Era a segunda vez em oito meses que seu Nelson era carregador daquela mudança. Na primeira, fora contratado pela empresa do filho; na segunda, pela empresa do pai.
Por Cidinha da Silva Do Portal Fórum
O conjunto de calça bege e camisa cinza, cinto escuro que apertava a roupa em suas carnes magras era o mesmo da primeira mudança. Aqueles músculos deviam ser muito fortes para aguentar tanto peso, ou a necessidade gerava a força? Era a pergunta que me fazia. Interessante era que ele trabalhava de sapato, o primeiro preto, o de agora, marrom. Em comum, ambos pareciam ser um pouco maiores do que os pés dele. Eu pensava como aqueles sapatos deveriam ser desconfortáveis e me perguntava por que ele não usava tênis, de preferência com amortecimento para impacto.
Quando ofereci bananas ele aceitou de pronto. Disse que quando saía de casa para carregar caminhão sempre comia uma banana porque tinha muita proteína. Falei sobre o potássio, o efeito preventivo às câimbras. Então, conversamos sobre elas e ele contou dois casos de gente conhecida que morrera afogada por conta de câimbras que as impediu de nadar.
Diante das centenas de livros carregados ele já havia brincado: quem disse que o conhecimento não pesa é porque nunca carregou uma caixa de livros da senhora. E riu seu riso de poucos dentes bons.
A mudança já estava na fase das caixas mais leves que não chegavam a ser propriamente frágeis, essas já haviam seguido para lugar específico do caminhão, e seu Nelson me perguntou o que havia em determinada caixa. Olhei e não me lembrei só de olhar. Pedi a ele que lesse o que estava escrito no papel pregado na parte de cima. Ele, intimidado, disse, aonde? Aqui? E, concentrado no gesto firmava a caixa no joelho e passava a mão, negra e calejada, no papel branco de códigos indecifráveis.
Passaram-se uns segundos eternos de silêncio até que compreendi e me desloquei para identificar a caixa da impressora. Desde aquele dia, o estômago dói quando bato a cara no peso do conhecimento.