Violinista de 13 anos supera dois AVCs e volta a tocar em orquestra

Menina integra grupo de referência do Projeto Guri em Jundiaí (SP).
‘Sinto e toco como se não tivesse acontecido nada’, diz musicista.

Por Ana Carolina Levorato, no G1 – Foto: Geraldo Jr./G1

Quem vê a musicista Emilly Rhanna de Paiva dedilhando com precisão os acordes no seu instrumento preferido, o violino, não imagina que a vida dela já teve tantas notas dissonantes. A estudante, de 13 anos, passou vários meses internada após sofrer dois episódios raros de Acidente Vascular Cerebral (AVC), que por pouco não a obrigaram a abandonar o sonho de ser uma musicista erudita caso tivesse sequelas permanentes. Hoje, curada, Emily integra o grupo de referência de uma orquestra jovem de Jundiaí (SP).

A paixão de Emilly pela música surgiu aos 8 anos, mas foi interrompido dois anos depois por causa dos aneurismas, que surgiram com uma simples dor de cabeça. “Achei que o que ela estava sentindo era normal e disse para tomar banho. Foi quando ela começou a convulsionar. Como nunca tinha visto, não sabia o que era uma convulsão e não imaginava que pudesse ser tão grave. Ela nunca tinha ficado doente”, lembra a mãe, Elisangela Gonçalves de Paiva.

Emilly, natural de Santo Antônio de Posse (SP), foi levada para o pronto-socorro e melhorou após ser medicada. Dias depois, no entanto, voltou a desmaiar. “O médico que a atendeu não tinha muita experiência e não achou que poderia acontecer um derrame em uma criança com 10 anos de idade, por isso mandou voltarmos para casa.”

Em casa, a menina continuou passando mal e reclamando de dores de cabeça. Em poucos dias, a coordenação motora da menina começou a falhar. “Nesse dia eu fiquei apavorada. Procurei vários pediatras e um deles viu que tinha algo de errado. Eles acreditaram que era meningite por causa dos sintomas, mas ela não tinha febre e isso ficou em contradição”, conta Elisangela.

Após vários exames e tomografias, foi descoberto que a jovem musicista tinha uma má-formação congênita na veia encefálica, onde surgiram dois aneurismas.

8violinista

A menina precisou então ser encaminhada para a UTI de um hospital em Jundiaí, cidade a pouco mais de 80 quilômetros de distância de Santo Antônio de Posse. “Quando ela foi internada, os médicos já alertaram que, o quer que fosse a doença, era algo ruim. Após a tomografia os médicos disseram que uma veia tinha se rompido e que ela não poderia passar por uma cirurgia naquele momento. Para a gente só restava rezar”, relembra a mãe. Emilly foi colocada em coma induzido para impedir as convulsões, mas o prognóstico era trágico. “Disseram que, se ela sobrevivesse, ia vegetar.”

Contrariando a expectativa médica, a menina se recuperou e teve alta 21 dias após o AVC.

Mas a melhora não durou muito tempo. As dores de cabeça foram voltando aos poucos e, menos de três meses depois, a menina sofreu um novo – e mais forte – aneurisma.

Desta vez, o tempo de internação precisou ser maior. Foram 50 dias no hospital a base de medicamentos fortes para diminuir o inchaço cerebral e controlar as convulsões. Mas o que mais preocupava a adolescente, segundo a mãe, era a possibilidade de não poder mais tocar violino, instrumento que aprendeu a amar por incentivo do tio. “Ela chorava muito porque não era certeza que a coordenação motora dela ia voltar”, lembra.

Sequelas
Emilly deixou o hospital com várias sequelas motoras e com aversão à luz. “Quando cheguei em casa, lembro que não enxergava nada e não conseguia abrir os olhos porque a luz me incomodava demais. Só conseguia andar com a ajuda de alguém. Eu ficava muito nervosa porque não conseguia segurar nada direito, nem um copo, muito menos o violino do meu tio. A perna eu tinha que arrastar e ainda estava com a boca torta. Mas eu me esforcei para voltar. Preferia morrer a deixar de tocar”, desabafa.

Foram precisos muitos meses de fisioterapia até que Emilly conseguisse segurar novamente o violino. Ela lembra, emocionada, que chorou quando conseguiu tocar os acordes da canção infantil “Brilha Brilha Estrelinha”. “Quem entende de música ri, mas essa era a única que meu irmão, na época com 9 anos, sabia de cor. Como eu não conseguia me lembrar das notas, ele foi me ensinando em casa. E foi assim que consegui tocar de novo”, conta. “Quando eu consegui a alegria no rosto dele era contagiante porque eu estava com muita saudade do instrumento. Comecei a chorar e chamei a minha mãe para ver. Todo mundo ficou emocionado.”

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Emilly toca violino na orquestra do Projeto Guri, em Jundiaí (Foto: Geraldo Jr./G1)

 

Uma trufa pelo violino
Emilly já tocava no grupo de Santo Antônio de Posse, mas tinha o sonho de integrar o grupo de referência do Projeto Guri, em Jundiaí. Para fazer o teste da orquestra juvenil, ela precisava comprar um violino, já que só utilizava um emprestado na cidade. Filha de uma família com poucos recursos, ela vendeu trufas por alguns meses até comprar um instrumento usado.

“Eu pedi para a minha mãe me ensinar a fazer os doces e vender. Algumas pessoas acharam ruim, dizia que era trabalho infantil e até chamaram o Conselho Tutelar. Diziam que era besteira e eu que não sabia tocar direito, que não passaria no teste. Mas, depois da autorização dos meus pais, juntei dinheiro e consegui comprar um violino usado, que eu uso até hoje”, conta Emilly.

No teste para a orquestra, Emilly tocou a 9ª sinfonia de Beethoven, um dos seus intérpretes preferidos, e foi aprovada. “Estava muito nervosa e com medo de que as pessoas me deixassem passar, ou não, pelas minhas questões de saúde. Tanto que não contei para ninguém e evito falar disso na orquestra até hoje. Quando eu fui aprovada foi uma emoção sem tamanho”, ressalta a menina.

Desde 2013, Emilly é uma das 55 integrantes do grupo de referência do Projeto Guri de Jundiaí e toca com importantes artistas, como o violinista da Orquestra de São Paulo Paulo Paschoal. Ela pretende seguir na música, mas também quer fazer medicina para, quem sabe, levar a música para dentro dos hospitais.

“Eu fiquei triste e debilitada por bastante tempo. Cheguei a esquecer de algumas aulas, mas não sei como não desaprendi a tocar. Hoje tenho dificuldade de ler a partitura, porém, se me derem as notas, consigo tocar sem problemas. Sempre que alguém tem alguma dificuldade, eu tento influenciar essa pessoa a tocar e seguir na música. Quero fazer medicina porque também virou uma paixão. E porque não juntar as duas?”, finaliza a jovem artista.

Emilly integra grupo de referência de orquestra jovem em Jundiaí (Foto: Geraldo Jr./G1)
Emilly integra grupo de referência de orquestra jovem em Jundiaí (Foto: Geraldo Jr./G1)

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