Tiolândia

Não tive filhos, mas tenho dez sobrinhos. A maioria deles criados e donos dos seus narizes. Nunca perguntei se causei alguma influência na formação de cada um. Espero que sim. Fui em aniversários, presenteei. Soltei nos seus ouvidos três ou quatro conselhos de vida. Não me arrependo da arenga, pois tias e tios são conselheiros natos. Entre os conselhos, os recorrentes alertas: Dirija com cuidado, beba com moderação, desconfie do que vem muito fácil. Também elogiei a leitura e sempre falei bem dos livros para eles. A máxima que tentei: Seja o que você quiser, mas não sacaneie ninguém.

Por Fernanda Pompeu  Do Yahoo 

É fato que não basta ser tia. Laços de sangue são elos fracos. O que conecta e importa é o relacionamento, igualzinho ao que sustenta as modernas redes sociais. Nem todos os tios merecem lembrança. Dos sete tios com quem convivi na infância, apenas três me influenciaram. Um porque era lúdico, contava estrelas e me ensinou a usar a bússola. Outra por manter os pés no chão e ser capaz de me dizer verdades cortantes. A terceira pelo exemplo de tentar ser livre como as nuvens o são. Os demais tios me consideravam invisível.

Observo que os tios andam sendo maltratados na imagem e na linguagem. A começar pela banalização de sua posição familiar. A criança vai para a escola e é ensinada a chamar de tia e tio as mulheres e homens que cuidam dela. Pessoas estranhas que, por gentileza e educação, conversam com pequenos nos elevadores são apontadas como tios. “Dá bom dia para a titia”, diz a mãe para o rebento. Sem falar de pedintes, malabares, universitários em semana de trote, a malta toda que aproveita o semáforo vermelho para se postar na janelinha do carro com um retumbante: “Tia, ajuda aí”! Fico indignada. Respondo bate-pronto: Posso até ajudá-lo, mas não sou sua tia. Pior ainda é a imagem dotiozão, que a gíria e a propaganda imortalizaram como um sujeito meio babão e inadequado. Já otiozinho, coitado, é nota de três reais.

Exagero? Então conto a seguinte cena. Passeava com a minha mãe pelas ladeiras do bairro do Sumaré, em Sampa, quando surgiu uma mulher com o seu au-au – um cachorrinho do IG. Ele veio saltitante para mim. Eu, que venero cães, retribui com afagos. A dona parou e tagarelamos sobre pets, ameaças de racionamento de água e energia etc. Na despedida, ela virou-se para o au-au e lascou: “Dá tchau pra tia”.

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