“Eu acho que todo mundo iria querê-la como advogada. Porque ela quer vencer.” O argumento de defensora que a atriz Viola Davis usa para preservar a reputação um tanto duvidosa de sua personagem em “How to Get Away with Murder”, no ar no Brasil pelo canal Sony, não é gratuito.
A também advogada Annalise Keating, cuja busca pelo sucesso e pela Justiça muitas vezes ultrapassa os limites da ética, rendeu a Viola o Emmy de melhor atriz, sendo a primeira vez que uma atriz negra venceu nesta categoria no ano passado. O trabalho foi também reconhecido pelo público (levou o People’s Choice) e pelos seus pares (também ganhou o prêmio do sindicatos dos atores).
Não é para menos. A alma do seriado é a professora e defensora pública mais implacável da Filadélfia, que consegue manipular júri, juiz, testemunhas, acusados e vítimas de forma que ela sempre seja a vencedora.
Mas o que os advogados acham do trabalho de Annelise Keating? O termômetro de Viola Davis não poderia ser mais adequado: o centro do poder nos Estados Unidos. “Um monte de advogados que eu conheci em Washington, quando fui visitar a Casa Branca, disse que amam [a personagem]. Eles não acham realista, mas amam mesmo assim.”
Já o ator Matt McGorry, que interpreta Ascher, um dos alunos de Annelise, diz que as opiniões que ouve são mistas: “Tem quem ame e tem quem odeie. Tem quem venha e critique dizendo que aquilo não tem nada a ver com a realidade, e tem quem entenda que há uma dose grande de fantasia ali.”
Há um outro elemento: A personagem de alguma maneira se confunde com a produtora executiva da série, Shonda Rhimes. Ambas são conhecidas por defender a bandeira da diversidade na TV e no cinema americanos. Nas séries de Shonda, os elencos e enredos dão visibilidade e protagonismo a mulheres negras — é dela a também premiada “Scandal”, cuja protagonista Kerry Washington já foi indicada várias vezes ao Emmy.
Os LGBTs, os latinos e outros tipos físicos que fujam do padrão branco, loiro, olho azul e heterossexual também estão presentes em sua narrativa. Não faltam cenas de sexo em seu show, como acontece em grande parte das séries de temática adulta. Mas o que se vê não é apenas o corpo da mulher como objeto, mas também o corpo do homem (quando não de dois homens ao mesmo tempo).
E este protagonismo acontece em um momento crucial para a quebra de padrões na indústria do entretenimento — tema discutido à exaustão em 2015 e que continua até pelo menos a próxima cerimônia da entrega do Oscar, cuja lista de atores indicados deste ano não inclui nenhuma pessoa negra.
Viola, inclusive, mais uma vez bancando a advogada dos que não têm voz, como ela mesma disse à reportagem, defendeu que os estúdios produzam mais oportunidades aos negros e às mulheres, fazendo coro com as defesas públicas de Jennifer Lawrence e Patricia Arquette por salários e oportunidades iguais às mulheres. “O problema não está no Oscar”, disse ela recentemente.
Um peso nas costas
A reportagem do UOL conversou com a atriz durante alguns minutos em um coquetel promovido pela rede ABC, que exibe “How to Get Away with Murder” nos Estados Unidos e perguntou por que sua vitória no Emmy reverberou em tantos países, inclusive o Brasil. Nesta hora ela jogou para a torcida. “As pessoas se veem em mim por alguma razão. Acho que essa seria uma boa pergunta para outras pessoas responderem. O que elas sentem de familiar em mim?”
Depois de um silêncio eloquente que durou alguns segundos retomou: “Porque tem uma coisa: Annelise não é apenas uma advogada. Ela é uma mulher. E todos nós, não importa o que qualquer um diga, quando você volta para seu quarto de hotel ou para sua casa, você tem alguma bagunça em sua vida que você tem que arrumar. E pode ser uma bagunça extragrande, média ou pequena. Não importa. E isso é o que conduz a Annelise. E com ela tudo é uma bagunça. É o fato de ela ter sido abusada quando jovem. É ela não se sentir amada. É ela querer vencer a qualquer custo, mesmo não sendo ético…”
O reconhecimento por esse trabalho trouxe mais um nível de satisfação à atriz no campo pessoal: a autoestima. Sorridente, simpática e radiante, Viola Davis comentava durante o coquetel que quando completou 50 anos, tirou um peso das costas.
“A maior parte deste peso que carreguei em minha vida vinha do fato de viver me desculpando por ser quem eu sou. Por não me sentir adequada. E por alguma razão, quando eu completei 50 anos, tudo isso se liberou. Não vou dizer que não tenha momentos [de pesar], mas eu tenho me sentindo muito bem!”