Somos Todos Racistas

 

 

Ao que parece, dia 27 de abril foi o Dia do Racismo Velado no Brasil. Um dia para todos bradarem que não são racistas, enaltecerem a democracia racial brasileira e claro, tirar uma selfie-social.

O genocídio de jovens negros apagado pela pomba da paz

Primeiro, o programa ‘Esquenta!” da Rede Globo, apresentado por Regina Casé, fez um especial em homenagem a Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG, de 26 anos, bailarino do programa que foi assassinado no dia 22 de abril. Tudo muito lindo, pedindo muita paz, muito branco e pouquíssima menção a política de extermínio de jovens negros que ocorre nas periferias de todo país. Como relata Mariana Assis nas Blogueiras Negras:

Uma alma iluminada bem que tentou salvar a patifaria que foi a “homenagem” que o Esquenta! tentou fazer para Douglas, dizendo as sábias palavras “nada é mais perigoso do que ser jovem, NEGRO e pobre nesse país” e apresentando dados sobre o genocídio da juventude negra no Brasil. Mas pelo visto nossa querida Regina tem dificuldades com interpretação de texto e mesmo depois desse vislumbre de bom senso por parte da produção, ainda não entendeu que colocar mocinhas louras e ricas, chorosas segurando cartazes com a frase “eu não mereço ser assassinada” e cantando pela paz não significa nada, não diz nada para nós que somos assassinados, silenciados e invisibilizados diariamente. Mas diz sobre eles, diz sobre os objetivos e interesses desse tipo de espaço que estão nos oferecendo nas grandes mídias. Uma moldura negra para a festa branca, nossa dor e o sangue de nossos jovens servindo para justificar o medo dos senhores e incentivar sua busca desesperada pela própria segurança, foi isso que vi naquele espetáculo de sensacionalismo e oportunismo.

Não sou racista, tenho até empregados negros

Segundo, na mesma emissora, o apresentador Faustão respondeu as acusações de racismo contra ele, por ter dito que uma dançarina negra que foi ao seu programa na semana anterior tinha “cabelo de vassoura de bruxa”, com o seguinte comentário ao vivo:

“Brinquei com o cabelo dela como faço com a Ivi (Pizzott, dançarina do Balé do Faustão), com a minha própria roupa. Ela tinha uma cabelo vermelho e volumoso, disse que parecia vassoura de bruxa. Algumas pessoas começaram a achar que aquilo foi racismo. Não foi. Até porque ninguém mais do que eu fala todo domingo que caráter, competência e talento não tem nada a ver com cor da pele, opção sexual, religiosa ou partido político”, disse Fausto Silva. Eu brinco muito com os que trabalham comigo. E aqui trabalham comigo gente da raça negra, há mais da metade da minha carreira. Há mais de 20 anos. Será que estariam se fossem tão desrespeitados? A Mara, a Michael Jackson, vem aqui todo domingo há 25 anos, se fosse desrespeitada, estaria aqui? O Fábio Porchat já até escreveu sobre isso. O País está perdendo a graça por assuntos sérios. Não venham fazer palhaçada com isso”.

E claro, depois desse discurso, foi aplaudido. Assim como são aplaudidos todos os homens brancos, heterossexuais, ricos, cisgêneros e sem deficiências físicas ou mentais nesse país quando resolvem dizer “verdades” na televisão (um espaço amplamente democrático, só que não) e reclamar do politicamente correto, da patrulha. Se alguém ainda tem dúvida de que o Brasil é um país extremamente racista, a resposta de Faustao à acusação de ter ofendido uma dançarina é muito ilustrativa.

Ele, homem branco, em posição de poder, dá a ficha corrida do quanto é um cara bacana. Menciona pessoas negras com quem já trabalhou, como se a relação de poder fosse equilibrada e essas pessoas pudessem sempre escolher não engolir sapo de gente grossa e racista em nome das contas pra pagar. E por fim, Faustão diz que o país tem assuntos mais sérios a tratar — e assuntos sérios são os que ele, homem branco em posição de poder, diz que são. Obviamente, a dignidade de uma jovem dançarina negra e todas as pessoas que empatizam com ela não entram nessa categoria.

