Um perigo público: Cotas ou Abolição

Fonte: Elio Gaspari, Folha de São Paulo, 21-03-2004

 

 

Contribuindo para elevar (ou baixar) o nível da discussão em torno da política de Lula em defesa das cotas para favorecer a entrada nas universidades públicas dos negros e pobres aprovados no vestibular, transcrevem-se adiante algumas opiniões de brasileiros clarividentes que, no século 19, opunham-se ao flagelo da libertação dos negros.

No século 21 é impossível achar alguém que seja contra o acesso dos negros ao andar de cima. Tudo é uma questão de tempo, prudência e respeito à evolução da sociedade.

No século 19 nenhum porta-voz da casa-grande era favorável à escravidão, muito menos racista. Tratava-se, diziam, de uma questão de critério e de oportunidade. As leis do Ventre Livre, dos Sexagenários e a própria libertação dos escravos eram apresentadas como uma ameaça à segurança e à felicidade dos negros.

2004– O problema não está na falta de negros nas universidades, mas na má qualidade do ensino básico e na complexidade do problema social brasileiro.

Século 19– Fala o deputado Dias Carneiro: “Não devíamos, pois, fazer questão do tempo, porque ele é indispensável em questões desta ordem, que se prendem aos interesses sociais, por múltiplas relações; questões complexas, que se devem resolver em todas as suas partes, e só o tempo é capaz de produzir uma solução harmônica”.

2004– As cotas são prejudiciais aos negros. Estigmatizam os estudantes que se beneficiam desse sistema.

Século 19– O romancista José de Alencar chamava a Lei do Ventre Livre de “Lei de Herodes”. Os recém-nascidos seriam abandonados pelas mães.

2004: As cotas levarão a questão racial brasileira para dentro das universidades.

Século 19– Nas palavras do barão de Cotegipe: “Brincam com fogo, os tais negrófilos”.

Ou na voz do deputado liberal Felício dos Santos, em 1884: “Não preciso dizer-vos que detesto a escravidão, como a detestam todos os brasileiros, todos os povos civilizados. (…) Ninguém no Brasil sustenta a escravidão pela escravidão, mas não há um só brasileiro que não se oponha aos perigos e às calamidades da desorganização do atual sistema de trabalho”.

Finalmente, a lembrança do Visconde de Sinimbu, defensor perpétuo dos negros brasileiros e de acordo com o que supunha ser o interesse dos brancos:
“A escravidão é conveniente, mesmo em bem ao escravo”.

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