Tema de um documentário, André Leon Talley diz que ‘a raça’ o define

Top editor da ‘Vogue’, ele assinou matérias fundamentais da revista, como o perfil de Michelle Obama

Por Robin Givhan Do Estadão

André Leon Talley trabalhou para a ‘Vogue América’ por 30 anos Foto: Ike Edeani/The New York Times

Em uma das primeiras cenas de The Gospel According to André (O Evangelho Segundo André, em tradução livre), a estrela do documentário está sentada na varanda de casa em White Plains, em Nova York, com um chapéu ajeitado meio de lado enquanto acompanha o trabalho de podadores de árvores.

André Leon Talley passou a vida inteira na moda – fazendo reportagens, criticando, admirando e usando. Mas, naquele momento, ele se parece menos como um dos grandes da moda e mais como um cavalheiro do sul, supervisionando seu terreno – um homem que acaba de chegar em casa após a missa do domingo, que educadamente saúda com um toque no chapéu qualquer vizinho que passe.

Talley é um alto e imponente afro-americano. É um sulista. E é um frequentador da igreja. Mais do que qualquer outra coisa, essas são as coisas que moldaram a forma como ele se move pela vida. Elas influenciaram a maneira como ele julga a beleza e prioriza a graça. Elas alimentaram a ambição que o colocou perto do topo no mundo da moda – o pico do qual os grandes editores governam. E eles explicam por que ele não alcançou isso.

Talley sempre se apresentou uma figura impressionante, cobrindo sua figura de mais de dois metros de altura com caftãs de seda, casacos de crocodilo e uma abundância de peles. As roupas, ele sempre disse, são armaduras: ele as usou para “navegar por meio dessas trincheiras de chiffon”. “Moda é um mundo cruel. As roupas que uso são muito intencionais”.

Sua decisão de colaborar com a cineasta Kate Novack veio depois de seu trabalho de consultoria em The First Monday in May (A Primeira Segunda-Feira de Maio), um documentário sobre a exposição de gala anual do Met Costume Institute, dirigido por seu marido e colaborador frequente Andrew Rossi, que apresentou entrevistas com Talley. Foi o mais recente de uma série de projetos cinematográficos – The September Issue, Iris, Bill Cunningham New York – que mostraram a moda de maneira mais humana e realista. Enquanto muitos dos estúdios cinematográficos, disse Rossi, ainda estão céticos de que “a moda é digna deste tipo de análise”, está claro agora que os documentários sobre moda, com o marketing e apoio corretos, podem atrair o público de fora da comunidade da moda.

Com a atriz Whoopi Goldberg no baile de gala do MET em 2010 Foto: REUTERS/Lucas Jackson

Novack ficou atraída por Talley porque o viu tantas vezes como personagem de apoio nesses documentários, e todas as vezes ele era a personalidade mais memorável. “André sempre fez com que tudo parecesse fácil”, diz, sendo esse “tudo” existir e prosperar na moda. Novack estava pronta para explorar a moda do ícone da juventude e sua fé, imagem pública e raça. E encontrando um ouvinte paciente, Talley estava pronto para falar.

“Fiquei surpreso por ter contado tantas coisas e revelado algo que as pessoas não sabem sobre mim, que é a minha humanidade”, disse Talley. “As pessoas vêm a superficialidade do mundo da moda e talvez a afetação. Mas não sou assim.” Ou pelo menos, não é tudo o que ele é.

Cada figura pública tem uma história pessoal, bem como uma história original. Esta última é um pouco de mitologia que pode ser atada à verdade. The Gospel According André é mais uma história pessoal contada por meio de memórias e trechos de conversas.

Os espectadores vão conhecer Bruce Weaver, que era o melhor amigo de Talley enquanto crescia. “Ele era exatamente o oposto de mim”, diz Talley. Weaver era o garoto que não deixava passar qualquer julgamento sobre o jovem Talley, obcecado por revistas de moda, embrulhado em uma capa e geralmente morando como uma figura peculiar em Durham, Carolina do Norte. O público vai conhecer a falecida avó de Talley através de suas memórias e fotografias. E eles veem os trechos do desfile semanal de moda que Talley observava no culto da igreja no domingo de manhã.

