Coordenação de Políticas para a População Negra e Indígena
A Coordenação de Políticas para a População Negra e Indígena do Estado de São Paulo foi criada em 2009, tendo como principal atribuição defender os direitos da população negra, indígena e quilombola.
Além de assessorar a Secretária no assunto específico, a Coordenação deve, segundo o Decreto de sua criação, “promover, elaborar, coordenar, desenvolver e acompanhar programas, projetos e atividades, com vista, em especial, à efetiva atuação em favor do respeito à dignidade da pessoa humana, de afrodescendentes e grupos étnica e historicamente vulneráveis, como comunidades tradicionais de terreiros, quilombolas e indígenas”.
Cabe ainda a esta Coordenação realizar estudos, pesquisas, cursos, conferências e campanhas relacionadas à igualdade racial, bem como elaborar sugestões e aperfeiçoamento da legislação vigente, além de servir de suporte para órgãos do Estado e da sociedade civil.
Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania
É o órgão do Governo do Estado de São Paulo que mantém as relações institucionais com o Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e entidades ligadas à justiça, cidadania e direitos humanos. Coordena, no âmbito estadual, a aplicação de medidas socioeducativas, a defesa dos direitos dos consumidores, acesso à medicina social e de criminologia, questões fundiárias, acesso à justiça e promoção da cidadania.
Tem como missão promover os direitos humanos e fortalecer a cidadania, oferecendo suporte referencial à população, às ações estratégicas e aos programas do Governo do Estado de São Paulo. Entende que deve aprimorar o desenvolvimento dos projetos e programas ligados à promoção dos direitos humanos e cidadania, promovendo o acesso à justiça igualitária como direito primordial do ser humano com fundamento no Programa Estadual de Direitos Humanos.
Um dos objetivos da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania é promover a eliminação do preconceito que discrimina as vítimas e inibe denúncias.
O SEMINÁRIO
O 1º Seminário da Lei nº 14.187 de 2010, que pune administrativamente práticas de discriminação racial no Estado de São Paulo, foi promovido no dia 19 de julho de 2011 pela Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, por meio da Coordenação de Políticas para a População Negra e Indígena – CPPNI.
O seminário se insere nas atividades do projeto São Paulo contra Racismo e do Ano Internacional do Afrodescendente e foi realizado em parceria com a Comissão Processante, responsável pelo julgamento das denúncias de discriminação no âmbito da Lei nº. 14.187/2010.
O objetivo do seminário foi realizar um balanço do primeiro ano de vigência da Lei n.º 14.187/2010 por operadores do direito como: juízes, advogados, defensores públicos e promotores.
O evento ocorreu na Secretaria de Justiça, no Espaço da Cidadania André Franco Montoro e foi também uma oportunidade de ampliar a discussão e o conhecimento da lei. Reuniu representantes da sociedade civil, das comunidades judaica, indígena e também de órgãos e entidades públicas.
De modo a estender o alcance da avaliação realizada durante o seminário sobre o primeiro ano de vigência do dispositivo legal, a Coordenação de Políticas para a População Negra e Indígena considerou estratégico editar o evento e produzir o presente documento. A cronologia das falas foi mantida, com algumas exceções, para que o leitor possa acompanhar o dinamismo do debate. A fala dos participantes foi mantida fiel em seu conteúdo, apenas foram editadas as expressões coloquiais e/ou repetições e foram acrescentadas informações, em destaque, para elucidar termos específicos e auxiliar a leitura das pessoas que não tenham familiaridade com o tema.
BOX: A LEI 14187/2010
A Lei 14.187, de 19 de julho de 2010, pune todo ato discriminatório por motivo de raça ou cor praticado no Estado por qualquer pessoa, jurídica ou física, e também aquelas que exerçam função pública. A lei visa impedir atos de discriminação e garantir que as leis de combate ao racismo no Estado de São Paulo sejam implementadas de maneira rápida e descentralizada, utilizando para isso convênios com Municípios, a Assembleia Legislativa e Câmaras Municipais. A lei 14187/2010 prevê sanções como advertência, cassação de licença para funcionamento de estabelecimentos comerciais, bem como de multas que podem chegar até três mil Unidades Fiscais do Estado de S. Paulo (UFESP). No ano de 2011, o valor de cada unidade é de R$ 17,45 (dezessete reais e quarenta e cinco centavos).
BOX: SÃO PAULO CONTRA O RACISMO
No dia 21 de março de 2010, Dia Internacional de Luta contra a Discriminação Racial, declarado pela ONU, foi lançado pelo Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o projeto “São Paulo contra o Racismo”. O Programa está ligado à Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo.
Fazem parte do Programa a lei 14187/2010 e os Decretos 48328 de 2003 e 49602 de 2005, que criaram o Sistema de Pontuação Acrescida para afrodescendentes egressos do ensino publico para Escola Técnica Estadual (ETEC), Faculdade de Tecnologia (Fatec) e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O Programa também prevê ações na saúde como atenção a doenças ligadas a questões étnicas como a anemia falciforme hipertensão arterial. No dia de seu lançamento, o Programa assinou Termo de Cooperação Técnica com a Fundação Procon-SP, além de um Protocolo de intenções para a adoção de medidas práticas de combate ao racismo com as Secretarias de Educação; Esportes; Cultura; Desenvolvimento Social, Meio Ambiente, Trabalho, Segurança Pública e Justiça. Também foram assinados termos de compromissos com as prefeituras que aderiram ao Programa.
BOX: 21 DE Março – Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial
Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1969, para lembrar o “Massacre de Shaperville”, na África do Sul, quando em 1960, durante o regime de apartheid, a polícia matou 69 pessoas e feriu mais de 186, entre mulheres, homens e crianças, que participavam de protesto pacífico contra a obrigação de circularem com cartões de identificação que estabeleciam locais onde podiam freqüentar.
BOX: 2011 – Ano Internacional do Afrodescendente
A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou 2011 como o Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes. A iniciativa tem por objetivo fortalecer ações nacionais e a cooperação internacional e regional pela erradicação da discriminação à descendentes de africanos. O Ano também quer aumentar a consciência dos desafios que as pessoas de ascendência africana enfrentam, além de promover maior conhecimento e respeito pela sua herança cultural. A homenagem visa promover iniciativas que assegurem às pessoas de ascendência africana gozar de seus direitos econômicos, culturais, sociais, civis e políticos.
