STJ define futuro legal de casais homossexuais

Colegiado formado por dez ministros vai discutir união estável nesta quarta

Por: Gustavo Gantois

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) deve pavimentar nesta quarta-feira (23) o caminho dos direitos civis dos homossexuais. Em um julgamento que promete ser histórico, os ministros da Corte vão analisar se as regras do direito de família podem ser aplicadas a casais gays, unificando a jurisprudência (conjunto de decisões judiciais num mesmo sentido, indicando uma tendência a ser seguida por tribunais inferiores em decisões futuras) em torno da chamada união estável.

O caso envolve um homem que se separou de seu parceiro após 11 anos de relacionamento. Ele ganhou na primeira instância da Vara de Família da Justiça do Rio Grande do Sul o direito à partilha do patrimônio do casal, todo registrado em nome do ex-companheiro, e o direito ao pagamento de pensão alimentícia no valor de R$ 1.000 mensais.

Em recurso ao Tribunal de Justiça, a pensão alimentícia foi suspensa e a divisão de bens mantida. No entanto, o parceiro que foi obrigado a dividir o patrimônio de bens recorreu ao STJ.

O processo corria na 3ª turma da Corte superior, que cuida dos processos que envolvem Direito de Família. Cada turma é composta por cinco ministros. Em função da importância do caso, eles decidiram ampliar a decisão e convocaram a 4ª turma, que analisa casos envolvendo Direito Privado.

Com a junção das turmas, que formam a Segunda Seção, a intenção é uniformizar, pela primeira vez, o entendimento da Justiça sobre o tema. No caso específico, é adotar uma postura mais abrangente e clara sobre os direitos dos homossexuais.

Em processos anteriores, o STJ já reconheceu direitos específicos, como em relação à adoção de crianças, benefícios previdenciários e cobertura de planos de saúde, mas ainda falta uma definição sobre a união estável.

Uma decisão favorável por parte da Corte, no entanto, não significa que a união civil está autorizada e muito menos que o casamento religioso entre homossexuais será liberado. São coisas diferentes. A questão religiosa ainda é uma barreira praticamente instransponível. Para a união civil, o Congresso e o STF (Supremo Tribunal Federal) ainda precisam se manifestar. E não há previsão de que isso aconteça por enquanto.

Legislação

Para a especialista em Direito Homoafetivo, Sylvia Maria Mendonça do Amaral, a decisão do STJ poderá definir o futuro legal dos casais homossexuais, conferindo os mesmos direitos das uniões heterossexuais. Mas ela adverte que não é o julgamento que vai consagrar os direitos, que só seriam garantidos a partir de uma legislação própria.

– O STJ vai criar uma referência para futuras avaliações da união estável homossexual. Mas uniformizar não significa obrigação de julgar no mesmo sentido, tratando-se de uma orientação. Se a decisão for favorável aos casais homossexuais, vai orientar julgadores para que decidam no mesmo sentido.

A diretora da Associação Lésbica Feminista de Brasília Coturno de Vênus, Melissa Navarro, concorda com a especialista. Para ela, a decisão do STJ deve garantir uma abertura maior e mais possibilidade de requisição de direitos e responsabilidades, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.

– A jurisprudência não atende todo mundo. Ela abre caminho para casais que têm conhecimento, acesso a advogado e disposição para lutar na Justiça. É uma segurança a mais, mas direito de fato apenas com leis que garantam isso no papel.

O entendimento da Justiça, no entanto, é um grande facilitador desse processo. A ministra Nancy Andrighi, relatora do processo que será analisado nesta quarta-feira, já participou de julgamento semelhante no começo do mês. Na ocasião, uma paranaense lutava pela herança deixada pela companheira com quem viveu oito anos, até sua morte por complicação de um transplante de pulmão, em 2003.

– O afeto homossexual saiu da clausura. A ausência de previsão legal jamais pode servir de pretexto para decisões omissas. Negar à união de homossexuais as proteções do direito de família e seus reflexos patrimoniais seria uma afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana e a dois objetivos fundamentais estabelecidos pela Constituição: a erradicação da marginalização e a promoção do bem de todos, sem qualquer forma de preconceito.

Agressões

Em tempos de violência contra homossexuais, a possível pacificação da Justiça não impede episódios que atentam contra a civilidade. Dados da Superintendência de Direitos Individuais e Coletivos da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro indicam que o número de casos de discriminação da população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) atinge entre 10 mil e 12 mil por ano em todo o Brasil.

São episódios como os registrados no final do ano passado em São Paulo, onde homossexuais foram agredidos em plena Avenida Paulista, como lembra o antropólogo e professor emérito da Universidade Federal da Bahia, fundador do Grupo Gay da Bahia, Luiz Mott.

– Nunca se matou tanto homossexual no Brasil quanto agora. É claro que é um avanço a Justiça garantir direitos, mas esses direitos não deveriam sequer ser discutidos à uma parcela da população. Agora o governo também tem de fazer a sua parte nesse processo e encaminhar ao Congresso projetos de lei que garantam o respeito que nós merecemos.

 

Fonte: R7

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