Temos que ser escravos da normatividade?

Pare por um minuto e se imagine em um daqueles filmes clichê americanos de adolescentes. Imagine o casal mais popular, que claro, é branco, heterossexual, magro, cristão. Ele esportista e ela, só linda, porque a mulher perfeita nesse contexto não pensa, só faz o papel de troféu.

Por Marcelo Teixeira, do HuffPost Brasil

Como sempre, nesses filmes, o casal popular faz uma grande festa anual e todos esperam ser convidados. É este evento que determina quem será e quem não será popular até a próxima grande celebração.

Você, como tem feito todos os anos, tentou ser amigo do cara popular, tentou flertar com a namorada dele quando eles deram um tempo, tentou aprender algum esporte, tentou parecer meio descolado, se juntou à rodinha popular e debochou com eles da galera impopular que tem muito mais a ver com você do que o povo popular.

No meio disso tudo, por um momento, você achou que ia ser chamado para a grande festa. Mas, no fim, você foi deixado de lado como em todos os anos.

História bizarra, não é?

Esses filmes de “Sessão da Tarde” são tão fantasiosos que nem parecem reais. Você se assustaria se eu dissesse que este filme é baseado na sua vida heteronormativa?

Pensa comigo:

Você, quando era mais novo, adorava a Britney, mas cresceu sabendo que isso era errado. Já que ser gay, tudo bem. Mas dar bandeira, não.

Você aprendeu a esconder aquela “desmunhecada” que você dá às vezes, descobriu como se vestir de jeito que não pareça “afetado”. Leu do começo ao fim “50 tons de encubamento” para aprender a não dar bandeira, e se sente o cara sempre que ouve: “Nossa, mas você nem parece gay”. E celebra, pois seu esforço valeu a pena.Finalmente você está sendo aceito.

Esse sentimento é tão bom e você precisa tanto dele, que, depois de flertar com inimigo, o próximo passo é dormir com ele.

Então você passa a fazer piada com aquele gay que não sucumbiu à normativa, que não aceita o papel de “brother discreto fora do meio”. E a cada piada que o casal popular ri você sente que conseguiu, que finalmente foi aceito mesmo sendo diferente.

Afinal, você só precisou negar tudo que você é, aceitar um papel e viver nele, carregar seu armário 24 horas com você para poder se esconder nele sempre que preciso. Falando assim parece muito sacrifício, né? Mas você foi aceito e isto que importa.

Eu tenho uma triste notícia: você pensa que foi aceito, mas seu convite para a festa do ano não vai chegar. Você só aceitou o papel que o grande casal designou a você.

Sabe aquela menina gordinha que sonha em ser como a garota popular e que faz tudo só para poder andar perto dela e um dia quem sabe virar também líder de torcida?

Esse é o seu papel, e sempre será. Cabeças normativas pensam exatamente assim: “Ele até é legal, mas não é um de nós”.

Então, aceite: você nunca será um deles, mesmo que tente parecer. E sim, você “dá pinta”. Pode até dar menos que os outros, mas dá, e é por isso que seu convite nunca vai chegar.

Talvez seja hora de você aceitar e experimentar outras festas, que talvez sejam muito mais legais. Nelas tocam Madonna e Britney e ninguém vai te julgar por requebrar com elas.

E aproveitando que vai tentar ir nas festas onde você sempre será bem-vindo, que tal olhar para esses gays que você sempre achou menos do que você e olhá-los como realmente são: Heróis.

Heróis?

Isso mesmo. São esses caras que “dão bandeira” e “falam mole”, que estão todo dia dando a cara a tapa, enfrentando a opressão com a coragem que nem sabem de onde tiram, levando lampadada (infelizmente), ouvindo piadinha, sofrendo todos tipos de agressões para que caras como você e como eu possam colher os louros de suas lutas.

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