OS SEMINARISTAS – QUEM É QUEM
Os participantes estão apresentados na ordem em que participaram das mesas:
Dr. Antônio Carlos Arruda da Silva – Coordenador Estadual de Políticas para a População Negra e Indígena (CPPNI)
Dra. Luiza Barros Roza – Juíza e representante da Associação de Juízes para Democracia (AJD)
Dr. Eduardo Dias de Souza Ferreira – Promotor do Ministério Público do Estado de São Paulo
Dr. Eduardo Pereira Silva – Presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
Dr. Clério Rodrigues – Procurador do Estado de São Paulo e Presidente da Comissão Processante da Lei 14.187/10
Dra. Maria Silvia Oliveira – Representante do Departamento Jurídico do Instituto do Negro Padre Batista
Dra. Déborah Kelly Affonso – Promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo
Dra.Tatiana Belons – Defensora Pública – Representante da Defensoria Pública de São Paulo
Dr. Adilson Paulo P. Amaral Filho – Procurador da República do Ministério Público Federal
ABERTURA
Dr. Antônio Carlos Arruda da Silva – Coordenador da CPPNI
Dra. Luiza Barros Roza – Juíza e representante da AJD
Dr. Eduardo Pereira da Silva – Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB
Dr. Eduardo de Souza Ferreira – Promotor do Ministério Público Estadual
Dr. Antônio Carlos Arruda da Silva – Coordenador da Coordenação de Políticas para a População Negra e Indígena
Sejam bem vindos, em nome da Secretária de Justiça e Defesa da Cidadania, Dra. Eloisa de Sousa Arruda e do Secretario Adjunto Luiz Daniel, pediram desculpas pelas ausências que foram motivadas por agenda com o Governador do Estado e por problemas pessoais. Este encontro tem por objetivo analisar e avaliar o primeiro ano da lei 14187 de 2010. O fato de marcarmos um diálogo com a abordagem desta lei é muito interessante e também oportuno, visto que marca o primeiro ano de uma norma nova de enfrentamento aos crimes de discriminação racial. Uma lei pioneira do Estado de São Paulo e que nos parece já de bastante sucesso. O Estado de São Paulo desde a Constituição de 1988 busca maneiras de fazer o enfrentamento das questões de discriminação nas suas diversas manifestações. E o Estado, por meio da Secretaria da Justiça e de Defesa da Cidadania tem se destacado pelo trabalho com diversos segmentos historicamente discriminados da cidadania paulista e brasileira.
Aproveito para cumprimentar as pessoas que me acompanham nesta mesa, a Dra. Luíza Barros Roza, Juíza de Direito, representando a Associação Juízes para Democracia, o Promotor de Justiça que tem feito um trabalho muito interessante no Ministério Publico Estadual no enfrentamento das questões de discriminação, Dr. Eduardo Dias de Souza Bezerra, e um companheiro de jornadas no combate à discriminação racial, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB e meu amigo, Dr. Eduardo Pereira da Silva.
Dra. Eloisa Barros Roza – Juíza e representante da Associação de Juízes para Democracia
Agradeço em nome da Associação Juízes pela Democracia o convite para participar deste seminário e quero ressaltar a importância da data que marca o primeiro ano da lei 14187. O debate sobre a questão racial é fundamental para a consolidação do regime democrático, sendo necessário que o Poder Judiciário, como guardião dos direitos fundamentais, se mostre presente. A lei estadual 14187 estabelece penalidades administrativas para atos de discriminação racial, uma lei que possui elementos muito interessantes porque cria um âmbito administrativo de intervenção dentro da Secretaria de Justiça que inicialmente não existia. Visa também proteger pessoas que são empregadas dentro da própria administração pública; busca responsabilizar o empregador pelos atos de seus prepostos.
A lei surgiu no contexto das recomendações da Organização dos Estados Americanos (OEA), em razão da condenação do Brasil no caso Simone André Diniz. Um caso bastante emblemático de racismo institucional que consiste na denúncia de um crime que não foi levada adiante, haja vista ter sido o processo arquivado.
A lei estadual faz parte deste contexto, porque o caso aconteceu aqui em São Paulo, foi publicado um anúncio de emprego no jornal, bastante discriminatório, que fazia exigência de que a pessoa que seria empregada tivesse cor branca. Dentre as diversas recomendações ao Estado brasileiro, a OEA recomendou reparar plenamente a vitima Simone Diniz, considerando tanto o aspecto moral como material pelas violações de direitos humanos determinadas no relatório de mérito; reconhecer publicamente a responsabilidade internacional por violação de direitos humanos de Simone Diniz; conceder apoio financeiro à vitima para que a mesma possa iniciar e concluir curso superior; estabelecer um valor pecuniário a título de indenização por danos morais; realizar modificações legislativas e administrativas necessárias para efetivação da lei antirracismo e, neste tópico, considero que esta lei estadual, a 14187 se enquadra nesta recomendação.
Porque esta lei tem um caráter pedagógico muito importante de difusão de uma cultura antidiscriminatória e representa um compromisso do Estado na ordem internacional de combate ao racismo no Ano Internacional dos Afrodescendentes. Outras recomendações feitas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos foram a realização de investigação completa, imparcial e efetiva dos fatos com o objetivo de estabelecer e sancionar as responsabilidades; adotar e instrumentalizar medidas de educação de funcionários da polícia e da justiça, a fim de evitar ações que impliquem em discriminação; promover encontro com organismos da imprensa brasileira; organizar seminários como este; solicitar aos governos estaduais a criação de delegacias especializadas em investigação de crimes de racismo; solicitar aos Ministérios Públicos Estaduais a criação de promotorias públicas especializadas e promover campanhas publicitárias contra a discriminação racial.
Portanto, a lei tem este aspecto importante de ter criado um âmbito de intervenção administrativa que não existia, foram firmados convênios com 47 municípios para encaminhamento de denúncias para a Secretaria de Justiça, que deverá acompanhar os boletins de ocorrências e inquéritos policiais que forem feitos.
Dra Eloisa Barros Roza fez as seguintes recomendações:
– ampliação da divulgação da lei e dos convênios com os municípios para o encaminhamento de denuncias à Secretaria de Justiça;
– realização de cursos de formação, porque a polícia e o Poder Judiciário devem estar preparados para o enfrentamento desta questão;
– ampliar o acesso da população negra a programas de distribuição de renda;
– aplicar uma das orientações do projeto São Paulo Contra o Racismo, que é a distribuição pelo PROCON de um manual educativo sobre a questão;
– estabelecimento da disciplina de educação e cultura africana e afrobrasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio.
