Ufba cobra Cadernos Negros e Tenda dos Milagres é exigido pela Uneb

Os Cadernos negros surgiram em São Paulo, em 1978, como uma publicação de periodicidade anual que reunia obras de escritores de vários estados brasileiros. Este ano, os Cadernos chegam à sua 30ª edição, sempre publicando poesia nos volumes ímpares e contos nos pares. A antologia cobrada no vestibular da Ufba – Cadernos Negros – Os melhores poemas – reúne 51 textos de 21 autores, publicados nas primeiras 19 edições dos Cadernos, de 1978 a 1997.

“Essa literatura, denominada hoje de afrodescendente, pode ser definida como aquela de onde emerge uma consciência negra. O poeta enunciador assume a identidade negra, buscando recuperar as raízes da cultura afro-brasileira, protestando contra o racismo e o preconceito”, define a professora de literatura Paula Barbosa do Colégio Sartre COC.

Paula acrescenta que muitos dos autores parecem crer na capacidade da palavra em modificar a ordem social e a utilizam como instrumento de combate ao racismo e afirmação da condição social do negro. “Além do engajamento, afirmado na força da palavra poética, é comum o exercício da ‘martirologia’, que seria uma rememoração dos sofrimentos impostos pela escravidão”, diz Paula. Em muitos desses casos, segundo ela, o rancor surge como uma consequência dos sofrimentos historicamente sofridos pelos negros, invadindo a retórica poética.

‘Quebranto’ é cotado para cair na prova

A professora de literatura acredita que dentre os vários poemas que poderiam ser indicados para a prova da Ufba, um deles seria o poema Quebranto, de Luiz Silva Cuti – transcrito ao lado. Nele, explica a professora, “expressa-se a consciência dolorosa dos mecanismos da segregação racial e social que, internalizados, atingem a autoestima e geram a alienação, a fragmentação existencial e as crises de identidade”, diz Paula.

Nele, o emissor se coloca como objeto de ação opressiva do sistema social discriminatório e excludente, mas também como sujeito das mesmas ações alienantes e anuladoras. “A repetição do termo ‘às vezes’ deixa, no entanto, na entrelinha, o revés do que é dito, ou seja, a oposição a toda essa condição de autoestima abalada”, analisa Paula.

Tenda dos Milagres

Romance de Jorge Amado é reflexão sobre a cultura popular da Bahia “É uma reflexão sobre a formação da nacionalidade brasileira, que mostra a importância da mistura e da luta contra o racismo no Brasil”. Assim o próprio Jorge Amado definia seu 21º livro: Tenda dos milagres.

O livro narra as proezas e os amores de Pedro Arcanjo, personagem “pobre, pardo e paisano”, que vai se tornar bedel da Faculdade de Medicina da Bahia e um estudioso do povo baiano, publicando livros sobre o nosso sincretismo genético e cultural. Mas Arcanjo é inicialmente desprezado e perseguido pela elite racista e provinciana da Bahia. Ele só conquista o merecido reconhecimento anos após sua morte, com a chegada de um cientista americano que passa a estudar os livros publicados por ele, e culminando no desfile em sua homenagem do bloco carnavalesco Filhos do Tororó, na Salvador de 1969.

“Tenda dos milagres oferece como debate a segregação étnica, econômica e social. Além disso, o livro chama a atenção para o fato de haver, na Bahia de então, uma elite deslumbrada com paradigmas europeus e que acaba se opondo à cultura local”, pontua o professor de literatura Rafael Mendes, do curso pré-vestibular Univesitário e dos colégios Mendel Vilas e São Bento.

O antagonismo entre os tais valores europeus e a cultura local fica claro na forma como Jorge Amado vai valorizar no livro os saberes obtidos na prática, como o candomblé, a capoeira e a cultura popular da Bahia. São esses conhecimentos que, ao se somarem com o saber formal da universidade, vão fazer do personagem Pedro Arcanjo um grande pensador.

