Um “insulto” que é uma lição para a vida

por Ferreira Fernandes

fonte: DN – Opinião/Portugal

A África do Sul está a organizar a Taça das Confederações com equipas de todos os continentes. Pelo que já se viu, as oito selecções não darão grandes lições de futebol. Mas os jornalistas presentes, vindos de todo o mundo, tiveram direito a um curso intensivo sobre jornalismo. Ou, melhor, receberam esta lição básica para qualquer homem que queira entender o que o rodeia: não saber, é mau; mas não saber e julgar saber é muito pior.

Tudo começou no jogo de abertura, África do Sul-Iraque. As atenções centravam-se na equipa da casa, que vai ser hospedeira do próximo Campeonato Mundial, já para o ano. Não foi bonito de se ver, a África do Sul não é no futebol o que é na produção de ouro ou no râguebi – uma potência mundial. Sem estrelas e sem fio de jogo, foi uma desilusão.

Como não havia táctica de losango digna de estudo nem médio ala que encantasse, começou a perfurar pelos jornalistas fora aquilo que dorme no interior de todos eles: o sociólogo. O que os jornalistas viram e ouviram, no relvado e nas bancadas, levou-os a uma conclusão dolorosa.

Entre os bafana bafana, os futebolistas da selecção sul-africana, entre aquela maré negra, destacava-se o defesa central Matthew Booth. Além do seu 1,98m (o mais alto da equipa) e da sua cabeça brilhante de rapada, era o único branco da equipa. Os olhos dos jornalistas notaram também que, nas bancadas, a supremacia dos negros sobre os brancos ultrapassava a relação de oito para um, que existe no país. Na África do Sul, o râguebi é a paixão dos brancos e o futebol, a dos negros.

Ora a esses dados visuais juntava-se um som: buuuuuuuuuuuu! De cada vez que os jornalistas viam o defesa central branco tocar na bola, _42352075_africa4viam também os espectadores alarmarem-se e deles vinha aquele som intenso que em todos os estádios é considerado insulto, vitupério, xingadela. O claro desaforo de que o pobre atleta branco era alvo por parte da multidão negra era sublinhado pelo uso barulhento dos vuvuzela, as trompetas feitas de corno dos veados kudus.

Booth estava a ser sujeito à mesma receita racista, com troca das cores, que certos estádios espanhóis reservam a Eto’o, o avançado camaronês. No dia seguinte ao jogo, os jornalistas europeus assinalaram o intolerável gesto. Anteontem, a questão foi posta ao próprio: deve custar-lhe muito ouvir aquele “buuuuuuu!” da multidão… Mas, para espanto de todos, Matthew Boot deu um gargalhada: “Mas que insulto?!” E explicou: buuuuuu! é o grito que prolonga o seu nome, Booth. Não é insulto, é incentivo. Ele, que foi capitão da selecção de esperanças e dos sub-21, é o mais popular e querido jogador dos bafana bafana.

E a esta confusão negra e branca os jornalistas acrescentaram um sorriso amarelo.

matéria original: Um ‘insulto’ que é uma lição para a vida

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