BOX: CASO SIMONE DINIZ
O jornal Folha de São Paulo publicou no dia 02 de março de 1997 o seguinte anuncio de emprego: “Doméstica. Lar. P/ morar no empr. C/ exp. Toda rotina, cuidar de crianças, c/docum. e ref.; Pref. Branca, s/filhos, solteira, maior de 21a. Gisele”. Simone André Diniz se candidata à vaga e confirma que pelo fato de ser negra não preenchia os requisitos. Denunciou o caso à Subcomissão do Negro da OAB-SP e na Delegacia de Crimes Raciais, que instaurou Inquérito Policial. O caso teve como trâmite final seu arquivamento pelo Ministério Público, que considerou não existência da prática de racismo, sendo o caso arquivado. O caso foi encaminhado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que em 03 de março de 2007 publica sua recomendação de mérito, em que recomenda uma série de medidas reparadoras ao Estado brasileiro, a fim de que se sanem as violações sofridas pela vítima e se garanta a não repetição dessas violações.
Dr. Eduardo Pereira da Silva – Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-SP
Este espaço e esta lei são uma vitória que vem de encontro aos nossos anseios, com São Paulo sempre na vanguarda e a frente da maioria dos estados da federação. A campanha São Paulo contra o Racismo vem surtindo efeitos muito positivos não só no caráter das denúncias que vem surgindo, mas sim pela conscientização do povo negro com relação aos seus direitos e sua posição na sociedade. Nós somos iguais em direitos e obrigações e devemos ser tratados de forma igual nos direitos e obrigações naturalmente.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) como casa da cidadania tem se colocado à disposição desta Casa, na pessoa do Dr. Antonio Carlos. Buscamos viabilizar o fechamento de um convênio em que todas as subseções da OAB/SP, todas as casas do advogado sejam receptoras de denúncias. O que queremos é facilitar o atendimento ao vitimado das questões raciais, nós queremos aproximar o órgão receptor do vitimado para que no momento em que ele sofra a transgressão dos seus direitos, em função da sua condição étnica e racial, exista um órgão receptor que apure os fatos, transforme aquilo em um procedimento sumário e repasse para a Secretaria apurar a viabilidade da aplicação desta lei e de tantas outras que estão por chegar.
Temos que ressaltar a ação do governo, a coragem do Arruda, a presença da Magistratura e do Ministério Público, além de entidades preocupadas com estas questões e anseios da população negra em banir de uma vez por todas a discriminação racial.
O racismo está muito enraizado na cultura do povo brasileiro, nós que estamos engajados nesta questão enxergamos avanços, mas são tão lentos e pequenos que dentro deste cenário de 380 anos de escravização e 123 anos de uma abolição, eu vou utilizar uma expressão da Dra. Eunice Prudente “abolição de quê, se não houve um processo de inclusão social, se não houve um processo de capacitação profissional, se não houve a guarida do negro até então escravizado para se transformar em um verdadeiro cidadão detentor de seus direitos.” Ao contrário, houve uma tentativa de embranquecimento da sociedade, de banir o negro do Brasil, dificultando e criando normas. Acho o delito de vadiagem uma afronta ao povo negro porque nós éramos realmente os réus nestes processos.
BOX: CRIME DE VADIAGEM
O Crime de Vadiagem estava previsto no Código Criminal do Império de 1930, que no artigo 295 o descrevia como aquele cometido nas hipóteses em que “não tomar qualquer pessoa uma ocupação honesta e útil de que possa subsistir, depois de advertida pelo juiz de paz, não tendo renda suficiente”. Atualmente está prevista na Lei das Contravenções Penais:
Art. 59 – Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita:
Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses;
Parágrafo único – A aquisição superveniente de renda, que assegure ao condenado meios bastantes de subsistência, extingue a pena.”
É um processo lento, mas nós não temos duvida de que atingiremos nossos objetivos, temos outros avanços como o Estatuto da Igualdade Racial, que amanhã fará um ano e com o qual estamos preocupados sobre seus avanços para a sociedade afro-brasileira, assim como os que esta lei estadual nos trouxe aqui em São Paulo, e este encontro permitirá um panorama estatístico da aplicabilidade desta lei.
BOX: ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL
O Estatuto da Igualdade Racial foi promulgado em 20 de julho de 2010, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. O Estatuto contém programas de ação afirmativa que visam à inclusão das vítimas de desigualdade etnicorracial, tendo por compromisso reparar as distorções e desigualdades sociais e demais práticas discriminatórias adotadas nas esferas pública e privada, durante o processo de formação social do País.
Nós, através da Comissão da Igualdade Racial e da Ordem dos Advogados do Brasil, estamos engajados nestas questões não só como instituição, mas como Casa da Cidadania, o que nós queremos é ajudar e de pronto assistir o banimento destas questões junto da nossa sociedade. Mais uma vez parabenizo esta Coordenação e a Secretaria da Justiça pelas ações e avanços que estão desenvolvendo.
Dr. Eduardo Dias de Souza Ferreira – Promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo.
Como todo movimento de direitos humanos, nós do Ministério Público vamos construindo a cada dia e em todas as gestões, especialmente nas gestões dos últimos 12 anos e o passo maior foi converter os grupos de atuação especial, de temas como idoso, pessoa com deficiência, de saúde publica e o mais recente de inclusão social, em uma única Promotoria de Direitos Humanos, ou seja, fundir as promotorias de forma a contribuir com o diálogo dos diversos temas. A lei nº 10639 de 2003 que alterou a LDB e incluiu a educação afro no currículo contribuiu com a criação de um grupo só para pensar a questão da educação como um todo, porque também ficava solta a discussão da educação de jovens e adultos e especialmente a questão das cotas e de acesso ao ensino superior.
Na área criminal, tem aumentado os dados de denúncias no estado todo na questão dos delitos raciais, que no aspecto da legislação é uma colcha de retalhos. Primeiro veio a lei CAÓ (7716/89), que regulamenta o princípio constitucional para combater o racismo, substituindo a Lei de Contravenções; depois houve uma alteração no Código Penal criando a injúria qualificada e mais recentemente alterando a questão da representação e, atualmente, o Estatuto da Igualdade Racial sobre o qual temos poucas informações. Não há nenhum comentário no mundo editorial, que ao que parece não se preocupa ainda com isso.
Temos uma nova representação em relação a São Paulo Fashion Week, a Educafro argumenta que passado o prazo inicial, se imaginou que a partir dali naturalmente as pessoas fossem cumprindo o acordo, mas não cumpriram. Este ano somente uma modelo negra foi contratada e fez vários desfiles e os negros voltaram a participar como sempre participaram: na montagem, limpeza e desmontagem. E não durante o evento, em cima das passarelas.
BOX: SÃO PAULO FASHION WEEK (SPFW)
No ano de 2009 o Ministério Público Estadual firmou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a São Paulo Fashion Week, maior evento de moda do País, que previa cota de 10% de negros nos desfiles. O descumprimento acarretaria multa em até R$ 250 mil à SPFW. O TAC tinha validade de dois anos e expirou em maio de 2011.