Exuberante: com seus mais de dois metros de altura, Talley é conhecido por usas caftãs e casacos de pele exuberantes Foto: Erin Baiano/The New York Times

A mulher que oferece mais insight sobre Talley – e serve como única outra voz narrativa do próprio Talley – não é uma outra editora de moda. É Eboni Marshall Turman, professora assistente de teologia e religião afro-americana na Yale Divinity School e uma amiga. É uma pessoa que coloca Talley em um contexto social, avalia como ele ampliou a definição de masculinidade negra, apresenta a questão do que significa ser tão único na moda – ser, como um perfil da New Yorker de 1994 definiu, “The Only One” (O único).

Durante grande parte de sua carreira, Talley não discutiu a questão racial. Ele não se recusou a se envolver no assunto; ele insinuou que não podia se envolver porque não dava muita importância a isso. Além disso, o que havia para dizer? No perfil da New Yorker, o escritor Hilton Als descreve um almoço em Paris no qual Talley foi anfitrião em que uma socialite francesa referiu-se a ele com a “n-word” não de forma escondida, mas abertamente.

“Várias pessoas riram alto. Mas ninguém riu mais alto que André Leon Talley”, escreveu Als. “Algumas coisas aconteceram antes que ele começasse a rir. Ele fechou seus olhos, seu sorriso ficou maior, e suas costas ficaram rígidas, assim que ele viu sua crença na durabilidade do glamour e do fascínio estilhaçar em um milhões de peças brilhantes. Talley tentou recolher essas peças.”

Raça não é mais subtexto na moda de hoje. O assunto mudou para o centro das atenções. E no documentário, Talley se desdobra, não totalmente, mas emocionalmente. Ele está nos arquivos de fotos da Vogue America quando se lembra da maneira insultuosa com a qual um relações públicas francês referiu-se a ele, por trás: “Queen Kong”.

“Esse é provavelmente um dos momentos mais importantes do filme”, ​​diz Novack. Os ternos elegantes e as camisas de seda não são proteção. Nem sua fluência em francês, seu profundo conhecimento da história da moda ou sua ética de trabalho.

“A questão racial me define”, afima Talley. “Parece ser mais relevante agora trazê-la para a frente. Talley se lembra de que, durante seus primeiros dias na Vogue, Anna Wintour, editora-chefe da revista, “me chamava e pedia, calma e diretamente, que olhasse para um layout quando incluía pessoas de cor e me perguntava: ‘Você acha que estou ofendendo alguém?’”. “Houve uma vez em que ele viu antecipadamente uma história de moda de 1999 com Kate Moss e Sean “P. Diddy” Combs, um casal glamouroso em Paris. Ela usa vestidos de noite colantes; ele estava envolto em peles. Talley deu sua aprovação.

Com Anna Wintour, a toda-poderosa editora da ‘Vogue America’, em 2014 Foto: Emily Berl/The New York Times

“Não há criatividade sem diversidade”, fala Andre. O documentário destaca uma filmagem de moda de 1996 que Talley organizou para a Vanity Fair, chamada “Scarlett’n the Hood”, no qual a modelo negra Naomi Campbell interpreta Scarlett O’Hara e os estilistas brancos são escalados como servos. Um de seus momentos de maior orgulho, entretanto, é a reportagem de capa da Vogue de 2009 com a primeira-dama Michelle Obama.

“Anna me levou para almoçar na sala de reuniões da Condé Nast.” Ela disse: “Vamos nos encontrar com Valerie Jarret (conselheira presidencial) para convencê-la a deixar Michelle Obama posar para a capa. Sente-se aí”, recorda Talley. Wintour chegou com uma pilha de cadernos com todas as primeiras damas fotografadas no passado. “Eu sentei lá e sorri.” E (Wintour) disse: “André escreverá a história. Esse foi um momento muito importante em nosso relacionamento e uma das tarefas mais importantes”.

Talley não é mais “o único”, mas ele ainda não se tornou um dos muitos. “A indústria tem-se movido em direção à diversidade, mas não necessariamente em termos de pessoas negras. Nós temos modelos muçulmanos, transgêneros. O único grande momento, o momento importante para nós foi a nomeação de Edward Enninful (como editor-chefe da Vogue britânica)”, afirma Talley. “Houve editoras negras na Condé Nast, mas nenhuma com o prestígio de uma Vogue. Foi o começo de um momento decisivo.”

“Estou sempre esperançoso”, acrescentou ele. “Acho que o mundo anda devagar.” Mas Talley fez sua parte para impulsioná-lo.

Tradução de Claudia Bozzo

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