida a necessidade de adotarmos teorias. Estas cumprem a função de bússolas que nos orientam no fazer o caminho. Como o marinheiro em alto mar ou o explorador em plena selva, precisamos fazer uso de todos os instrumentos que possam nos ajudar a chegar ao porto seguro ou sobreviver às adversidades da densa floresta. Mas, ainda que todos os instrumentos sejam importantes nos vários momentos da caminhada – ou do navegar – alguns se mostrarão fundamentais.
Deixemos de lado as metáforas e passemos ao universo da metodologia. Temos, então, em qualquer pesquisa, uma questão básica: qual a referência teórica? Mais do que mero questionamento científico, trata-se de uma decisão que delimita campos acadêmicos e ideológicos. Não é apenas a relação sujeito-objeto que está em jogo, mas o próprio sujeito e o objeto, a forma como este é tratado por aquele e como os que devem avaliar este tratamento concebem esta relação.
Por outro lado, a definição de uma metodologia, de um referencial teórico, é uma dificuldade que aumenta de intensidade quando se recusa o apego fácil a este ou aquele autor e, por conseqüência, procura-se evitar o risco de enquadrar o objeto à moldura da teoria adotada. Corremos o risco de pagar tributo a vários cânones e, ainda por cima, sermos acusados de ecletismo.
Essa postura crítica implica uma ruptura epistemológica com os esquemas teóricos sectários que tomam a sua verdade como a verdade absoluta; pressupõe uma ruptura, uma conversão do olhar, ou seja, a instituição de um novo olhar que coloque em suspenso as nossas certezas, os nossos preconceitos e os princípios que geralmente aceitamos para a construção dos conceitos. Trata-se, em suma, de manter a dúvida radical. (BOURDIEU, 2000: 49). É preciso, portanto, ousar pensar e ir além da mera repetição, do “culto escolar dos clássicos” e da mesmice como padrão de exposição.
Referências
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2000.
SILVA, Antonio Ozaí da. Maurício Tragtenberg e a Pedagogia Libertária. Ijuí: Editora da Unijuí, 2008.