Xinga o movimento sem-teto, mas acha bonito doar cobertor na rua

Xinga o movimento sem-teto, mas acha bonito doar cobertor na rua

Leonardo Sakamoto

Toda vez que o frio chega com força à capital paulista, lembro a quantidade de imóveis que têm como inquilinos ratos e baratas, visando à especulação imobiliária, enquanto tem gente virando picolé do lado de fora. Ou pessoas que dormem – sob temperaturas de conservar sorvete napolitano – em barracos, cortiços e habitações frias e precárias.

“Tá com dó? Leva para casa!” é uma frase clássica utilizada por quem tem apenas dois neurônios – o Tico e o Teco. É proferida ad nauseam quando o tema é a dura barra enfrentada pela gente parda, fedida, drogada e prostituída que habita o burgo paulistano – locomotiva da nação, vitrine do país, orgulho bandeirante que não segue, mas é seguida e demais bobagens que floreiam discursos ufanistas caindo de velhos e me dão um enjôo pré-vômito. É só falar da necessidade de políticas específicas para evitar que o direito à propriedade oprima os outros direitos fundamentais, que reacionários vociferando abobrinhas saem babando, querendo morder.

Como já disse aqui neste espaço e repito, boa parte dos trabalhadores que entraram na linha do consumo, há poucos anos, adota com facilidade o discurso conservador. Conquistaram algo com muito suor e têm medo de perder o pouco que têm, o que é justo e compreensível. Mas isso tem consequências. Em debates sobre déficits qualitativos e quantitativos de moradia, por exemplo, quem tem pouco adota por vezes um discurso violento, que seria esperado dos grandes proprietários e não de trabalhadores. Afirmam que, se eles trabalharam duro e chegaram onde chegaram sozinhos, é injusto sem-teto, sem-terra ou indígenas consigam algo de “mão-beijada” por parte do Estado.

Ignoram que o que é defendido por esses excluídos é apenas a efetivação de seus direitos fundamentais: ou a terra que historicamente lhes pertenceu ou a garantia de que a qualidade de vida seja mais importante do que a especulação imobiliária rural ou urbana.

Você acha que apenas doar agasalhos e cobertores resolve o problema de quem está passando frio do lado de fora e que a vida vai mudar com a somatória de pequenas ações de caridade coloridas e cintilantes? Pede mais educação, mais saúde, mais segurança e, ao mesmo tempo, quer menos impostos e menos Estado? Desculpe, você é muito desinformado. Ou, pior: patético.

Não é uma responsabilidade individual minha ou sua tomar cada pessoa em situação de rua ou sem-teto pelo braço e levá-los para casa. Mas a construção participativa de saídas é um dever coletivo que tem no Estado o ator principal.

Como aqui já disse, sabe o artigo sexto da Constituição Federal que garante o direito à moradia? Então, é mentira.

Do mesmo tamanho daquela anedota contada no artigo sétimo que diz que o salário mínimo deve ser suficiente para possibilitar “moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”. Se o artigo sétimo fosse verdade, talvez pudesse ajudar o sexto a ser também.

Função social da propriedade? Por aqui, isso significa garantir que a divisão de classes sociais permaneça acentuada como é hoje. Cada um no seu lugar. Afinal de contas, viver em São Paulo é lindo – se você pagar bem por isso.

Isso contribui com a faxina social que ocorre, a conta-gotas, pelas mãos do Estado ou de agentes privados. Talvez para não melindrar o cidadãos de bem, que não gostam de mendigos mal-cobertos por doações de agasalhos ferindo o senso estético por aí, têm horror a qualquer crítica à intocabilidade da propriedade privada e querem tomar um café quentinho em seu restaurante sem serem importunados por famílias de olhos do lado de fora das vitrines.

– Minha família tem um imóvel fechado há anos sim, tá esperando o preço aumentar e não é obrigada a alugar só porque tem bêbado que não quer trabalhar.

– Quer casa fácil e eu aqui ralando que nem um louco para ter a minha…

– Um dia desses eles vão entrar com metralhadora na sua casa. Vão jogar álcool em vc e dizer que colocarão fogo! Depois te roubam tudo, levam seu carro e a policia encontra na favela que pegou fogo! Depois de um mes te assaltam na Riberto Marinho e levam teu relogio ali mesmo, naquela favela. Sabe o que? Tem que limpar mesmo……

– Eles roubam de noite e passam a tarde ali no boteco da favela tomando cerveja. Acordem!!!!!!

– Eu me mato para pagar um IPTU de 1.200,00 reais anualmente. Além de luz, telefone, TV a cabo, funcionários etc e etc… Qual desses “desvalidos” paga o que eu pago? E eles tem “tudo mais” que eu tenho. Casa de graça, Luz (Miau), TV (Miau), Metrô perto de casa, shopping etc etc e ainda quando aparecem “flagelados” ganham casa do governo e bolsa isso, bolsa aquilo, seguro desemprego, seguro “cadeia” etc… Quem é mais prejudicado no Brasil populista? EU ou eles??????????????

 

Fonte: Blog do Sakamoto

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