Sou gorda e minha existência não precisa de eufemismo

Não preciso mais encontrar descrições “simpáticas” para fugir do fato de que sou gorda.

Por Cindy van Wyk, do HuffPost Brasil

Sitting fat nude woman as seen from behind. Photograph of an Acrylic painting.

Oi, meu nome é Cindy e sou gorda. Pra dedéu.

Sempre fui gorda. Às vezes um pouco mais, às vezes um pouco menos, mas sempre fui a “garota gorducha”.

Quando eu era adolescente, eu me descrevia de inúmeras maneiras: como gorduchinha.

Redondinha. Fofa. Roliça. Gostosa.

Eu me encolhia sempre que alguém me chamava de “gorda”, e se me descreviam como “obesa” eu mergulhava numa espiral descendente de depressão e ódio por mim mesma.

Isso porque a sociedade e a grande mídia me diziam e repetiam sempre que “a pior coisa que eu poderia ser na vida” era… gorda.

Então eu me qualificava com todos esses termos. Eu os empunhava como se fossem escudos, como se fossem jangadas no meio do mar revolto que era minha vida – a vida de uma garota que era tudo menos magra e, mais tarde, uma mulher que era tudo menos magra, tentando enquadrar-se em um mundo decididamente magro.

A ironia era que, não importa qual eufemismo eu usasse para me descrever, todas as outras pessoas ainda olhavam para mim e me enxergavam como eu era: gorda.

É claro que eu era e ainda sou muitas outras coisas também: inteligente, espirituosa, divertida, honesta, gentil, boa ouvinte, ótima amiga, boa profissional… Mas nada disso tinha importância para o resto do mundo.

Ou, pelo menos, para a maior parte do mundo.

Não tinha importância porque eu era e ainda sou gorda.

Apesar de todos os termos “simpáticos” que eu usava para me descrever, a única coisa que a sociedade enxergava era alguém que não se enquadrava. Uma pessoa indesejada pela sociedade, que, por sua vez, não se comovia nem dava a mínima para minha escolha de eufemismos.

Chamar a mim mesma de “forte”, “reforçada” ou “gostosa” não mudava o fato de que, para a maior parte do mundo, eu ainda era gorda – “a pior coisa que alguém pode ser”.

De lá para cá eu amadureci muito.

Aprendi muita coisa: a me amar, a desaprender aquilo que me ensinaram que deveria ser minha realidade, a derrotar os demônios e as inseguranças que abriguei durante anos.

Fiz minha lição de casa toda. Aprendi, amadureci, mudei e me dei conta de uma coisa: não preciso mais de eufemismos.

Sou gorda. E linda, e talentosa, e inteligente, e gentil, e carinhosa e um punhado de outras coisas ótimas e outras não tão ótimas.

Não preciso mais encontrar descrições “simpáticas” de mim mesma para fugir do fato de que sou gorda.

Porque sou gorda. Gorda sim. Gorda pra dedéu.

E essa *NÃO* é a pior coisa que eu poderia ser.

E não preciso de uma palavra “simpática” para me validar.
Minha existência não é um eufemismo.

Não sou “rechonchudinha”, “fofa”, “redondinha” ou “gostosa” nem sequer “popozuda”. Sou gorda.
Sou gorda. E linda, e talentosa, e inteligente, e gentil, e carinhosa e um punhado de outras coisas ótimas e algumas não tão ótimas.

O fato de eu ser gorda e reivindicar o termo, me apropriar dele, não me tira nada.
“Gorda” não é palavrão. Não é um insulto. Não é “a pior coisa que alguém poderia ser”.

É uma realidade.
Minha realidade.

E a realidade de milhões de pessoas em todo o mundo.

Ser gorda é simplesmente um estado de ser no qual eu ocupo mais espaço que a pessoa “média”. Em que eu rebolo meus quadris e minha bunda num jeans tamanho 50, em vez de tamanho 38 ou 40. Em que eu sou maior que a “média”.

Em que eu posso ser de modo geral mais fofa, mais molinha e maior que a maioria, mas não menos digna que qualquer outra pessoa de todas as coisas boas que a vida tem para oferecer.

Em que eu sou todas as coisas que me tornam quem eu sou… e, por acaso, sou gorda também.

E tudo bem.

Porque eu poderia perder peso e mudar minha aparência agora, mas isso não me faria ser mais importante do que sou agora.

Porque sou gorda e tão merecedora de amor, respeito, gentileza e afeto quanto toda outra pessoa no planeta.

Porque não preciso justificar nem camuflar minha existência para torná-la mais palatável para o resto do mundo.

Sou gorda. E me recuso a disfarçar isso para que você ache mais “bonitinho”.

Se você tiver um problema com isso, com o fato de eu não ter vergonha nem pedir desculpas por minha existência, por meu peso, então é exatamente isso: é problema seu.

Que não tem nada a ver comigo nem com minha bundona gorda.

Este texto foi publicado originalmente no medium.com/@SugaryOblivion.

Encontre Cindy em todo lugar na internet como SugaryOblivion. Seu blog é sugaryoblivion.com.

+ sobre o tema

De mucama a doméstica, um belo relato da mulher negra contemporânea

Acompanhei recentemente uma reportagem que dizia que a cada...

Sou Trepadeira, Gozar Não é Privilégio Masculino

Assim como o RACISTA se justifica dizendo: ”eu peço...

A culpabilização da vítima: somos todas Fran

Recebemos uma mensagem de Débora Araújo relatando que um...

para lembrar

spot_imgspot_img

O atraso do atraso

A semana apenas começava, quando a boa-nova vinda do outro lado do Atlântico se espalhou. A França, em votação maiúscula no Parlamento (780 votos em...

Homens ganhavam, em 2021, 16,3% a mais que mulheres, diz pesquisa

Os homens eram maioria entre os empregados por empresas e também tinham uma média salarial 16,3% maior que as mulheres em 2021, indica a...

Escolhas desiguais e o papel dos modelos sociais

Modelos femininos em áreas dominadas por homens afetam as escolhas das mulheres? Um estudo realizado em uma universidade americana procurou fornecer suporte empírico para...
-+=