A missão do papa Francisco é manter a teocracia do Vaticano, a face Estado da Santa Sé, que é sólida, mas perde fiéis, sobretudo para a teologia da prosperidade. Logo, o discurso que acena longe uma volta aos valores do cristianismo primitivo, como insistem em dizer alguns, é uma miragem.
Por Fátima Oliveira Do O Tempo
Estão equivocados os dois extremos do catolicismo: o fascista, que o chama de papa vermelho; e o de esquerda, que vislumbra mudanças no Estado teocrático e se encanta com o palavrório “progressista” do papa, mesmo sabendo que tudo continua como dantes no quartel de Abrantes quanto aos temas ainda proscritos: direitos das mulheres e LGBT.
Conservadores da direita e a esquerda católica se esquecem de que a Santa Sé detém o maior legado de experiência política no mundo! São mais de 2.000 anos no cenário religioso e político do mundo e 265 papas – que sempre fizeram política, nem sempre do bem! Qual o partido político no mundo que cavalga em tanto tempo de experiência? Eis o ponto de partida para analisar qualquer passo ou discurso do papa Francisco.
O primeiro papa foi são Pedro, mas o título só começou a ser usado no século III. Há a figura do antipapa – “elevado ao papado de modo não canônico, atribui a si mesmo a dignidade e a autoridade papal”. Os antipapas são 36, segundo a Santa Sé, mas há sete duvidosos. “A história dos papas é repleta de lutas pelo poder, assassinatos, renúncias e destituições (Lucas Rodrigues, in “Vaticano: Conheça curiosidades sobre os papas que passaram por lá”).
O papa Francisco é simpático, tem élan e o usa bem, adota a filosofia da simplicidade voluntária e emoldura o rosto com um sorriso fácil e acolhedor, mesmo mantendo encarcerado no Vaticano o papa Bento XVI (264º papa). “Eleito em 19.4.2005, renunciou em 28.2.2013. Hoje, o papa emérito Bento XVI, um prisioneiro do Vaticano. Negócios são negócios. Ele optou por ficar vivo…” (Fátima Oliveira, in “Kyrie Eleison diante dos conflitos da Santa Sé e do Vaticano”, O TEMPO, 5.3.2015).
Em cruzada evangelizadora pela América do Sul (Equador, Bolívia e Paraguai), recebeu um regalo do presidente da Bolívia, Evo Morales: cópia de uma escultura do padre jesuíta espanhol Luís Espinal Camps (1932-1980), também poeta, jornalista e cineasta, assassinado por seus vínculos com os movimentos sociais do país. A escultura é Cristo crucificado entre a foice e o martelo, o que fez a direita mundial pirar e apelidar a obra de arte de “crucifixo comunista”!
No Segundo Encontro Mundial de Movimentos Populares, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, o discurso do papa foi cristalinamente anticapitalista: “A distribuição justa dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera filantropia. É um dever moral” (9.7). E daí, quando o Vaticano, que é capitalista, vai distribuir o seu ouro?
No Paraguai, disse: “A corrupção é a gangrena de um povo” (no que o Vaticano é exemplar) e que “as ideologias terminam mal, não servem, têm uma relação ou incompleta, ou doente, ou ruim com o povo. As ideologias não incluem o povo, pensam pelo povo, não deixam que o povo pense” (11.7). Penso que ele falou apenas sobre as ideologias religiosas e que precisa ler “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, de Max Weber (1864-1920).
O papa Francisco, em cruzada evangelizadora pela América do Sul, cumpre o seu dever: arrebanhar fiéis. No Equador, exortou que “sacerdotes e bispos atuem a serviço dos fiéis e cuidem do ‘Alzheimer espiritual’, que os faz esquecer as origens humildes”. Nada de revolucionário.