Tipos ideais negros e a desconstrução de Joaquim Barbosa por Eliane Oliveira

Por Eliane Oliveira para as Blogueiras Negras

O cientista social é um profissional interessante, conflitante desde a sua formação. Ser sociólogo não é das tarefas mais fáceis, já nos apresentamos dando explicações sobre o que fazemos. Naturalmente identificados como “de esquerda” ou “socialistas”, membros ativos da conspiração comunista e blablabla. Como cientista social que sou não lido bem com naturalizações, pois estudamos as teorias mais variadas e complexas, vamos das teorias marxistas a weberiana com uma espontaneidade que assusta os desavisados e, me dizer isso ou aquilo, é negar sistematicamente uma das possibilidades de conhecimento adquirido nos bancos da universidade. Porque estou dizendo isso? Como alertei anteriormente, na maioria das vezes nós cientistas sociais, começamos a conversa nos justificando, é vício.

Minha introdução explicativa se deve ao fato desse texto ser a respeito de uma das figuras públicas brasileira mais comentada no ano de 2013 e, eleito pela Revista Time, como uma das cem pessoas mais influentes do mundo, o ministro Joaquim Barbosa. Desde que surgiu no cenário político, mesmo antes de ser presidente do STF, ele chamou atenção por ser negro e pela sua bela historia de vida. Porém, à medida que seu trabalho passou a aparecer na mídia, dois discursos a seu respeito começaram a ser criados e disseminados, a meu ver, a revelia do senhor ministro. Dessa forma, quero deixar claro que minha análise não segue linhas de esquerda ou de direita, não estou tomando partido nem fazendo defesa de ninguém, apenas propondo uma análise que fuja as paixões políticas partidárias, ou seja, uma análise sociológica.

Passo a olhar o ministro a partir do tipo ideal (conceito criado pelo sociólogo alemão Max Weber). O tipo ideal, na concepção weberiana, refere-se a uma construção mental da realidade, onde o pesquisador seleciona certo número de característica do objeto em estudo, construindo um tipo que servirá como referencia. Nesse sentido pensemos: para a sociedade brasileira qual seria a idealização do homem negro? Engajado, politizado, intelectualizado, vencedor? Ou, trabalhador, forte, sensual, com pouco estudo, morador da periferia? Talvez, desempregado, semianalfabeto, morador da favela e bandido? Quais parâmetros devemos seguir para pensar o negro no Brasil?

Assim, dentro da premissa teórica desejada para essa análise, criar um tipo ideal do homem negro brasileiro é complicado, pois ao desconsiderar o espaço/região de atuação do objeto de análise, perdemos a dimensão da forma como este foi se formatando. As características do negro brasileiro se desvirtuam de acordo com suas vivências, se tornando difícil pontuá-las. Apesar disso, no caso do ministro Joaquim Barbosa, dois discursos espectrais falam dele e, o que é pior, por ele. Como quem diz “ele deveria ser assim, mas não é!”, desenhando, por que não dizer, um modelo desejável de negro brasileiro.

Não vou entrar no mérito do julgamento dos chamados mensaleiros, o que me chama a atenção é o fato do ministro ter se tornado mocinho e vilão com a mesma intensidade em ambos os discursos. Um grupo que o intitulou como herói nacional (essa mania que uma parcela da sociedade tem de inventar heróis é outra coisa interessante), o mostra como um negro vencedor, honesto, que cumpre com o seu dever, honrando a toga que veste.

No que ele é vilão, aparece às justificativas mais impressionantes, questionam tudo que diz respeito a Joaquim Barbosa, dizem que ele é “star”, que é midiático (vejo muitas mídias falando DELE e não ELE falando nas mídias, enfim), que gosta de aparecer, que namora uma mulher branca (para desqualificá-lo como defensor e representante dos negros, namorar uma mulher branca conta pontos)!! De todas as críticas que ouvi e li, a que achei mais emblemática foi à alegação que Joaquim Barbosa não teria a PREPARAÇÃO necessária para ser presidente do STJ e julgar um processo como o “mensalão” (oi?). Lembrando que ele tem mestrado e doutorado em Direito Público e mais de trinta anos de carreira.

Racismo? Acredito que sim, mas só no segundo grupo? Acredito que não. O negro, quando alcança um cargo de alta patente incomoda, um homem reconhecidamente negro, ocupando um espaço que até então apenas não negros tiveram acesso, para julgar uma elite (antes que me xinguem, se esta no comando político do Estado, virou elite) não é mais incômodo é problema, assume um poder representativo sem igual. É óbvio que no grupo das críticas, o racismo é mais gritante, mas mesmo entre aqueles que tentam transformá-lo em o grande salvador da pátria, também há preconceito, pois estes (salvo raras exceções) gostam de mostrá-lo como vencedor porém, fortalecendo a fala de que com esforço e dedicação, o negro alcança os mais altos píncaros da gloria celestial (a meritocracia impera).

Um detalhe precisa ser ressaltado, uma vez alcançado o topo, o negro “tem que saber se comportar”, pois, seguindo o raciocínio da discriminação, subiu, mas esta num lugar que não deveria ser seu. O racismo brasileiro possui dois componentes que se agregam, se misturam e se fortalecem a todo o momento, ele se dá pela classe social e pela cor da pele. O negro que ascende socialmente precisa, a todo o momento, provar sua capacidade e se manter em defesa, pois estará sendo analisado e julgado. Estando em posição de superioridade, querem que seja humilde subserviente e agradecido, qualquer postura diferente dessas é retratado como arrogante e até mesmo de violento.

Fica a questão: que características Joaquim Barbosa deveria ter para atender os desejos de quem gosta de usá-lo como objeto de análise? Para uns talvez ele se enquadre na minha primeira descrição “Engajado, politizado, intelectualizado, vencedor”, vamos desconsiderar o casado “com mulher negra”, porque aí já é coisa de militante né? Ufa, conseguimos criar um tipo, mas esse não nos serve como parâmetro, até porque, o grupo do contra irá questionar. Para estes então, como seria o tipo ideal de homem negro? A resposta é gritante, algo muito próximo às duas outras opções que criei no inicio do texto “forte, sensual, com pouco estudo, morador da periferia, desempregado e bandido” acrescentamos ainda “o que sabe seu lugar, o que não deve questionar e sem historias para contar”, pois apenas os não negros detém o poder para falar DO e PARA o negro, que audácia querermos ter voz!

Assim, como a ciência não trabalha com respostas e sim com questionamentos, não poderia finalizar meu texto sem lançar algumas indagações: Qual o lugar do negro no Brasil? Por que nossa capacidade de ascensão social ainda é medida pela cor da nossa pele? Porque um negro vencedor, intelectual e politizado incomoda? Afinal o que é mais problemático para a sociedade branca centrada, um julgamento político midiático ou um julgamento comandado por um presidente do STF, negro? Muita gente crítica nossa mídia brasileira, de o quanto é manipulada e imparcial, mas essas mesmas pessoas reproduzem o discurso dessa mesma mídia quando o assunto é Joaquim Barbosa, onde reside o problema?

Ao elegermos um presidente da república, advindo das camadas populares, percebemos os achaques de um grupo político, que não se encerraram até hoje, dessa forma a simples possibilidade de um negro no poder maior da nação, é motivo para tirar o sono de muita gente. Mas, o motivo seria qual mesmo?

 

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Eliane Oliveira
Sou formada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá/PR. Estou finalizando meu mestrado na área de politicas publicas na mesma instituição, participante do NEIAB (Núcleo de Estudos Interdisciplinares Afro-Brasileiro) da universidade.

Fonte: Blogueiras Negras

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