‘Única força legitimada para invadir universidades é a das ideias’, diz Cármen no STF

A ministra é relatora de ação sobre entrada de policiais e da Justiça Eleitoral nas universidades

por Reynaldo Turollo Jr. no Folha de São Paulo

Divulgação / Folha de São Paulo

Relatora de uma ação que discute a entrada de policiais e outros agentes públicos em universidades para apreender materiais, retirar faixas e proibir debates, a ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Cármen Lúcia disse nesta quarta (31) que a única força legitimada para invadir essas instituições é a força das ideias.

“Impor-se a unanimidade impedindo-se ou dificultando-se a manifestação plural de pensamento é trancar a universidade, silenciar estudantes e amordaçar professores. A única força legitimada para invadir as universidades é a das ideais livres e plurais. Qualquer outra que ali ingresse é tirana, e tirania é o exato contrário da democracia”, afirmou.

O plenário do Supremo julga nesta tarde um pedido de liminar em uma ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) ajuizada na semana passada pela procuradora-geral, Raquel Dodge, em resposta a iniciativas da Justiça Eleitoral.

Agentes públicos retiraram faixas e apreenderam materiais em universidades públicas de vários estados sob a justificativa de coibir propaganda eleitoral irregular, que é proibida em prédios públicos. Uma das faixas retiradas, por exemplo, dizia “Direito UFF Antifascista”, na Universidade Federal Fluminense, em Niterói (RJ).

No sábado (27), Cármen Lúcia deferiu a liminar pedida pela PGR suspendendo tais iniciativas. Nesta quarta, o plenário da corte deve decidir se referenda ou não a decisão liminar da relatora do processo.

A procuradora-geral sustentou na ADPF que as medidas realizadas nas universidades lesaram os direitos fundamentais da liberdade de manifestação do pensamento, de expressão da atividade intelectual, artística, científica, de comunicação e de reunião, previstos no artigo 5º da Constituição.

Afirmou ainda que houve ofensa ao artigo 206, que prevê um ensino pautado na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento e o pluralismo de ideias, e ao artigo 207, que trata da autonomia didático-científica e administrativa das universidades.

Cármen disse, ao votar, que “universidades são espaços de liberdade e libertação pessoal”, de diálogo e de diferenças. “As pessoas divergem, não se tornam por isso inimigas. As pessoas criticam, não se tornam por isso não gratas. Consenso não é imposição […] Toda forma de autoritarismo é iníqua. Pior ainda quando parte do Estado”, disse.

Segundo a ministra, a finalidade da legislação eleitoral é proibir comportamentos que gerem abuso do poder econômico e político para preservar a igualdade entre os candidatos. A norma, segundo Cármen, também visa resguardar a liberdade do cidadão, sem cerceamento direto ou indireto a seu direito de escolha nas eleições. “Logo, impedir a livre expressão [de professores e estudantes] não se afina com o objetivo da norma”, disse.

Antes de a relatora votar, falaram na sessão desta quarta os amici curiae (amigos da corte, em latim), que ingressaram na ação como partes interessadas. O primeiro foi o advogado Alberto Pavie Ribeiro, representante da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), que defendeu as decisões dos juízes eleitorais que tiveram as universidades como alvos.

Ribeiro disse que as decisões se pautaram na legislação eleitoral vigente e que eventuais abusos podem ter ocorrido sem o conhecimento dos juízes. Ele citou o caso de uma instituição em Campina Grande (PB) em que o juiz eleitoral local determinou busca e apreensão após receber uma gravação de alunos pedindo voto e distribuindo panfletos em sala de aula.

Sobre outra decisão, de uma juíza eleitoral do Rio que determinou a retirada de uma faixa que dizia “Direito Uerj Antifascista”, o advogado sustentou que, pelo contexto, tal frase tinha significado eleitoral. “Será que antes do dia 15 de agosto [quando começou a campanha oficialmente] já existia essa faixa lá? É preciso fazer esse recorte”, afirmou.

Em seguida, a advogada do Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior), Mônica Ribeiro, fez uma defesa da liberdade de expressão prevista na Constituição e disse que “as ameaças de controle e de patrulhamento destroem a universidade”.

“A liberdade de cátedra é uma espécie de gênero da liberdade de expressão do pensamento”, afirmou. Para ela, a única restrição possível ao direito à liberdade de expressão e à educação é a que advém da própria Constituição, que veda o racismo e a discriminação.

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