BOX: EDUCAFRO
A Educafro é uma rede de pré vestibulares comunitários, que tem por missão promover a inclusão da população negra (em especial) e pobre (em geral), nas universidades públicas e particulares com bolsa de estudos, através do serviço de seus voluntários/as nos núcleos de pré-vestibular comunitários. A Educafro luta para que o Estado cumpra suas obrigações, através de políticas públicas e ações afirmativas na educação, voltadas para negros e pobres, promoção da diversidade étnica no mercado de trabalho, defesa dos direitos humanos, combate ao racismo e a todas as formas de discriminação.
Temos novas perspectivas com esta lei estadual que cria um núcleo que venha a responder às recomendações da Comissão Interamericana no caso Simone Diniz, que traz recomendações expressas como indenização. Uma Comissão da Secretaria de Justiça elaborou projeto de indenização à Simone Diniz, que tramitou na Assembleia Legislativa e foi aprovado no período de três meses. Há ainda recomendação da Corte Interamericana para capacitação e iniciação de ensino superior, que dependem da vontade de Simone Diniz que tem se mostrado resistente a isso por ter outras perspectivas de vida.
Outra recomendação ao sistema de justiça foi a criação de promotorias especializadas e temos que responder ao Conselho Nacional dos Ministérios Públicos que tem cobrado isso dos MPs de todo o Brasil. Em São Paulo vivemos uma situação muito distinta porque o Estado é do tamanho do Chile, só na capital alguns foros regionais tem a população que alguns países, estados ou capitais não tem. Há regiões como Ermelino Matarazzo e Itaquera que contam com mais de 4 milhões de habitantes. A cidade tem mais de 10 milhões de habitantes, a região metropolitana chega a quase 17 milhões de habitantes. Se colocarmos uma única promotoria cuidando de todos os casos de discriminação racial é a mesma coisa que dizer que o Ministério Público não está fazendo nada e desonerar os demais colegas dessa atividade.
Então vamos realizar a formação de promotores, de forma que eles enxerguem essa realidade. Na capital a promotoria de direitos humanos está focada neste tema e isso passa também pelo sistema de administração da justiça, que na visão de várias pessoas é complicado e precisa de aprimoramento. Na Barra Funda há uma concentração de vários delitos, e há fóruns regionais para tratar de delitos de pequeno potencial ofensivo apenados com detenção. Da maneira como está, se quisermos conversar com um membro do Judiciário ou do Ministério Público sobre a segurança e a política criminal em determinado bairro de São Paulo, teremos que reunir pelo menos 5 grupos de promotores e juízes: na Barra Funda são 6 promotorias e 120 promotores com atuação em toda a área territorial; os promotores e juízes de Piratininga que cuidam dos infratores; promotores e juízes da justiça militar; os promotores de fórum regional e; os promotores do júri. Estes grupos de promotores e juízes cuidam da questão da violência setorizada, para questões de adolescentes, crimes de pequeno potencial, não apenados em reclusão, crimes contra vida e crimes praticados por militar estadual, estando fora a justiça militar federal e os crimes federais.
A dinâmica de São Paulo necessita de uma estrutura de justiça na capital. A dinâmica de trabalho com este tema racial é uma no interior do Estado e outra na capital, de forma que no interior do Estado você identifica o responsável pela atuação e ele tem uma abrangência na comarca. Na capital nós temos a diluição da atuação, fazendo com que tenhamos a necessidade de um promotor para cada região da cidade de São Paulo, dando resposta à comunidade daquela região, para criar uma aderência da atividade jurisdicional de cada Ministério Público em cada comunidade e realidade. São ‘muitas São Paulo’ e sua diversidade trouxe a necessidade de dialogarmos com o Conselho Nacional das Promotorias, com a Promotoria de Inclusão e fizemos uma atuação integrada com os promotores criminais para dar resposta às questões raciais.
Considero que esta lei estadual provocou uma revolução, visto os números dos casos que em 2009 eram 9, em 2010 foram 70 casos. A OAB é uma parceira prioritária e devemos ressaltar também a importância da perspectiva de parceria com o INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, assim como a abrangência da lei nas relações de consumo tornou imprescindível que o PROCON, por sua tradição, devesse ser acionado como parceiro.
Faço recomendações de ações no âmbito interno da administração estadual:
– haja a criação, como existe na administração pública federal, de uma escola de administração estadual, que forme os funcionários estaduais permanentemente como existem a Escola de Administração Fazendária (ESAF) ligada ao Ministério da Fazenda, e a Escola de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas, que tenha cursos para todos os escalões do executivo e oxalá a magistratura também trilhe neste sentido. A legislação racial já cai nos concursos federais, existe hoje um núcleo nos concursos só da área de direitos humanos. Na formação interna dos funcionários do Ministério Público também existe essa preocupação de passar a exigência da própria lei e as recomendações da OEA.
– fortalecimento dos conselhos, que passam por momento de transição, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CONDEPH) e o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra (CPDCN) e todos os demais precisam ser descentralizados, há necessidade de conselhos regionais e que nas grandes cidades, com mais de 80 mil habitantes tenham conselhos municipais. O fortalecimento dos conselhos despersonaliza a defesa, é uma forma de preservação do indivíduo, para que não haja desmoralização da pessoa e de sua obra.
– cobrar o Ministério Público para que apresente balanços e mostre o que vem fazendo. No próximo semestre, o Ministério Público fará formação sobre afrodescendentes, além de outros temas.
MESA TÉCNICA DO PRIMEIRO PAINEL DA LEI 14.187/2010
Dr. Antonio Carlos Arruda da Silva – Coordenador da CPPNI
Dr. Clério Rodrigues – Procurador do Estado, presidente da Comissão Processante da Lei 14.187/2010
Dra. Maria Silvia Oliveira – Representante do Departamento Jurídico do Instituto do Negro Padre Batista.
Antonio Carlos Arruda – Coordenador da CPPNI
Agradeço a presença e cumprimento pelo excelente trabalho a equipe jurídica do Instituto Negro Padre Batista, assim como os representantes das entidades negras aqui presentes e os diversos operadores de direito que atuam na defesa da temática racial. Nós sabemos a importância deste trabalho, e também outras pessoas que se somam a esse esforço atuando com a questão indígena e com a questão cigana.
Nesses 12 meses de vigência da lei, nós temos 68 denuncias. Alguns dizem que é muita coisa e outros dizem que é quase nada. Mas temos 68 casos em 12 meses: 37 na capital, 11 na região metropolitana de SP e temos 20 casos no interior. Dentre os 68 casos, um caso de discriminação contra nordestino e um relato de caso de discriminação contra cigano.
