Uma em cada cinco crianças nascidas no país é filha de adolescente

Aos 17 anos, Sandra Maria da Silva, 40, dava à luz seu primeiro menino. Hoje, sua filha Teresa Raquel repete sua trajetória e, também aos 17, acaba de ter uma menina.

Por JÚLIA BARBON, da Folha de S.Paulo

CLASSEN RAFAEL : EYEEM VIA GETTY IMAGESCLASSEN RAFAEL : EYEEM VIA GETTY IMAGES

A história de Sandra e Teresa não é rara num país onde um a cada cinco bebês nascidos por ano é filho de uma adolescente —431 mil em 2016, de acordo com levantamento preliminar do Datasus.

E essa proporção custa a cair. Nos últimos dez anos, a taxa de nascidos vivos de jovens menores de 20 anos no Brasil se manteve em patamar elevado —de 21,1% do total, em 2007, para 21,2%, em 2016.

Nos EUA essa taxa diminuiu 44% entre 2007 e 2015 (último dado disponível) —os bebês de mães adolescentes são perto de 6% do total.

No Brasil, Norte e Nordeste têm os maiores índices -quase um terço de gestações precoces. Em São Paulo, embora as taxas sejam mais baixas (15,1% no Estado e 12,5% na cidade), a queda é lenta.

Especialistas apontam um ciclo: quanto mais periférica e vulnerável a população, mais mães jovens, condição que agrava a pobreza e gera mais gestações antecipadas.

A evasão escolar entre elas é alta, e a inserção no mercado de trabalho é baixa. Estudo do Ipea (instituto federal) apontou que 76% das brasileiras de 10 a 17 anos que têm filhos não estudam -e 58% não estudam nem trabalham.

Camila Dourado, 18, terminou o ensino médio em 2015 e carrega no colo seu segundo filho -o primeiro nasceu quando ela tinha 15 anos. “Vou cuidar dele até ele fazer um ano. Depois não sei.”

Outro elemento que estimula a gravidez precoce é a volatilidade da adolescência. São maiores as chances de a menina esquecer de tomar a pílula, deixar de usá-la quando terminar o namoro ou de não contar à família que tem relações sexuais. “A jovem tem um pensamento de que nada vai acontecer com ela. A amiga engravida, mas ela não”, afirma a obstetra Cristina Guazzelli, da Unifesp.

De acordo com o neonatologista Sérgio Marba, da Unicamp, esses bebês também têm maior risco de prematuridade, baixo peso, mortalidade e complicações como má formação. “É uma mãe que não faz pré-natal direito, tem condição socioeconômica mais complicada e muitas vezes esconde a gravidez.”

MELHOR PREVENIR

Segundo médicos, os chamados métodos contraceptivos de longa duração têm se mostrado uma opção eficaz para evitar o problema. Foi um dos recursos que ajudou os EUA a reduzir suas taxas.

Entre eles estão o DIU de cobre e o DIU hormonal (dispositivos inseridos por médicos dentro do útero que duram de cinco a dez anos) e o implante -um bastão de 4 cm que é colocado abaixo da pele, no braço, e dura três anos.

Desde 2013, a Maternidade Vila Nova Cachoeirinha (zona norte) mantém um programa para orientar mães que dão à luz a escolher um dos métodos -que é implantado dias depois do parto.

Teresa Raquel é uma delas -diferentemente de sua mãe, que teve sete filhos e depois fez laqueadura (esterilização definitiva). “Coloquei o implante porque fiquei com medo, não quero ter outro filho.”

“A gente tem 600 partos por mês, e 40% delas voltam [para ter outro bebê]”, diz o obstetra Geraldo de Nadai, coordenador do programa.

A inserção pós-parto, porém, não evita a primeira gravidez. Para isso, seriam necessários programas maiores. “O investimento tem melhorado, mas não há uma política pública ampla”, afirma Nadai.

No ano passado, a Prefeitura de São Paulo distribuiu mil implantes a seis maternidades e a UBSs (Unidades Básicas de Saúde). Já o Ministério da Saúde, que oferece apenas o DIU de cobre entre os métodos de longa duração, diz ter adquirido 1,4 milhão de unidades entre 2011 e 2015.

“É preciso enfatizar o DIU, que existe em grande quantidade, e ao mesmo tempo ampliar o cardápio de métodos”, diz Adalberto Aguemi, obstetra e coordenador municipal da saúde da mulher.

Uma coisa é unanimidade entre os médicos: “O fator primordial é educação. É preciso fazer essas jovens entenderem que têm mais opções de vida e são úteis para a sociedade”, diz Cristina Guazzelli.

O Ministério da Saúde afirma investir em educação e planejamento reprodutivo.

A pasta cita a distribuição, entre 2011 e 2015, de 2,4 bilhões de preservativos, além do investimento na compra de 78 milhões cartelas de pílulas e a distribuição de 32 milhões de cadernetas de saúde de adolescentes entre os anos de 2009 e 2015.

 

+ sobre o tema

“Um negão desse tamanho ser gay?!” Uma conversa sobre racismo e homofobia

Fórum conversou com Hebert Vinícius Miranda, o Jump, poeta...

Para onde caminha a Marcha das Mulheres Negras. Por Cidinha da Silva

A previsão do tempo indicava chuva em Brasília, mas...

A figura paterna no desenvolvimento infantil

Pesquisas revelam a influência específica do pai no fortalecimento...

para lembrar

Veja o lado positivo: agora sabemos quem é racista, machista, homofóbico

Esconder titica embaixo do carpete pode resolver a questão...

Lei institui Fundo Estadual de Defesa dos Direitos das Mulheres em Alagoas

Documento foi publicado na edição do Diário Oficial desta...

Combates, protestos… E muito machismo

Práticas machistas atravessam a história e aprofundam a desigualdade,...
spot_imgspot_img

Sueli Carneiro analisa as raízes do racismo estrutural em aula aberta na FEA-USP

Na tarde da última quarta-feira (18), a Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP) foi palco de uma...

O combate ao racismo e o papel das mulheres negras

No dia 21 de março de 1960, cerca de 20 mil pessoas negras se encontraram no bairro de Sharpeville, em Joanesburgo, África do Sul,...

Ativistas do mundo participam do Lançamento do Comitê Global da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver

As mulheres negras do Brasil estão se organizando e fortalecendo alianças internacionais para a realização da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem...
-+=