Somália: Mohamed Aden

Fonte: Folha de São Paulo
Por Jefrey Getteman

Forasteiro cria novas regras para a Somália

ADADO, Somália – Acima do horizonte tremulante, no meio de uma estrada deserta, surge uma grande figura usando boné de golfe, óculos de sol enormes, jeans largos e um iPhone na cintura -roupa nada típica na Somália, país destroçado pela guerra.

 

Mas Mohamed Aden, o homem que espera na estrada, não é um somali típico. Ao ver seus convidados, ele abre bem os braços. “Bem-vindos a Adado”, diz, sorrindo.

 

Aden, 37, é um pouco comandante de milícia, um pouco professor escolar, um pouco advogado, um pouco engenheiro, um pouco ambientalista, um pouco rei -uma combinação esdrúxula de funções para qualquer um, quanto mais para um sujeito que se veste e fala como um rapper e recentemente se mudou de Minnesota, EUA, para a Somália, na tentativa de formar um governo local.

 

Pense nele como um chefe guerreiro acidental. E um raio de esperança. Em menos de um ano, Aden, que nasceu na Somália e foi para os EUA aos 22 anos, essencialmente construiu um Estado dentro de um Estado.

 

Com dinheiro de membros do mesmo clã que vivem nos EUA e na Europa, ele transformou Adado e arredores, na Somália central, assolada por bandidos e facções islâmicas em guerra, em um enclave de paz, com uma força policial, dezenas de novas empresas, novas escolas e novas regras.

 

A Somália é um dos países mais violentos do planeta, e às vezes Aden teve de falar sob a mira de uma metralhadora. Seu território -que abrange 13 mil km2 e centenas de milhares de pessoas, a maioria nômades pobres e membros de seu próprio clã Saleban- hoje é uma das partes mais seguras do dividido país.

 

Até os estrangeiros estão notando. “Quando cheguei aqui, fiquei surpresa no bom sentido”, disse Denise Brown, funcionária da ONU que o visitou em março. “Não vi o que costumava ver na Somália: destituição, caos, pessoas necessitadas.”

 

A experiência de Aden em construir um pequeno governo local a partir do zero, confiando em uma característica da sociedade somali que atrapalhou quase todas as iniciativas de unidade nacional até hoje -o clã-, pode ter implicações mais amplas ao resto do país, que parece exportar problemas, mais recentemente na forma de piratas.

 

“Eu enfrentaria [os piratas], mas agora não tenho recursos”, disse Aden. “Além disso, você não pode simplesmente eliminar toda uma linha de trabalho para milhares de jovens. Se você tira alguma coisa deve substituí-la por outra.”

 

Ele chegou a Adado no ano passado, para ajudar em uma seca mortífera. Organizou o transporte de água em caminhões e remessas de comida de emergência e canalizou dezenas de milhares de dólares de somalis de classe média nos EUA para os nômades que morriam de fome e sede. Depois, os idosos de Adado, impressionados com seu trabalho, lhe perguntaram: “Quer ser nosso líder?”

“Nós precisávamos de um homem de paz, e ele vem de um lugar pacífico, Minnesota”, disse um idoso, Mohamed Ali Farah. Também ajudou o fato de Aden ter acesso a dinheiro do exterior e um diploma universitário.

 

As pessoas que desafiaram sua autoridade sofreram. No semestre passado, seus policiais mataram a tiros quatro homens que se recusaram violentamente a desocupar uma propriedade, em meio a uma disputa por terras.

 

“Eu sabia que havia forasteiros, pessoas com suas próprias regras”, ele disse. “Eu sabia que teria de enfrentá-las mais cedo ou mais tarde.”

 

Hoje ele cria novas leis, como uma que diz que quem cortar uma árvore terá de pagar uma multa de 100 camelos. Sua área tornou-se um ímã para famílias desalojadas que fogem do incessante banho de sangue na capital, Mogadíscio.

 

“Foi difícil para minha mulher e meus filhos”, ele disse. “Mas estou fazendo algo importante aqui.”

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