Considerando que a lei foi muito pouco divulgada, são muitos os casos registrados, particularmente pelos 38 casos na região metropolitana, local mais desenvolvido do país, estando São Paulo entre as 5 maiores metrópoles do mundo. As denúncias são recebidas e encaminhadas ao Ministério Público através de uma Comissão Processante implantada pela Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania para apurar os casos de discriminação. Antes dessa lei, quando as denúncias eram feitas exclusivamente em fóruns e delegacias, menos de 10 casos eram registrados na Coordenação.
Respondendo a algumas das recomendações apresentadas na mesa anterior, aproveito para informar que o Estado de São Paulo já mantem convênio para recebimento de denuncias de racismo com a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor, Fundação PROCON e, com o Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo (IMESC). Todos os postos do PROCON de SP recebem casos de denúncia de racismo e realizam curso de humanização de seus servidores e a Coordenadoria trabalha neste curso com a temática racial para que tenham um atendimento voltado para a aplicação da Lei 14187.
Sobre o IMESC, a instituição vem desenvolvendo um trabalho muito interessante, mas deseja que seus servidores tenham uma atenção específica à questão racial, principalmente pela delicadeza do tema com o qual o IMESC atua, é necessária uma percepção da situação.
A Coordenadoria está conversando com o Instituto de Pesos e Medidas do Estado de São Paulo (IPEM), para efetivação de convênio e alguns representantes do instituto participaram do seminário. O IPEM tem um serviço regionalizado em 16 pontos e cada gerente será capacitado no mês de setembro para compreensão da Lei 14187, e todos seus técnicos – metrologistas – também serão preparados para aturarem com a Lei 14187.
A OAB SP também está dialogando com a Coordenadoria através da Comissão de Combate a Discriminação Racial e há ainda o dialogo com o trabalho realizado pela Comissão de Combate a Intolerância Religiosa, que será uma parceria importante pela sua capilaridade, pois dialoga com pessoas de diversas denominações religiosas.
Há também convênios com as prefeituras, no lançamento da Campanha São Paulo Contra o Racismo, em 21 de março de 2010, foram firmados convênios com 47 prefeituras e atualmente estão sendo conveniados mais 43 municípios, totalizando nas próximas semanas 90 cidades interessadas e atuando com a Lei 14187. Em todos estes municípios, também serão realizados treinamentos dos funcionários do PROCON e a próxima turma terá inicio em 20 de julho.
Terá inicio em 9 de agosto, a segunda fase do convênio com a Academia de Policia Dr. Coriolano Nogueira Cobra-ACADEPOL, para formação de policiais civis para enfrentamento do racismo. A formação busca preparar os policiais para as questões de discriminação racial e étnica. Todos os policiais militares formados nas escolas da Acadepol no ano de 2011, de soldados a oficiais, já passaram pelo treinamento, que incorporou a Lei 14187. Foram mais de onze mil militares formados no primeiro semestre de 2011.
Outra estratégia que está sendo adotada é a ampliação do conhecimento da Lei para operadores do direito, como a Defensoria Pública, a Associação dos Advogados do Estado de São Paulo, a Associação Juízes para a Democracia, o Ministério Público Democrático, as Escolas Superiores do Ministério Público e da Magistratura, Universidades. Um trabalho que desenvolveremos ao longo do segundo semestre será a produção de folhetos para a divulgação da Lei 14187 em âmbito estadual, eles serão distribuídos nos espaços de atuação de operadores de direito e nos espaços de atendimento público. Os folhetos trarão explicações sobre a lei e ressaltarão a sua importância.
A expectativa da Coordenação, com a execução de todas estas iniciativas, é que haja aumento de denúncias de crimes motivados por discriminação étnica e racial em relação à Lei 14187, e que as parcerias que estão sendo realizadas resultem na triplicação do número de denúncias para o próximo ano.
Dr. Clério Rodrigues Procurador do Estado e Presidente da Comissão Processante da Lei 14187.
Após a criação da Lei, em 2010, foi editado um decreto e a partir daí houve a criação da Comissão Processante da Lei. Como procurador, atuo na Procuradoria do Patrimônio Imobiliário, representando o Estado de São Paulo em ações ambientais, e estou como Presidente da Comissão desde o início.
Os membros da Comissão executam os trabalhos conjuntamente com suas atividades na Secretaria de Justiça. Nenhum servidor foi cedido para trabalhar exclusivamente na Comissão, que conta com cinco membros para recebimento de denuncias: Dra. Patrícia Urso Bizarro, Procuradora do Estado e Diretora da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado; Dra. Marilide Dias do Amaral Chaves, vice-diretora da Escola Superior da Procuradoria do Estado; Adriano Franco Feitosa, da Assessoria de Defesa da Cidadania; e Ilda Maria de Lima Porto, da Comissão Anti Homofobia.
A Comissão recebe denúncias de todo o Estado e há proposta de criação de comissões processantes regionais para descentralização dos processos administrativos. Há certa dificuldade das pessoas virem para a Comissão para as audiências, ou para trazerem as testemunhas para serem ouvidas na Secretaria de Justiça, então estamos pensando em convenio da Coordenação da Comissão com a Procuradoria Geral do Estado para que as procuradorias regionais façam a instrução dos processos (ouçam as testemunhas) e depois encaminhem para a Comissão, descentralizando assim a instrução do processo administrativo, para evitar que as testemunhas e vítimas de municípios distantes tenham que vir para a capital. O mesmo procedimento já foi realizado pela Comissão de Combate à Homofobia.
A lei 14187 é mais um instrumento legal de combate a discriminação racial. Temos outros e a Constituição Federal determina que racismo é crime inafiançável, o que permite às vitimas a solicitação de instauração de inquérito policial, ao Ministério Público e Defensoria Pública oferecerem a denúncia. Há também a possibilidade de ação civil com solicitação de indenização material e moral pelo sofrimento que a pessoa teve em relação a discriminação.
Outro tipo de sanção é de caráter disciplinar, na qual se enquadra a lei 14187, que se o transgressor for servidor público pode sofrer processo e sanção disciplinar. Esta lei permite uma penalidade administrativa, que pode ser uma sanção leve de advertência, pecuniária com multa de ate 1000 UFESPs (R$ 17,40 atualmente). Para situações ocorridas em estabelecimentos comerciais, a lei prevê a suspensão da licença estadual para funcionamento por 30 dias e a cassação da licença estadual para funcionamento. Até o momento a Comissão não aplicou este tipo de pena porque os processos estão em andamento, mas a Comissão de Diversidade Sexual e Combate a Homofobia já aplicou algumas sanções, inclusive pecuniárias e as multas estão sendo executadas pela Procuradoria Geral do Estado.