Somos todos macacos até que as selfie nos separe

Terceiro, em jogo do campeonato de futebol espanhol, torcedores jogaram uma banana em direção ao brasileiro Daniel Alves,em mais um ato explícito de racismo. Diante das câmeras de televisão, tranquilamente, o jogador pegou a fruta, descascou e comeu, mandando um ótimo recado a seus agressores. Em entrevista ao jornal “Marca”, o lateral falou: – Tem que ser assim! Não vamos mudar. Há 11 anos convivo com a mesma coisa na Espanha. Temos que rir desses retardados.

Por isso, muita gente declarou todo apoio a Daniel Alves. Ele sofreu uma agressão, reagiu e merece toda solidariedade. O problema é que muitas pessoas, especialmente famosos, resolveram mostrar seu apoio a Daniel Alves utilizando a hashtag #SomosTodosMacacos nas redes sociais. E dá-lhe foto de gente branca segurando ou comendo uma banana e achando que assim está combatendo o racismo.

Apenas na segunda-feira, foi noticiado que (surpresa!) há uma agência de publicidade, a Loducca, por trás dessa campanha, que conta até com um vídeo explicando o movimento, dizendo que preconceito é como um apelido, só pega se você se irrita. Entendeu? E, Luciano Huck já está vendendo camisetas, que custam R$69 com a hashtag #SomosTodosMacacos em seu site, com modelos loiras e descoladas divulgando.

Muita gente tem dito: “ah, mas prefiro pessoas brancas fazendo protestos com bananas no instagram do que o silêncio”. Veja bem, uma simples hashtag #TodoApoioDanielAlves não representa o silêncio e também não demonstra racismo. Ao ver famosos como Luciano Huck, Angélica, Claudia Leitte ou Michel Teló com uma banana nas redes sociais, dizendo “somos todos macacos” estamos justamente fazendo chacota do racismo diário que está impregnado em cada fresta de nossa sociedade. Essa atitude não minimiza o horror do racismo, seja no futebol ou fora dele. Não somos todos macacos, porque apenas algumas pessoas são referenciadas como macacos em nossa sociedade e, em todos esses momentos, a referência que se faz é negativa. Como disse, Camla Pavanelli: “de nada adianta segurar uma banana no instagram, amigos brancos, quando nenhuma banana, real ou metafórica, jamais nos foi atirada na cara”.

É claro que a maioria das pessoas ao fazerem sua selfie contra o racismo querem demonstrar empatia. Porém, ao generalizar a palavra “macaco”, a pessoa branca não está se colocando no mesmo patamar social que a pessoa negra, ela está justamente invisibilizando o racismo de nossa sociedade, reproduzindo o ideal de democracia racial falso e perverso existente no Brasil. E, antes que venham dizer que não importa nossa cor, saiba que a polícia sabe exatamente a cor de quem deve ser parado, humilhado, hostilizado e até mesmo assassinado. Os serviços públicos sabem exatamente a cor de quem deve ser chamado de Senhor ou Senhora e de quem deve esperar mais por atendimento. Os seguranças de banco e de estabelecimentos comerciais sabem exatamente a cor de quem deve ser impedido de entrar ou vigiado. Você pode querer acreditar que no Brasil é impossivel definir a cor de alguém, mas saiba que todos os dias essas cores estão muito bem definidas nos espaços sociais.

Fora que é para se pensar: essas pessoas que estão revoltadas com os casos de racismo no futebol também se revoltam com a homofobia? Ou são as primeiras a xingar de viado o jogador do time adversário?

No fim, a pergunta que fica é: Daniel Alves vai comer todas as bananas que forem atiradas? Porque elas vão continuar sendo atiradas. O racismo é um problema que só vai ser combatido quando as pessoas assumirem que são racistas, que nossa sociedade é racista. Nada acontecerá enquanto ficarmos negando que, individualmente, não somos racistas, que temos até amigos negros que morrem assassinados, mas não é culpa da polícia, nem da sociedade e nem do Estado, é da falta de paz para andar tranquilamente no meu calçadão.

 

 

 

 

Fonte: Blogueiras Feministas

 

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