Você é contra a desigualdade social e toma suco de caixinha?

Cansado de ter que explicar a algumas pessoas que enxergam o mundo em preto e branco que adotar um ponto de vista progressista não significa fazer voto de pobreza, comunicar-se por sinais de fumaça e detestar os Estados Unidos, resolvi mudar meus hábitos.

Foto: Flávio Florido

Por Leonardo Sakamoto, do Blog do Sakamoto 

Assim atendo todos aqueles que veem incoerência em alguém ser contra a desigualdade crônica e, ao mesmo tempo, comer carolinas recheadas com doce de leite, tomar suco de caixinha e estar se coçando para assistir à terceira temporada de House of Cards.

Abandono, neste final de ano, o status de Esquerda Profiteroles e abraço a pobreza.

Porque intelectual gosta mesmo é de miséria, não é verdade? Que todo mundo esteja na miséria. E só a miséria liberta.

5h45
Acordar. Dez minutos enrolando na cama feita de capim seco sobre o chão de terra batido para refletir sobre o dia e louvar as dádivas da vida.

5h55
Banho com água captada da chuva. Duas canecas por dia – mais do que isso, nesse período de estiagem, seria ostentação. Uso de sabão produzido com casca de Juá e bexiga natatória de sardinha seca e moída.

6h20
Café da manhã. Água de orvalho e luz. Tempo para fotossíntese.

7h
Visita à banca para a leitura gratuita da capa dos principais jornais do dia.

8h45
Manuel, da Estrela do Pão Quente, conforme prometido, disponibilizou cinco folhas de papel de embrulhar rosca de torresmo. Com isso e os lápis cedidos pelo pessoal do bazar Alvorada, é possível produzir os posts por uma semana.

11h
Envio do pombo-correio ao UOL com o post do dia preso à pata.

11h30
Busca por um orelhão que funcione.

12h
Ligação a partir de um orelhão para articular com empresários, sociedade civil e governos visando à implementação de políticas para o combate ao trabalho escravo. Ligações a cobrar.

13h
Pés de alface e chicória colhidos na hortinha clandestina da PUC para o almoço. A outra “plantinha” não está crescendo bem – avisar que está faltando iluminação.

14h
Produção de camisa nova a partir de algodão colhido na roça do assentamento Simon Bolívar no mês anterior. Lembrete importante: evitar espetar o dedo na roca de fiar. Dizem que dá sono.

15h30
Necessidades fisiológicas. O uso de papel higiênico, esse produto-símbolo do capitalismo imperialista ianque, é proibido. No seu lugar, jornal. Dessa forma, também se demonstra indignação frente à grande mídia burguesa e suas mentiras. E jornal doado, não comprado para não financia-los. Preferência para os cadernos de esportes e cultura, que são mais suaves.

16h
Ação direta: jogamos tamancos em máquinas de fábrica exploradora porca capitalista a fim de parar a produção juntamente com o Grupo Revolucionário 29 de Fevereiro. Após isso, os que conseguiram fugir se reuniram na praça para queimar meu antigo notebook e meu smartphone em homenagem à deusa e tomar chá verde enquanto me penitenciei por anos de servidão tecnológica.

17h
Vistoria pelas ruas da região para verificar a existência de adultos e crianças em situação de rua e usuário de psicoativos com o objetivo de convida-los a dormir em casa, dividindo a esteira de palha e o chão batido e entregando a própria meia para aquecê-los, caso seja necessário. Para quê política pública? É só apertar que cabe mais um.

18h
A pomba retorna machucada e desorientada – ao que tudo indica algum troll a alvejou com uma arma de chumbinho. Tempo para curar as feridas da pomba. Blog ficará sem atualização hoje.

20h
Ida ao Posto 22, na rodovia Régis Bittencourt, a fim de conseguir carona com um caminhoneiro que vá para Curitiba, onde haverá reunião de organizações da sociedade civil no dia seguinte.

22h
Tentativa de convencer o companheiro caminhoneiro a se juntar à luta falha. Sou deixado à beira da estrada com uma caixa de fósforos. Caminhada longa para Curitiba.

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