BOX: Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo
Criada em 2009, a Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo tem como principal atribuição defender os direitos da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. O órgão também promove, elabora, coordena, desenvolve e acompanha programas, projetos e atividades destinadas à promoção da cidadania LGBT e ao respeito à orientação sexual e identidade de gênero de cada cidadão.
BOX: Lei estadual nº 10948/2001 Decretada em 05 de novembro de 2001, dispõe sobre as penalidades a serem aplicadas à prática de discriminação em razão de orientação sexual. Pune toda manifestação atentatória ou discriminatória praticada contra cidadão homossexual, bissexual ou transgênero. Considera um rol de atos atentatórios e discriminatórios dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos homossexuais, bissexuais ou transgêneros. Pune o cidadão, inclusive os detentores de função pública, civil ou militar, e toda organização social ou empresa, com ou sem fins lucrativos, de caráter privado ou público, instaladas neste Estado, que intentarem contra o que dispõe esta lei. Toda prática dos atos discriminatórios a que se refere esta lei é apurada em processo administrativo, não havendo processo criminal;
Há divergências sobre o destino da multa, se vai para um fundo ou para vítima. A multa não tem caráter indenizatório e não deve ser confundida com a indenização pleiteada no judiciário. A multa não pode inviabilizar uma indenização por dano moral pelo Judiciário, que pode entender que a vitima já foi indenizada. Atualmente as indenizações por dano moral, ajuizadas pelo Judiciário, tem sido modestas, com valores muito baixos, não indenizando o dano moral sofrido pela vítima para conduzir uma ação em juízo. Acredito que as indenizações decorrentes de discriminação racial tenham o mesmo caminho, cabendo ao advogado demonstrar o dano e dizer que a indenização seja considerada como pena, para que o transgressor se preocupe.
A Secretaria de Justiça recebeu 68 denuncias, mas na Comissão existem até o momento 28 casos, porque as denúncias passam pelo seguinte tramite: elas são recebidas pela internet, Ouvidoria, Ministério Público ou Coordenação; todos os ofícios emitidos pelas autoridades são encaminhados à Secretária de Justiça que determina a instauração ou não do processo administrativo e, somente depois disso, ela chega à Comissão Processante.
Alguns casos chegaram com falhas e a Comissão teve que emitir algumas notificações para que os processos ficassem em ordem e pudessem caminhar. Todos os processos de procedimento administrativo correm em sigilo até a decisão final e, se não houver recurso, a decisão final é da Comissão e, se houver recurso, será apreciado pela Secretária de Justiça. A decisão final será publicada e será permitido acesso público.
O balanço dos 28 casos:
– um envolve acesso a um shopping center;
– dois casos de discriminação ocorrida em ambiente de trabalho;
– quatro ocorrências envolvem policiais militares;
– dois casos em ambiente universitário;
– três casos em escolas públicas;
– três casos em supermercados;
– um caso de oferta de emprego,
– dois casos em rede social;
– dois casos de políticos vítimas de discriminação;
– duas denúncias contra políticos por discriminação;
– um caso em concessionária de automóvel;
– um caso de acidente de trânsito;
– um caso em transporte coletivo;
– um caso advocatício.
– um caso de relação locatícia
Esses dados são importantes para sabermos onde estão acontecendo os casos e em que tipo de relações, de forma a focalizar a política pública. Considero que os números de ocorrências envolvendo policiais são decorrentes do fato da Polícia Militar se envolver em mais relações, que são complicadas e tensas, logo a quantidade de denúncias sempre será maior. Os dados envolvendo as relações de consumo merecem uma preocupação especial, o PROCON já realizou duas pesquisas e estes dados são importantíssimos. São surpreendentes os casos envolvendo o ambiente universitário e também o de escolas públicas, denotando que temos que ter uma preocupação com as ações de educação para eliminar a discriminação e o preconceito. Mas acho que muitas vezes a discriminação não é fruto só de falta de informação, mas sim do interesse pessoal em discriminar. O combate à discriminação não pode se realizar somente com educação, ela precisa da lei penal, civil, de penalidades administrativas, sanção disciplinar, porque somente com a ação de pena é que talvez algumas pessoas não cometam novamente a discriminação, então a sanção terá um caráter pedagógico também. A solução é educação para todos e quanto antes melhor para combater o preconceito, e para a discriminação ocorrida o caminho é sanção penal, civil, disciplinar e administrativa.
Recomendações:
– capacitação de órgãos receptores de denúncias, para que as mesmas sejam bem recebidas, bem feitas e elaboradas;
– estreitar relações com operadores de direito como OAB, Magistratura, Defensoria Pública, Procuradoria Geral do Estado;
– envolver toda a comunidade jurídica, para além das promotorias, é um grande desafio;
– incentivar a produção de livros jurídicos sobre discriminação racial, considerando que existem poucos. São muitos os livros sobre direitos humanos, mas com pouca atenção à temática racial, o que demonstra o não envolvimento da comunidade jurídica com o tema;
– atuação de faculdades de direito e seus centros acadêmicos na difusão de uma cultura de combate a discriminação racial;
– formação de servidores públicos, inclusive de policiais, em ações de combate ao racismo.
Dra. Maria Silvia Oliveira – Representante do Instituto do Negro Padre Batista
Atuo no Instituto do Negro Padre Batista defendendo vítimas de discriminação racial juntamente com mais dois advogados, Dr. Sinvaldo e Dr. Lino, contamos também com o apoio das psicólogas Maria José (a Mazé) e Simone e com a contribuição de duas estagiarias, Francisca e Joyce.
O Instituto firmou convênio com a Defensoria Publica, em setembro do ano passado, para atendimento de casos de discriminação racial, com a finalidade de ampliar as possibilidades de recebimento de casos de discriminação racial por denúncias administrativas. Até inicio de junho do presente ano foram recebidos 53 casos, sendo 21 encaminhados pela Defensoria. A Defensoria entendeu que o número de casos recebidos foi inexpressivo e a partir de agosto do presente ano o convênio será encerrado. Já recebemos carta da Defensoria informando o fim do convênio.
Em relação a lei 14187/2010, o que tenho para apresentar são dúvidas e questões em relação a alguns pontos de suas orientações, e espero que sejam esclarecidas no seminário.
Começando com a afirmação da lei ‘praticar qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória’, questiono se a injúria racial, do artigo 140, paragrafo 3º, pode ser incluída nesta lei? Considero que a lei 14187 foi bastante baseada na lei 7716, mas são legislações distintas.
Outra dúvida desperta o art. 6º. parágrafo 2º: ‘praticar o empregador ou seu preposto atos de coação direta ou indireta sobre o empregado’. Essa coação seria em relação a quê? Para pedir demissão, para fazer ou deixar de fazer alguma coisa no ambiente de trabalho?
