USP – Meritocracia justa ou injusta?

por: FREI DAVID SANTOS, DANIEL CHIGNOLI e REINALDO JOÃO DE OLIVEIRA

A USP, maior universidade do Brasil e uma das cem melhores do mundo, completou 78 anos, com uma história de contradições junto ao povo brasileiro e, principalmente, negro e pobre. A USP insiste em ignorar que São Paulo é o estado com a maior população negra do Brasil. Cabe perguntar: quem se alegra e comemora o aniversário dessa universidade? Quem ganhou e ganha com ela?

Longe do lugar-comum de que “o rigor da meritocracia” é fundamental para o bom desempenho da universidade, e isto impede que haja negros e pobres nos campi, é preciso ir além. Deve-se perguntar o que provocou a exclusão dos negros e pobres. Será que os dirigentes da USP já refletiram que existe a meritocracia justa e a injusta?

Não seria este o principal instrumento perverso de exclusão? Todos sabem que há negros na comunidade da USP, mas são ignorados pelos demais, invisíveis à maioria dos alunos, professores e dirigentes. Os negros e pobres são os trabalhadores da universidade, aqueles que movem as engrenagens das inúmeras atividades — da limpeza à burocracia. São homens e mulheres que trabalham sem qualquer esperança de um dia eles ou seus filhos usufruírem da universidade, que é pública e paga por seus impostos.

Em uma frase: é uma instituição mantida majoritariamente pelos pobres, e desfrutada em grande parte pelos ricos, que não devolvem quase nada ao saírem formados. Mais de 80% dos matriculados vêm de escolas particulares, quando, no Brasil, 88% do que terminam o ensino médio saem de escolas públicas! Uma universidade séria em sua missão está bem definida nas estratégias para ajudar a sociedade a concretizar a igualdade determinada pela Constituição.

O povo, através da Educafro e outras entidades de articulação comunitária, precisa se fortalecer e fazer mudar esta realidade, uma vez que o conselho universitário é insensível a estas demandas. É chegada à hora de a universidade pública cumprir seu papel de instituição verdadeiramente democrática e capaz de proporcionar melhores oportunidades para todos os brasileiros que pagam por ela.

A USP não pode ficar no falso dilema de que mudar as regras do seu vestibular é rebaixar o nível da instituição. Ir contra a política de cotas é ir na contramão da História. Na celebração dos 78 anos da USP trabalhemos para que ela reescreva sua história, de modo que todos possam participar como iguais, formados por uma instituição verdadeiramente pública. Sua qualidade pública não pode ser medida só pelas verbas que entram, mas também pelas pessoas que têm ingresso garantido, sem privilégios para os “bem-nascidos”.

Assim a USP poderá estar repetindo a prática das grandes universidades do mundo, como Harvard, que tem programas de matrículas contemplando a diversidade étnica e geopolítica.

FREI DAVID SANTOS é diretor da Educafro.

DANIEL CHIGNOLI é acadêmico de Direito.

REINALDO JOÃO DE OLIVEIRA é mestre em Teologia.

 

Fonte: Conteúdo Livre

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