Uma Nova Maneira de Empoderar as Mulheres Negras

O feminismo tradicional fracassou com as mulheres Afro-Americanas. É hora de uma nova maneira de abordar nossas questões.

Rachel Jeantel personifica esse princípio do CBFT (Critical Black Feminine Theory = Teoria Crítica do Feminino Negro, nome do blog) simplesmente pela forma com que dá significado a sua linguagem corporal e discurso ao falar com Don West, advogado de defesa de Zimmerman. Ela rejeita sua linguagem em comentários tais quais: “Isso soa retardado, senhor” e “Eu não entendo você. Na verdade, eu entendo inglês… senhor.”

Entretanto, quando diminuída através de lentes feministas típicas, Jeantel, e o que ela representa, corre o risco de ser descrita como mal educada, analfabeta, um tipo de Madea (uma idosa durona, personagem de TV interpretada por Tyler Perry), precisando de aulas de imersão em inglês que pudessem “emancipá-la” de suas inadequações culturais e étnicas – como se algo estivesse errado com ela. Isso é problemático.

Consequentemente, Jeantel – assim como Charles Ramsey, Sweet Brown e Antoine Dodson – é motivo de riso e ridicularizada na mídia social e inferiorizada pelos “privilegiados” que a apresentam como tendo algum tipo de “deficiência” de acordo com normas estabelecidas e sofisticações.

“Sou esquisita por dançar por aí? Sou esquisita por me divertir pra valer? Estou me esbaldando. Não corte meu barato. Sim, quero ser, quero ser Rainha.” –“R.A.I.N.H.A.”, Janelle Monae

3. A linguagem da CBFT rejeita o uso de ideologias estereotípicas associadas ao feminismo tais como desprezo pela maternidade, rejeições de todas as coisas femininas, a ideia de que gueto é errado e que o prazer tem um “lugar” ou a noção de que mulheres que querem empoderar outras mulheres e resistem a estruturas patriarcais são lésbicas enrustidas ou agressoras de homens, que preferem “procriar” com outras mulheres.

Resistir a uma nova perspectiva nos dá uma visão mais clara do opressor — que, no caso do feminismo, frequentemente são outras feministas. Nossa nova perspectiva ajuda a manter um olhar de reflexão sob o opressor para que nossa resiliência seja moldada por nossas habilidades de responder, reagir e resistir aos estereótipos. Através da apreciação de todas as narrativas, a CBFT oferece um novo parâmetro para a próxima geração de eruditos e ativistas.

“Estou conversando com o pessoal que não tem a menor noção. Então ouça com muito cuidado quando eu te explico… Respeito é devido à mãe que é a raiz disso.” — “Ladies First (Primeiro as Damas),” Queen Latifah com a participação de Monie Love

4. A CBFT reconhece os rituais e tradições de construção de comunidade que as mulheres negras tem feito e cultivado antes do feminismo ser até mesmo uma palavra.

As mulheres de cor – especialmente as Afro-Americanas – têm, na verdade, segurado a onda desde os primórdios. Harriet Tubman não se auto identificou como uma feminista negra ou defensora da causa das mulheres enquanto dirigia a Ferrovia Underground.

Mas ela ameaçaria atirar em você se você decidisse virar as costas e rejeitar o ideal de liberdade. Nossas narrativas sempre incluíram a ideia de que tomamos conta uns dos outros. Consequentemente, a CBFT considera essas historias como exemplos de como devemos continuar a nos curar e fortalecer nossas amadas comunidades. 

“U.N.I.D.A.D.E. Você tem que avisá-los.” –“UNITY (UNIDADE),” Queen Latifah

5. O modo discursivo da CBFT reúne homens, mulheres e crianças, independentemente de poder, status, gênero, preferência sexual, tom da pele, estado civil ou idade. Inclui as vozes daqueles caracterizados como “mal educados,” “gueto” e incapazes de falar por si mesmos sob o peso daquilo que o sociólogo da Harvard William Julius Wilson denomina “pobreza concentrada.” (pdf)

Frequentemente nos esquecemos daqueles trabalhando nas trincheiras quando “escapamos” delas. Nesse sentido, teóricos da CBFT são contrários ao uso de vozes unilaterais que tendem a falar em nome da comunidade maior e que, em última instância, reforçam essas dinâmicas arbitrárias de poder nas múltiplas narrativas. Para que a CBFT funcione adequadamente como uma estratégia de construção de família e comunidade, os homens negros devem ser incluídos desde o início. Eles, assim como qualquer outro participante, não têm que brigar para participar da conversa quando ideias estiverem sendo discutidas usando os parâmetros da CBFT.

“Por quem devo me desculpar? Para quem devo me desculpar? O fato é que você não pode agradar a todos.” –“Sorry (Sinto muito),” TI, com participações de Andre 3000 e Stacy Barthe

6. A CBFT requer uma postura não subserviente focada em dizer a verdade. Não estamos pedindo nada. Estamos declarando nossa independência e estamos nos desassociando do feminismo porque ele tem dividido nossas comunidades for tempo demais. Tem separado as mulheres negras umas das outras e separado negras e negros, criando hierarquias e inflando egos, o que diminui nosso potencial para nos curarmos.

Não digo isso para argumentar que negros e negras precisem namorar, amar e procriar uns com os outros exclusivamente. Não proponho essa questão para dizer que negras precisam ter amigas negras exclusivamente. Mas, independentemente disso, devemos respeitar uns aos outros e dialogar uns com os outros e isso requer um espaço e uma pedagogia que é tanto fortalecedora quanto crítica.

Como já mencionei, precisei de vários anos para reconhecer essas lutas internas, recalibrar minhas opiniões e articulá-las, tenho certeza, de modo a deixar muitas pessoas desconfortáveis. Mas qual é a alternativa? Continuar filtrando minhas/nossas narrativas individuais e coletivas através de parâmetros limitadores que apenas nos afastam daquele ideal de “liberdade” e “emancipação”? Sentar e apenas assistir a casa pegar fogo? Essa quebra da tradição deveria nos deixar sem escolha além de embarcar no desgraçado “Amistad” e navegar para outro destino. O que fazer quando chegarmos lá ainda está para ser descoberto.

Joycelyn A. Wilson é professora assistente de fundações socioculturais da educação na Virginia Tech e integrante do arquivo sobre hip-hop no Instituto W.E.B. DuBois para Pesquisa Africana e Afro-Americana na Universidade de Harvard. Seus interesses são pedagogias usando hip hop, educação STEM e estudos sobre mulheres. Ela também é diretora do Projeto HipHop2020 Curriculum e co-editora do thecbft.wordpress.com. Siga-a no Twitter.

Traducao de Adriana Graciano

Adriana Graciano 

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