‘Negar emprego, demitir, impedir ou dificultar a ascensão em empresa pública ou privada, assim como impedir ou obstar o acesso a cargo ou função publica ou certame licitatório’. Neste artigo estão sendo discutidos assuntos diversos, estamos tratando aqui a questão do emprego, tanto de cargo público como de empresa privada, além de certame licitatório, que é um outro tipo de procedimento.
No art. 4º: ‘aquele que for vítima de discriminação, seu representante legal ou quem tenha presenciado os atos a que se refere o artigo 2º desta lei, poderá relata-los a Secretaria de Justiça’. Mas se a vítima não estiver interessada em denunciar, como ficará esta questão?
No art. 6º, o Dr. Clério já colocou a questão das multas e valores, mas questiono com base em um fato concreto que encaminharei para a Comissão: uma mulher foi discriminada no ambiente de trabalho e, em sentença trabalhista, a juíza condenou a empresa ao pagamento da indenização de R$ 10.000,00 (dez mil reais). A empresa pode ser condenada a pagar multa também? É possível arbitrar dois ou três valores? É possível entrar com outro processo de indenização, agora na área civil?
Outra dúvida, que também já foi abordada pelo Dr. Clério, diz respeito para onde vai a multa. Será criado um fundo, a multa será utilizada nos convênios que a coordenadoria está fechando de capacitação de professores, funcionários do PROCON e IPEM?
Estas são as minhas colaborações para o seminário e espero que minhas dúvidas ampliem a compreensão e aplicação da lei.
Dr. Clério em resposta às questões da Dra. Maria Silvia:
A lei é nova, ninguém ainda se debruçou para analisar cada um dos parágrafos, seu sentido e alcance. A Comissão também ainda não realizou esta tarefa porque aguarda a chegada dos casos, e na hora do julgamento verá em qual inciso se encaixa o caso concreto.
O art. 2º, em todos os seus incisos, seja o crime de racismo ou de injúria, pode ser enquadrado na lei 14187. Certamente que o crime de racismo é racismo e injúria, e no artigo penal é outro, que depende de representação, com consequências diferentes e iniciativas diversas. Aqui, seja crime de racismo ou injúria podem ser enquadrados. Esta talvez seja a ocorrência mais comum, o inciso I, conforme afirmado no caput ‘praticar qualquer tipo de ação violenta por motivo de raça ou cor’.
Com relação ao art. 6º. ‘praticar o empregador ou seu preposto ato de coação direta ou indireta sobre o empregado’, muitas vezes o caso pode se enquadrar no inciso I também.
Sobre a questão relacionada à vitima não querer abrir processo (art.4º.), em alguns casos que chegaram à Comissão e faltavam algumas informações ou identificação do denunciado, a Comissão notificou a vítima para aditar a denúncia e assim assumi-la. Mas se a vítima não quiser entrar com processo, haverá um conflito real do interesse público do Estado em punir aquela pessoa que cometeu a transgressão e o interesse privado da vítima em que o processo não prossiga. A decisão pode ser no sentido de considerar o interesse público maior e muito mais importante do que o interesse privado, então o processo prossegue. Ainda que a vítima não participe, não arrole testemunhas, então cabe ao denunciante providenciar testemunhas e conduzir o processo, com a colaboração da vítima ou não. A Comissão não pode advogar ou procurar testemunhas, ela é imparcial.
Sobre a multa trabalhista e a penalidade administrativa, ela é aplicada sem prejuízo das demais sanções penais ou civis, elas são cumulativas.
MESA TÉCNICA DO SEGUNDO PAINEL DA LEI 14187
Dra. Déborah Kelly Affonso – Promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MPE)
Dra. Tatiana Belons – Defensora Pública do Estado de São Paulo
Dr. Adilson Paulo do Amaral Filho – Procurador da República do Ministério Público Federal (MPF)
Dra. Débora Kelly Afonso – Promotora de Justiça do MPE
Agradeço ao convite na pessoa do Dr. Arruda, bem como os colegas de mesa Dra. Tatiana e Dr. Adilson. Havia preparado uma fala pra vocês, mas os temas já foram abordados, exemplo do caso Simone Diniz e da iniciativa da lei após a condenação da OEA pela Dra. Luiza, o Dr. Eduardo já explicou sobre a atuação do Ministério Público, bem como o Dr. Clério já deu uma aula também sobre a responsabilidade, então ficou um pouco mais fácil a minha tarefa e vou apresentar alguns casos práticos e também algumas sugestões para esta Lei, se é que ela pode ser aprimorada.
A minha experiência com a igualdade racial e discriminações em geral começou sem ser na área criminal e sim na área de interesses difusos, quando o procurador geral me convidou parar coordenar o Grupo de Inclusão Social que hoje faz parte da Promotoria de Direitos Humanos.
Foi uma surpresa imensa ver a quantidade de casos de discriminação, porque é uma discriminação silenciosa, a gente não tem noção. É muito bonito ver na Constituição Federal que todo mundo é igual, mas trazer essa igualdade para a realidade é simplesmente uma tarefa hercúlea.
E o que mais me causou e causa surpresa é de que as áreas ditas de vanguarda, como a moda, esportes e outras são justamente onde a gente encontra uma série de preconceitos velados, seja por conta de atributos físicos, intelectuais e até de capacidade física, é uma discriminação absolutamente acintosa e cruel.
Enquanto trabalhamos lá houve uma série de reclamações e as mais graves eram justamente nos predicados mais importantes para a raça negra. Tivemos um caso de um repórter, em uma rede de televisão que fez a menção de que a seleção brasileira estava ruim porque só tinha negros jogando. Na verdade ele não falou abertamente, ele disse ‘precisa por uns branquinhos porque o mais branquinho ali tem o pé na senzala’. Para pensar o processo na época desenvolvemos uma pesquisa gigantesca dentro do MP, porque a primeira atividade importante e lucrativa para os negros no Brasil, foi justamente o futebol. Existe um livro belíssimo no Brasil que se chama “O Negro no Futebol Brasileiro” de Mario Filho, que mostra os meandros do futebol, pois antes somente estudantes de direito e de medicina poderiam jogar bola. Então até os negros conseguirem, não só no futebol, mas também nos outros esportes foi um longo caminho. Consideramos a afirmação do repórter muito grave. Pior, a seleção brasileira de futebol é a única coisa que identifica o Brasil como nação, pois se for dia da pátria ou qualquer outro feriado todo mundo corre pra praia, mas em jogo da seleção o país para pra assistir ao jogo. Desta forma, a afirmação pretende excluir o negro de uma área que é importantíssima para sociedade e isto é gravíssimo.
