Um caso de reprodução assistida com troca acidental de embriões em Roma tem dividido a opinião de juristas, reacendendo a polêmica sobre fecundação artificial na Itália.
por: Erika Zidko
No caso, investigado pelo Ministério da Saúde, uma mulher no quinto mês de gestação descobriu que os gêmeos que espera não são seus, mas de um outro casal que fez inseminação no mesmo hospital e cuja gravidez não ocorreu.
O implante dos embriões foi realizado no dia 4 de dezembro no hospital Sandro Pertini, na capital italiana. Acredita-se que o erro tenha ocorrido devido a uma semelhança no sobrenome das duas mulheres.
Os dois casais declaram, por meio de advogados, que irão lutar pelo direito de ficar com as crianças, um menino e uma menina, que devem nascer em agosto.
Os principais jornais do país têm publicado reportagens com opinião de especialistas sobre quem serão os legítimos pais dos bebês. Grupos ultraconservadores aproveitaram para criticar a recente decisão da Corte Constitucional, que cancela o veto à fecundação heteróloga (com material genético alheio ao casal) no país.
Em entrevista ao jornal Corriere della Sera, que não divulgou os nomes do casal, a gestante disse compartilhar da dor da outra mãe pela perda dos embriões.
“Nós também perdemos os nossos. Mas não consigo colocar-me na sua posição, pois sou eu quem traz as crianças dentro”, afirmou. O casal disse que não fará outras declarações antes do nascimento dos gêmeos e até lá espera que os pais biológicos renunciem às crianças.
‘Situação dramática’
“É uma situação dramática, sem qualquer precedente na jurisprudência italiana”, disse à BBC Brasil a advogada Filomena Gallo, professora de bioética na Universidade de Teramo.
“Os dois casais envolvidos haviam dado o consentimento à reprodução assistida homóloga (quando o óvulo e o espermatozoide são do próprio casal) e, por um erro do centro de fertilidade, foram implantados em uma paciente os embriões que pertenciam a terceiros”, explicou.
Para a advogada, em caso de disputa judicial as crianças deverão ser entregues ao casal proprietário dos embriões. “Neste momento há pouco a ser feito. É preciso esperar o nascimento dos gêmeos para que os pais biológicos possam requerer que seja aplicada a regra do Código Civil prevista para situações de substituição de recém-nascidos, mesmo que neste caso se trate de substituição de embriões”, afirmou.
De acordo com Gallo, esse recurso pode ser utilizado a qualquer momento, por qualquer interessado. “O procedimento poderá ser ativado inclusive quando as crianças forem maiores e puderem requerer que a (paternidade) seja diversa daquela declarada no momento do nascimento”, disse.
Mas, para muitos juristas, os filhos pertencem à mãe que dá à luz, conforme estabelecido pelo Código Civil, de 1942.
Um deles é o juiz constitucional Ferdinando Santosuosso, para o qual a mãe biológica “não tem direito algum em reivindicar a maternidade das crianças”. “A mulher que está grávida dos gêmeos não corre o risco de perder os filhos, porque são legitimamente seus”, afirmou ao jornalCorriere della Sera.
A advogada constitucionalista Marilisa D’Amico, professora da Universidade de Milão, concorda que crianças devam permanecer com o casal que recebeu os embriões.
“Do ponto de vista jurídico a situação é clara: a mãe é aquela que dará à luz. Infelizmente, permanece o drama do casal que teve os próprios embriões transferidos a uma outra mulher. Pelo bem das crianças, seria melhor que eles renunciassem aos bebês”, disse à BBC Brasil.
‘Trauma’
Para a psicóloga Anna Oliveiro Ferraris, da Universidade La Sapienza de Roma, trata-se de uma situação extrema e de grande dificuldade.
“Se a família que não recebeu os embriões aceitasse a situação, as crianças não teriam dificuldade em afeiçoarem-se aos pais que as criam, assim como no caso de filhos adotados, pois os laços afetivos são mais fortes que as relações de sangue. Mas com a disputa entre os casais, surgem grandes problemas”, disse à BBC Brasil.
“Do ponto de vista da mãe gestacional, entregar os bebês após o nascimento significaria um trauma enorme. Criar uma criança no próprio útero por nove meses não é uma experiência indiferente, inclusive para o feto, pois o fato de crescer em um útero ou em outro acarreta inclusive diferenças físicas”, afirmou.
Mas na opinião da especialista, se o objetivo principal é a saúde psicológica das crianças, a solução menos traumática seria que elas crescessem com os pais biológicos.
“Seria mais fácil para as crianças entenderem o fato de terem estado na barriga de uma outra mulher e, ao momento do nascimento, terem voltado aos pais naturais. Ao contrário, a ideia de serem filhos de uma família devido a um erro, de terem crescido em uma casa por causa uma troca irreversível, é mais difícil de ser aceita”, explicou.
“Além disso, as crianças teriam o mesmo patrimônio genético dos pais, as mesmas características físicas, o que evitaria a curiosidade em saber como são a mãe e o pai naturais”, disse a psicóloga.
Fonte: BBC