O livro, apesar de ter sido publicado em 1969 pelas suas características estruturais e temáticas, é classificado como da 2ª fase do Modernismo literário brasileiro. Esta fase compreende os romances publicados entre 1935 e 1945, aproximadamente, e tem como traço forte a crítica social de cunho regionalista.

Questões

CADERNOS NEGROS
Eu sou descendente de Zumbi
Zumbi é meu pai e meu guia
Me envia mensagens de orum
Meus dentes brilham na noite escura
Afiados como o agadá de Ogum
Eu sou descendente de Zumbi
Sou bravo valente sou nobre
Os gritos aflitos do negro
Os gritos aflitos do pobre
Os gritos aflitos de todos
Os povos sofridos do mundo
No meu peito desabrocham
Em força em revolta
Me empurram pra luta me comovem
Eu sou descendente de Zumbi
Zumbi é meu pai e meu guia
Eu trago quilombos e vozes bravias
[dentro de mim
Eu trago os duros punhos cerrados
Cerrados como rochas
Floridos como jardins

CADERNOS NEGROS LINHAGEM ASSUMPÇÃO, C. de. Linhagem. In: QUILOMBHOJE (Org.). Cadernos Negros: os melhores poemas. São Paulo: Quilombhoje, 1998. p. 31.

Sobre o sujeito poético, nesse poema, é correto afirmar:

(01) Situa-se na esfera de um ser envolvido comum a religiosidade tradicional africana.

(02) Aparece como uma figura multifacetada, que tende a acentuar tanto a igualdade quanto a diferença entre ele e Zumbi.

(04) É fruto de um nascimento predestinado, que tem como objetivo de vida a preservação de sua individualidade.

(08) Herda uma condição adversa, mas tem consciência de que nasceu para alterar a ordem encontrada.

(16) Revela-se um ser ambivalente, que não permanece ligado ao tempo e ao espaço que lhe deram origem.

(32) Assume uma posição coletiva comideal de pacificação social e imposição de uma crença mítica.

(64) Confessa que as suas características advêm de sua origem e dela resulta uma espécie de missão que ele temde cumprir.

Gabarito: 01 + 08 + 64 = 73

TENDA DOS MILAGRES

O advogado fitou o mar coberto de lua, de alguma parte chegava um baticum de samba-de-roda, cantiga de capoeira: Panhe a laranja no chão tico-tico
Meu amô foi simbora eu não fico
Minha toalha é de renda de bico
Panhe a laranja no chão tico-tico
– Tadeu Canhoto? Não é um que, na Faculdade, fez prova de matemática toda em versos decassílabos?
– Esse mesmo.
– Tenho ouvido muito falar nele, dizem-no moço de grande talento, ainda outro dia um amigo recém-chegado do Rio contou-me que o engenheiro Canhoto goza da maior confiança do doutor Paulo de Frontin – parou, ouviu a cantiga distante, meu amor foi-se embora eu não fico: – Não vou lhe dizer que estou alegre, pensei que ia ter a honra de pedir sua mão, de tê-la um dia de senhora e companheira. Volto à minha papelada, aos livros e pareceres, tenho gostos de solteirão, não sei se seria um bom marido. Permita que lhe antecipe os parabéns pelo casamento. Pelo casamento e pela coragem.

AMADO, Jorge. Tenda dos milagres. 45. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2006. P. 252.

O texto, inserido na obra, permite afirmar:

(01) A relação do advogado Rui Passarinho como coronel Gomes exemplifica a submissão da lei ao poder econômico.

(02) A narrativa, por meio de Tadeu Canhoto e Rui Passarinho, questiona a validade do saber acadêmico.

(03) A personagem Lu representa a jovem que, por amor, enfrenta e vence as barreiras familiares e sociais.

(04) O triângulo amoroso formado por Tadeu Canhoto, Lu e Passarinho evidencia a volubilidade da figura feminina em matéria de amor.

(05) A “coragem” a que se refere o advogado temrelação como comportamento transgressor de Lu, no que se refere ao papel social da mulher, a fim de exercer uma profissão liberal.

Fonte: Correio24 horas

Matéria original

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