Zumbi: historiografia e imagens

Resumo

A historiografia recente sobre o Quilombo dos Palmares apresenta duas vertentes principais. A primeira é composta por historiadores marxistas e vinculados aos movimentos de militância negra. O principal historiador desta corrente foi Décio Freitas, que publicou sua obra Palmares, em 1971 no Uruguai, traduzindo-a depois, em 1973, para o português. A outra vertente provêm das universidades. Estes estudos não possuem a pretensão de narrar a história total do Quilombo, mas de investigá-lo através de recortes temáticos e cronológicos sob as mais diversas linhas interpretativas e metodológicas, numa tentativa de transpor o silêncio e a limitação impostos pela documentação. Os trabalhos mais citados por esta vertente foram o artigo do brasilianista Stuart B. Schwartz e a coletânea Liberdade por um fio, organizada por João José Reis e Flavio dos Santos Gomes.

Nestas obras estão os pressupostos que influenciaram a historiografia em fins do século XX e colaboraram para a formação da imagem atual de Zumbi e do Quilombo dos Palmares. Contudo, ainda não se conhece a fundo as circunstâncias em que esta historiografia se legitimou, quais foram os métodos de análise empregados e que documentos foram utilizados. Sendo assim, propõe-se um estudo que reconstitua os principais fundamentos e documentos desta historiografia, visando lançar luz sobre os meios que a historiografia utilizou para a construção da imagem de Zumbi, ou seja, o objetivo geral do trabalho é fornecer um mapeamento do processo de construção das imagens de Zumbi ao longo da história. Para tanto, abordou-se a ocorrência destas imagens cronologicamente na historiografia, iniciando no século XVII e encerrando em meados do século XX.

As fontes coletadas abarcam o período de existência do Quilombo no século XVII até meados do século XX, quando se publicou a obra Quilombo dos Palmares de Edison Carneiro no Brasil. Um aspecto deste corpus documental é a abrangência de temas que abarca, devido à complexidade e extensão temporal da história do Quilombo. As obras são oriundas da historiografia do período holandês, da epopéia bandeirante, da história da resistência escrava no Brasil, da literatura de viagem e de manuais de história geral do Brasil, além é claro, do resgate histórico do próprio Palmares.

O critério de seleção das fontes privilegiou as obras mais referendadas na historiografia, pois, desta forma, foi possível acompanhar quais autores foram responsáveis por alterações nesta historiografia, bem como se pode avaliar a formação de filiações entre os autores, e também verificar a ocorrência das rupturas e continuidades na imagem de Zumbi.

A periodização do trabalho foi modelada conforme estas rupturas e continuidades, que surgiram ao longo do processo historiográfico, identificando-se três períodos principais. O primeiro corresponde às obras do período colonial de 1640 a 1837, no qual não haveria ainda uma personagem denominada Zumbi e sim o título honorífico de Palmares, o que determinava que poderiam ter existido vários personagens com a designação de Zumbi. De maneira geral, o Quilombo foi caracterizado neste período como o principal inimigo da Capitania de Pernambuco após a expulsão da Holanda. O segundo período corresponde aos anos de 1838 a 1900. A fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro marca o início deste período, pois este Instituto e seus congêneres em Pernambuco e Alagoas foram responsáveis pela publicação de artigos e documentos referentes à história do Quilombo dos Palmares, prevalecendo uma imagem que anulava a importância do Quilombo para a sociedade do século XIX, referendado brevemente entre as conquistas das tropas coloniais, ou como fato pertencente às histórias dos municípios alagoanos e da própria região Nordeste.

No terceiro período vislumbrou-se as mudanças mais significativas. Zumbi foi reconhecido como o rei mais importante de Palmares, símbolo da resistência e da luta pela liberdade. Sendo que a partir de Edison Carneiro foi empregado à imagem de Zumbi o espírito da luta contra o sistema colonial. O negro quilombola surgiria na década de 1950 mais guerreiro e rebelde, em contraposição à figura de Ganga-Zumba, que teve sua imagem variando entre o traidor e o inocente que acreditara nas autoridades coloniais.

Ao longo do trabalho partiu-se desta periodização mais generalizante para o desvendamento das especificidades e particularidades da historiografia palmarina, bem como nos serviu de baliza para a estruturação dos capítulos do trabalho, pois, assim, se objetivava um mapeamento que expusesse os determinantes que operaram as rupturas e continuidades nas imagens de Zumbi.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Unesp/Franca, como parte das exigências para a obtenção do título de Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. Horacio Gutiérrez.

 

Sumário

Introdução 01
1. Zumbi dos Palmares e a historiografia colonial 22
1.1. As fontes primárias 22
1.1.1 Os autores holandeses 22
1.1.2. Os autores portugueses 27
1.2. O início da historiografia 34
1.2.1 O academicismo do século XVIII 34
1.2.2 O limiar do século XIX e os autores estrangeiros 40


2 – O Brasil Independente e “o reduto dos negros fugidos” 43
2.1. As publicações dos Institutos Históricos 43
2.1.1. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 46
2.1.2. O Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano 55
2.2. A produção paralela aos Institutos Históricos 62
2.3. As omissões dos abolicionistas 67


3 – O nascimento historiográfico de Zumbi dos Palmares 72
3.1. A colaboração dos Institutos Históricos no Período Republicano 73
3.1.1. A documentação coligida e divulgada pelos Institutos Históricos 76
3.1.2. O Instituto do Ceará 80
3.1.3. Nina Rodrigues: o mediador entre o século XIX e o XX 82
3.1.4. Os autores publicados no período de 1914 a 1930 85
3.2. Os bandeirantes a serviço de Sua Majestade 96
3.3 Os vários Zumbis do Período Republicano 99
3.4 Os Estudos Afro-brasileiros 101


Conclusão 113
Anexos 121
Anexo 1: Lista Cronológica 121
Anexo 2: Documentos referentes á personagem Zumbi dos
Palmares 126
Referência Bibliográfica: 129

 

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