Xuxa, Combate ao Racismo e 4 gerações de Paquitas Brancas

Aí tu acordas, leva a filha na escola e dá uma olhada na TL do feice e te deparas com uma postagem da Winnie criticando a participação da Xuxa em uma campanha de combate ao racismo promovida pela prefeitura do Rio de Janeiro. A campanha, inicialmente, foi organizada pela Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual para promover o debate sobre a homolesbotransfobia na cidade e conta com imagens de diversas pessoas famosas usando a camiseta da campanha. Dá para ver as imagens da campanha aqui.

Por  Luka Franca, do Baderna

paquitasEUAFonte: Divulgação. A única paquita negra em algum programa da Xuxa foi Natasha Pearce nos EUA

Poderia passar despercebido, se não fosse o fato de que, no Brasil, os programas da Xuxa nunca contaram com uma paquita negra, como bem lembrou a Winnie. O questionamento sobre não haver paquitas negras em diversos programas feitos pela “Rainha dos Baixinhos” não são novos.

Em março de 2014, durante uma conversa de 2 horas no YouTube com fãs, Xuxa saiu pela tangente quando perguntada pelo assunto: “É bom você perguntar pra diretora da época”. Em outra conversa realizada com fãs no Facebook em julho do mesmo ano a apresentadora se deteve a dizer que atualmente não existem mais paquitas em seu programa.

1ªgeração-300x162Fonte: Divulgação. 1ª geração de paquitas.

A questão básica é que Xuxa é o marco de toda uma geração. Uma geração que tinha como principal referência de padrão de beleza e sucesso as assistentes da Rainha dos Baixinhos: loiras, brancas e magras. É óbvio que a falta de referência estética em programas de TV não é a única causa do processo de detonação de autoestima de crianças negras, gordas e indígenas em nosso país durante os anos 80, 90 e começo dos anos 2000. Porém, é inegável o quanto a falta de referências ajuda também a esmigalhar a autoestima de toda uma população e a construção tradicional.

Esse processo, inclusive, se refletiu na escolha de paquitas de 1995. Michele Martins passou por diversas etapas da seleção de paquitas daquele ano e em entrevista ao Mauricio Stycer, na época repórter da Folha de São Paulo, dissepaquitas1-300x240Fonte: Divulgação. 2ª geração de paquitas.

acreditar que só não havia uma paquita negra até aquele momento por falta de iniciativa das meninas negras brasileiras. Bom lembrar que Martins não estava na geração de paquitas de 1995 e esse processo de nós mesmas nos culparmos por algo que, infelizmente, não está em nossas mãos só aprofunda a perversidade do racismo para as mulheres e crianças. Passarmos pelo processo de nos culpar por não ter as “qualidades” necessárias só ajuda no processo de quebra da nossa auto-estima. Digo isso por que tal postura ignora toda uma construção histórica que se ignora as diferenças estéticas negras. Nossa representação ao longo das décadas é a do exotismo, da hiper-sexualização e desumanização.

No fim dos anos 90, teve uma seleção para escolher as novas Paquitas. Eu perguntei a minha mãe por que entre elas não havia nenhuma igual a mim. Ainda não entendia conceitos étnicos. Eu só sabia que nunca me enquadraria no padrão necessário. Aquele foi um dia realmente traumático. (Xuxa E As Paquitas: Quando Eu Descobri O Racismo!)

newgeneration-300x171Fonte: Divulgação. 3ª geração de paquitas.

acreditar que só não havia uma paquita negra até aquele momento por falta de iniciativa das meninas negras brasileiras. Bom lembrar que Martins não estava na geração de paquitas de 1995 e esse processo de nós mesmas nos culparmos por algo que, infelizmente, não está em nossas mãos só aprofunda a perversidade do racismo para as mulheres e crianças. Passarmos pelo processo de nos culpar por não ter as “qualidades” necessárias só ajuda no processo de quebra da nossa auto-estima. Digo isso por que tal postura ignora toda uma construção histórica que se ignora as diferenças estéticas negras. Nossa representação ao longo das décadas é a do exotismo, da hiper-sexualização e desumanização.

No fim dos anos 90, teve uma seleção para escolher as novas Paquitas. Eu perguntei a minha mãe por que entre elas não havia nenhuma igual a mim. Ainda não entendia conceitos étnicos. Eu só sabia que nunca me enquadraria no padrão necessário. Aquele foi um dia realmente traumático. (Xuxa E As Paquitas: Quando Eu Descobri O Racismo!)

É hipocrisia da Xuxa em dizer que é aliada da luta contra o racismo quando passou décadas reforçando um padrão de beleza excludente para o grosso das meninas do Brasil. Essa é a premissa básica. Mas sempre vem aqueles que lembram dela ter namorado Pelé e que a Adriana Bombom era paquita. Primeiro é importante lembrar o papel de subserviência ao sistema racista que Pelé protagonizou ao longo de tantos anos, além do fato de que ter um relacionamento amoroso com uma pessoa negra, indígena ou árabe não livra o indivíduo do racismo estrutural que forma a sociedade e de perpetuá-lo cotidianamente.

Sobre a Adriana Bombom. Primeiro que ela só apareceu quando Xuxa organizou o “Planeta Xuxa”. Até então já havia acontecido os programas: Xou da Xuxa, Xuxa Star, Paradão da Xuxa, Programa Xuxa, Xuxa Park e Xuxa Hits. Todos eles com a participação de assistentes de palco, todas as paquitas no mesmo padrão de beleza caucasiano que é usado para embranquecer ideologicamente o Brasil.

adrianabombom-300x169Fonte: Divulgação. 4ª geração de paquitas e Adriana Bombom com figurinos diferentes

Outra coisa importante de lembrar é que Adriana Bombom nunca foi paquita. E suas aparições no “Planeta Xuxa” seguiam justamente a toada da hipersexualização e exotismo. Aquele espaço bem garantido às mulheres negras na mídia brasileira: o de ser o maior objeto a ser consumido.

Nas raras ocasiões em que a sociedade expressa algum desejo por mulheres negras, é quase sempre pela ideia de que a mulher negra é um “sabor diferente” e “mais apimentado” de mulher. O corpo feminino negro é hipersexualizado, considerado exótico e pecaminoso. Quem nunca ouviu falar que a mulher negra tem a “cor do pecado”? Essa é a brecha que sobrou para que o racismo continue a ser imposto às mulheres negras: a dicotomia do gostoso, exótico e diferente, mas que ao mesmo tempo é proibido, impensável, pecaminoso e não serve para o matrimônio ou monogamia. (A objetificação e hipersexualização da mulher negra)

Não há como se colocar como aliada em uma luta contra a opressão, levanto em conta que não há nenhuma declaração, nenhum vestígio de reconhecimento de que ao longo de 20 anos seus programas e a forma de escolha de suas assistentes de palco ajudaram a manter o círculo vicioso do racismo estrutural brasileiro – acredito que não só brasileiro, pois na Argentina não havia paquitas negras também. É o básico de quem se pretende aliado a uma luta contra opressão estrutural e específica, reconhecer suas limitações, reconhecer seus erros, principalmente, quando tratamos de pessoas tidas como referência de opinião pública e diretamente relacionadas a construção de um imaginário coletivo junto a toda uma geração de crianças que não eram retratadas no elenco de seus programas. É por estas questões que a Xuxa se colocar como aliada da luta contra o racismo é hipócrita.

 

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