Vale-cultura, novidade na renda e nos hábitos

 

R$ 50 por mês podem fazer diferença para uma população que não consome bens culturais porque o orçamento tem outras prioridades

Dono de uma empresa de publicidade e tecnologia em Poços de Caldas, no sul de Minas Gerais, Diego César Noronha fez cadastro no Vale-Cultura assim que as inscrições foram abertas, em 23 de setembro. Ele tem apenas um funcionário e acredita que o programa pode ser um começo para estimular o acesso da população a eventos e produtos culturais.

“Às vezes a pessoa deixa de fazer alguma coisa por não ter condição”, afirma Diego, que também é músico e tem uma banda de forró universitário. Ele está certo. Os gastos com moradia, alimentação e transporte consomem a maior parte da renda dos brasileiros. Segundo o IBGE, de cada R$ 100 gastos por mês, R$ 34 vão para habitação, R$ 20 para alimentação e R$ 20 para transporte – ou seja, mais de 70%. A cultura fica com R$ 5.

A composição de despesas muda drasticamente conforme o ganho das famílias. No caso da habitação, por exemplo, o gasto sobe para R$ 38 entre as famílias de menor renda. Para alimentação, vão R$ 30. Na faixa de maior poder aquisitivo, esses gastos são de R$ 31 e R$ 14, respectivamente. Assim, as famílias de menor renda consomem 3,6% em cultura por mês e as de faixa maior, 6,3%. Os dados são do Sistema de Informações e Indicadores Culturais e referem-se ao período 2008-2009. Mesmo os governos não gastam muito com cultura. De acordo com o IBGE, de 2007 a 2010 as despesas da administração pública nessa área, em níveis municipal, estadual e federal, somam apenas 0,3% por ano.

“Noventa por cento dos brasileiros nunca assistiram a um espetáculo de dança, 70% têm como principal diversão a TV e, por incrível que pareça, 80% nunca entraram no cinema”, diz o secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura, Henilton Menezes, que em 18 de outubro esteve em São Paulo para participar da assinatura da convenção coletiva de trabalho entre os bancários e a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) – a primeira a incluir o Vale-Cultura.

Com isso, o programa – aprovado em dezembro e regulamentado em agosto – ganha impulso. Até o final de outubro, havia 570 empresas cadastradas, com um total de 40 mil trabalhadores. Apenas o setor bancário tem 500 mil empregados, 60% deles potenciais adeptos do programa. Os sindicalistas calculam que a adesão ao Vale-Cultura fará circular aproximadamente R$ 9,4 milhões por mês. O benefício começará a ser pago em janeiro, por meio de cartão magnético, com crédito cumulativo – ou seja, não precisa usar os R$ 50 no mesmo mês.

O governo estima o potencial do programa em R$ 25 bilhões por ano. “Isso é mais ou menos 15 Leis Rouanet”, diz o secretário. Conforme o Decreto nº 8.084, que regulamentou a Lei ­­nº 12.761, o vale deverá ser oferecido ao trabalhador com vínculo empregatício e remuneração de até cinco salários mínimos mensais (R$ 3.390, em valores atuais). Depois disso, pode ser estendido a funcionários com salário maior. A fiscalização caberá ao Ministério do Trabalho e Emprego.

A lei determina que o trabalhador com remuneração de até cinco mínimos poderá ter descontados, conforme a faixa, 2%, 4%, 6%, 8% ou 10% sobre a quantia que receber a título de vale. Para quem ganha acima disso, o desconto será de 20% (acima de cinco e até seis mínimos) a 90% (acima de 12 mínimos). As empresas podem abater 1% do imposto de renda devido.

