Por que as lágrimas da mãe branca comovem mais?

A mãe da menina Isabella Nardoni está grávida de um menino, noticiam os jornais. Incontáveis compartilhamentos da notícia dão conta de que, tanto a breve passagem de Isabella, quanto a vida de sua mãe, Ana Carolina, jamais serão esquecidas, mesmo depois de passados oito anos da tragédia. Um novo bebê jamais ocupará o lugar da irmãzinha, mas certamente trará a essa mãe novas alegrias.

Por  Gabriela Queiroz Enviado para o Portal Geledés

Não estou menosprezando isso.

Só gostaria de fazer uma breve reflexão acerca do desprezo sofrido pelas incontáveis mães negras que perdem diariamente seus filhos de maneira brutal. Eu não tenho a pretensão de ter as respostas; pelo contrário, o que me incomoda são as perguntas. Por que seus nomes não são lembrados, suas histórias não são insistentemente contadas pela mídia, seus filhos não tem nome, tornam-se apenas estatísticas? Por que a mãe que perdeu o filho há duas semanas por uma bala perdida teve que se justificar no Fantástico porque seu filho estava brincando na rua? A culpa foi dela?

A diferença de tratamento entre uma mãe e outra corrobora um fato que não podemos aceitar: o racismo. A mãe branca da classe média que teve a filha arrancada de seus braços por alguém com sobrenome de família tradicional não foi esquecida, mesmo após oito anos. Fatos terríveis como este não são esperados desta população. Transtornos mentais, conflitos familiares, intrigas e crimes não fazem parte da vida dos “bem criados”, reza a mídia tendenciosa. “Isto são coisas dos pretos!”, acusam-nos. E assim, à mãe negra e pobre, moradora da periferia, só resta o questionamento se irá conseguir criar o outro filho, o que sobreviveu. Ela terá esse direito?

E quantas outras mães, sem nome, sem rosto, sem história, que tem em comum a pele escura, não chegam ao nosso conhecimento? Quantas mães choram tentando provar que seus filhos não eram bandidos, eram estudantes, estavam apenas voltando para a casa quando foram alvejados?

São tantas as histórias tristes das minhas pares, que eu poderia passar horas lhes contando algumas. Entretanto, o que dará mais audiência nesse momento, é a escolha do nome do irmão da Isabella.

+ sobre o tema

Eventos promovem feminismo negro com rodas de samba e de conversa

"Empoderadas do Samba" ocupa espaço ainda prioritariamente masculino e...

Dandara: ficção ou realidade?

Vira e mexe, reacende a polêmica sobre a existência...

Michelle Obama está farta de ser chamada “mulher revoltada de raça negra”

“Uma mulher revoltada de raça negra”. Michelle Obama está...

A banalização da vida diante da cultura do abandono e da morte

O ano de 2017 expondo as vísceras da cultura...

para lembrar

Mortalidade materna de mulheres negras é o dobro da de brancas, mostra estudo da Saúde

Assim como outros indicadores de saúde, a mortalidade materna é...

Presidenta Dilma Rousseff recebe lideranças do Movimento Negro

Educação, saúde, democratização da comunicação e enfrentamento à violência...

Ilê Aiyê promove a Semana da Mãe Preta em homenagem à mulher negra

A Associação Cultural Ilê Aiyê promove a partir da...

Para ministra, igualdade racial deve ser vista como questão estratégica

  A ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da...
spot_imgspot_img

Ela me largou

Dia de feira. Feita a pesquisa simbólica de preços, compraria nas bancas costumeiras. Escolhi as raríssimas que tinham mulheres negras trabalhando, depois as de...

“Dispositivo de Racialidade”: O trabalho imensurável de Sueli Carneiro

Sueli Carneiro é um nome que deveria dispensar apresentações. Filósofa e ativista do movimento negro — tendo cofundado o Geledés – Instituto da Mulher Negra,...

Comida mofada e banana de presente: diretora de escola denuncia caso de racismo após colegas pedirem saída dela sem justificativa em MG

Gladys Roberta Silva Evangelista alega ter sido vítima de racismo na escola municipal onde atua como diretora, em Uberaba. Segundo a servidora, ela está...
-+=