“Tinha medo do que iam pensar de mim”, diz homem vítima de violência doméstica

Um britânico cuja ex-namorada o deixou com ferimentos graves falou pela primeira vez sobre sua experiência como vítima de violência doméstica.

Por Nomia Iqbal no UOL

Mark Kirkpatrick, 30, foi encontrado em uma rua do condado de Lancashire, no noroeste da Inglaterra, sete meses atrás, depois que sua ex-namorada Gemma Hollings, 37, o atacou usando uma estaca, um martelo e uma garrafa.

Ele ainda tem cicatrizes em seu corpo e em seu rosto. A polícia de Lancashire disse que o ataque foi um dos piores casos de violência doméstica já vistos na região.

Em outubro, Hollings foi condenada a oito anos de prisão.

Apesar de o número de mulheres vítimas de violência doméstica ser muito maior na Inglaterra e no País de Gales –1,2 milhões em 2013, segundo a polícia– cerca de 700 mil vítimas são homens.

No Brasil, uma pesquisa do DataSenado em 2013 indica que mais de 13,5 milhões de mulheres já sofreram algum tipo de agressão e cerca de 700 mil ainda convivem com o agressor. Cerca de 65% das mulheres foram agredidas por maridos, companheiros ou namorados. Não há estatísticas sobre a violência doméstica contra homens no país.

“Os homens provavelmente sentem medo de denunciar porque têm receio do que as pessoas vão pensar. Não ouvimos isso frequentemente sobre os homens, mas eles também não merecem sofrer. Ninguém merece –nem homens, nem mulheres”, disse Kirkpatrick à BBC.

Comportamento agressivo

O britânico conta que demorou para perceber o comportamento agressivo da namorada.

“Estava tudo bem no início. Quando ela começou a se tornar controladora, achei que era uma coisa passageira. Ela começou a me dizer para não usar shorts e não me deixava raspar a cabeça, mesmo que eu estivesse assim quando nos conhecemos.”

“Três ou quatro semanas depois que começamos a morar juntos, ela ficou violenta. Discutimos, eu me levantei para sair de casa, ela me empurrou na escada e tentou me estrangular”, relembra.

O comportamento agressivo continuou até o dia 2 de maio, uma sexta-feira, quando Hollings foi além.

“Ela queria dinheiro. Eu liguei para minha mãe e ela não quis me dar. Gemma ficou violenta, me empurrou na parede, apertou meus testículos, pegou uma estaca de metal e me bateu por todo o corpo.”

“Depois ela pegou um martelo e bateu na minha cabeça. Também usou um canivete para me cortar.”

Kirkpatrick diz, no entanto, que não reagiu nem quis chamar a polícia. Ele foi para a cama e tentou contornar a situação, mas Hollings voltou a ficar violenta no dia seguinte.

“Havia sangue por todo o lado e ela me pediu para limpar. Obviamente eu não conseguia, então não limpei. Ela pegou uma garrafa, quebrou-a e me apunhalou no pescoço.”

Trauma

Ele correu para a rua, onde uma pessoa o encontrou e insistiu que ele fosse para o hospital.

A polícia diz que quando o encontrou, Kirkpatrick estava tão traumatizado que não percebia o quão sérios eram seus ferimentos. Segundo os policiais, ele poderia ter morrido.

“Eu estava com a órbita ocular [cavidade do crânio onde fica o olho] estilhaçada e precisei colocar uma placa de metal. Também tinha quatro ou cinco cortes profundos.”

Ainda assim, ele mentiu para os policiais sobre o que havia acontecido e evitou falar sobre a violência que sofria.

“De certo modo, eu estava com receio de falar, de que as pessoas pensassem: ‘ah, ele apanhou de uma mulher'”, diz.

“De certo modo, eu a amava. Só queria resolver isso e seguir em frente.”

Gemma Hollings foi condenada à prisão.

Estatísticas do Levantamento de Crimes de 2013 na Inglaterra e País de Gales dizem que geralmente são necessários 30 incidentes antes que uma vítima de violência doméstica denuncie.

No fim, o britânico decidiu contar à polícia o que estava acontecendo.

“Se eles não tivessem se envolvido, ela poderia ter escapado. Poderia ter feito algo muito pior com outra pessoa, poderia ter feito algo muito pior comigo.”

Gemma Hollings foi condenada por causar danos físicos graves e por agressão após um julgamento de cinco dias.

Seu ex-namorado, por sua vez, é perguntado frequentemente por que não se defendeu.

“As pessoas me perguntam muito: ‘por que você não bateu de volta?’. Simplesmente não bati. Eu não bato em mulheres, não sou assim.”

Mark Brooks, diretor da Mankind Iniciative, ONG britânica que dá apoio a homens vítimas de violência doméstica, diz que uma em cada cinco pessoas procurando a polícia agora são homens.

“Todas as campanhas sobre violência doméstica deveriam dar status igual para mulheres vítimas e homens vítimas. Tudo bem haver campanhas só para mulheres, mas é preciso ter campanhas para os homens, também”, defende.

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