Estímulo

“Quando eu escutei anunciado na Voz do Brasil, procurei saber como funcionava”, conta Anderson Roberto Martins, que tem uma empresa de manutenção de computadores em Neves Paulista, cidade de 9 mil habitantes na região de São José do Rio Preto, no interior paulista. Ele também foi um dos primeiros a se cadastrar no programa. “Pessoas que ganham um salário mínimo, dois, geralmente não têm essa opção. O preço do teatro é alto para quem tem família para sustentar, contas para pagar. Livro tem um valor elevado. Acho que é uma forma de estimular.”

Microempreendedor individual, Daniel Ferreira Martins, de Recanto das Emas (DF), ainda não contratou, mas já se cadastrou no programa para incluir o Vale-Cultura entre benefícios oferecidos ao futuro funcionário. “Se uma pessoa compra um livro ou um CD, vai ao cinema, ao teatro, já é um começo”, diz o brasiliense Daniel, de 44 anos, que trabalhou durante dez em uma rede de supermercados, até formar o próprio negócio, prestando serviços de som e iluminação em eventos. O exemplo vem de casa. “Meu filho, de 8 anos, adora ler. Eu incentivo desde que ele era pequeno.”

Há 12 anos em Fortaleza, o técnico bancário Nelson Faria chegou a trabalhar como ator em grupo teatral em São Paulo e como iluminador em outro grupo no Espírito Santo. Prestes a se aposentar – está há 29 anos na Caixa Econômica Federal –, sonha em voltar ao meio artístico. Passou essa paixão para a filha, que entrou na faculdade de teatro. É fácil imaginar o que Nelson pretende fazer quando começar a receber o vale: “Por exemplo, frequentar teatro”. Ele concorda que cultura nem sempre pode ser prioridade para o brasileiro, mas pondera: “Não deveria ser assim. Quando você adquire conhecimento, ninguém tira de você”.

‘É inexplicável uma empresa não aderir’

MAURICIO MORAIS/SIND.BANCÁRIOS S.PAULO
vale marta
“Adesão no atacado”

A ministra da Cultura, Marta Suplicy, comemorou a primeira adesão “no atacado” ao programa Vale-Cultura, por meio do convenção coletiva nacional dos bancários. Empolgada com a possibilidade de o item vir a se tornar rotina em futuras negociações coletivas, a ministra se reuniu com dirigente da CUT no último dia 22, na sede do Sindicato dos Bancários de São Paulo.

“Após a aprovação do programa no Congresso e a sanção da presidenta Dilma, esse foi o momento mais importante para o benefício”, afirmou Marta, em entrevista à Rádio Brasil Atual. Isso significa, segundo ela, entre 250 mil e 300 mil trabalhadores que vão poder ter R$ 50 por mês para ir ao cinema, ir ao teatro, ao museu, comprar aparelho de som, revistas, jornais ou livros. “Vai mudar a vida do trabalhador. É uma injeção muito grande na área cultural e para o trabalhador. A partir de agora, todas as negociações coletivas deverão incluir o benefício”, prevê a ministra.

Ela observa que esse ganho cultural não representará grandes investimentos, já que as empresas terão compensações fiscais. “Então, é inexplicável uma empresa não se dispor a conceder esse benefício, porque o ganho do funcionário em alegria, cultura, educação e qualidade de vida é muito grande. Isso dá retorno também em termos profissionais, porque o ganho cultural representa um efeito muito grande em como a pessoa se dedica, em como ela vê o mundo, em como analisa as questões. Isso tudo acaba reverberando no trabalho”, avalia.

A ministra acredita que até mesmo para empresas de baixo faturamento, enquadradas como microempresa ou que declarem imposto por lucro presumido – que, portanto, não terão isenção fiscal –, o Vale-Cultura pode vir a se tornar uma referência de mercado. “Em tempos de nível elevado de emprego, as pessoas que se candidatam a uma vaga vão perguntar: ‘Tem Vale-Cultura?’ Na medida em que isso pesa numa decisão, pode passar a ser interessante para a empresa ter o benefício como atrativo.”

Ouça a entrevista completa

 

Fonte: Rede Brasil Atual

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