O MP não tem competência para ações individuais, na parte de Direito Civil tem de interesse difuso (que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato). Responsabilizamos a rede de televisão com os dois repórteres/comentaristas; a rede de TV também fez a crítica pois a emissora não tirou do ar e ainda permitiu que se continuasse aumentando a polêmica. Ajustou-se um acordo para que a rede de televisão fizesse um programa somente sobre negros no esporte e ainda uma doação a uma entidade que cuida de crianças do futebol. Os dois comentaristas tiveram que se retratar no ar e nesta altura já estavam em outra emissora que permitiu a retratação, eles também fizeram doações para entidades que cuidam de crianças carentes e estão envolvidas com futebol.
Recebemos uma representação contra a Universidade Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP)-Faculdade de Medicina, que produziu um jornal que atacava a raça negra e as mulheres. A Faculdade de Medicina fez um acordo, sem prejuízo das responsabilidades penais que isto envolve, isto diz respeito a interesses difusos, e especialmente em uma faculdade é pedagógico eles saberem que isto é impossível, assim eles tiveram que se retratar em uma nova edição do jornal, falando dos importantes médicos negros e ainda desenvolver ações educativas dentro da faculdade, tomando como tema as cotas nas universidades.
Temos dados importantes que demonstram que a mulher negra é a maior vitima de ações discriminatórias, sendo a mulher negra hoje em dia o segmento mais discriminado no país. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) fez um estudo interessante em 2009, que continha informações sobre a discriminação nas escolas e trouxe um número lamentável de que 99,3% das pessoas das escolas, não os estudantes, mas professores, pais de alunos e outros, são preconceituosos e quem alcançou o grau máximo como vítima foi a mulher negra.
E o mais famoso caso, até pelo destaque da mídia, foi do São Paulo Fashion Week. Quando o caso chegou para nós, já estava instaurado. Começamos a investigar, este procedimento tem mais ou menos nove volumes. Ouvimos várias pessoas dos setores de moda e quanto mais nós ouvíamos, mais as desculpas nos causavam espanto. Ouvimos várias razões para a não contratação de modelos negros, e um dos fatores é de que modelo negra não tem tanta visibilidade no mercado por conta do biotipo. E minha pergunta foi: e qual é o biotipo? A resposta foi: Branco, é este o biotipo. Um dos depoentes, estilista que usa modelos negras regularmente, disse que ‘isto tudo pra mim é bobagem, pois no desfile usa-se sempre apenas um tamanho e se entrar na pessoa ta no biótipo, então não tem esta desculpa’.
O pessoal do casting justificava a não contratação porque as meninas negras não tiveram tanto cuidado, mas contra argumentamos que as meninas do Rio Grande do Sul também vêm de um ambiente simples, moram em casas coletivas aqui, não sabem comer, não sabem sentar, não sabem falar, não tem nada de etiqueta, tal quais as meninas negras. A diferença é que eles investem em uma e não investem em outra, isto é evidente. Uma estilista ainda disse os negros já estão costurando, cortando, por que desfilar, eles já estão incluídos.
Quem vem de fora estranha, apenas modelos loiras de olhos azuis, tendo em vista ser o Brasil um país multiétnico. Na Itália, a Vogue que é uma das mais importantes publicações de moda, fez um catálogo inteiro só com modelos afrodescendentes e soube-se que foi a única edição da Vogue mundial que teve uma segunda tiragem, esgotou. Como a moda e os desfiles vendem o luxo, no Brasil se tem a ideia de que os negros não podem comprar o luxo e então eles não querem ver a marca associada a afrodescendentes. Daí a importância da publicação da Vogue.
Nossa negociação com o pessoal da São Paulo Fashion Week foi muito complicada e obviamente nós pegamos pelo lado financeiro, pois dissemos ‘ vocês recebem dinheiro público e não fazem a contrapartida’. Na época desta negociação não havia esta lei estadual e muito menos o Estatuto da Igualdade Racial, que já tramitava no Congresso Nacional e nada de se aprovar. E hoje se comemora um ano da lei estadual e amanhã um ano do Estatuto que prevê ações afirmativas, dentre elas cotas.
Podemos responsabilizar os infratores de outras formas que não seja cota, pois a administração pública está obrigada a vários preceitos constitucionais e isto não é novo. As ações afirmativas de parte da Administração Pública vem desde o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no Plano Nacional de Direitos Humanos 1 e 2.
Faço os seguintes comentários e questões:
– se o art. 1º indica como preceito acabar com as diferenças sociais, como a Administração Pública pode realizar convênio com a esfera privada cedendo espaço público, como é a Bienal, bem como fornecer dinheiro para um espetáculo que em troca traz benefícios para a Prefeitura, mas tira a possibilidade de visibilidade de uma raça inteira? O movimento social é muito importante para nós, o MP não faz reclamações individuais, mas se recebemos 10, 20 reclamações de mesmo conteúdo, o MP passa a ter legitimidade para agir. Agora com o Estatuto da Igualdade Racial e a lei 14.187/2010 em vigor, qual a justificativa do governo para fornecer dinheiro para um evento como o São Paulo Fashion Week e permitir que parcela da população seja excluída?
– o ato de improbidade administrativa consta em outros artigos, há outras situações previstas, que não só o desvio de dinheiro, portanto temos a lei de improbidade administrativa para nos auxiliar. Ainda temos a legislação internacional da qual o Brasil é signatário, não podemos esquecer que por conta da emenda 45 da Constituição Federal são tidos como direitos indisponíveis do art. 5º da Constituição Federal, são clausulas pétreas.
– temos o Selo da Diversidade, as empresas recebem este selo e na realização de convênio com o poder público, estas empresas deveriam ser priorizadas. Qual é o fundamento que se utiliza para beneficiar este tipo de segmento na área da ação afirmativa?
– na lei 14.187/2010, os artigos 4º e 6º citam penas, multas etc. Mas onde está a proibição de não poder contratar com ente público? Este é um tipo de punição muito especifica e não há em lugar algum desta lei. Acho que faltou punir com a impossibilidade de firmar contrato com ente público quem tenha praticado discriminação racial, creio que isto é muito importante.
BOX: Selo da Diversidade
Programa de 2007, reformulado pela Secretaria do Emprego do Estado, trata-se de uma política de governo que certifica as empresas que tenham ações de acolhimento da diversidade, como cor, religião, sexo, idade, classe social, política entre outras.
Dra. Tatiana Belons – Defensora Pública do Estado de São Paulo
Como o Dr. Arruda disse, a questão da discriminação passa pela nossa história e invisibiliza parcela importante do povo brasileiro. Jamais poderemos esquecer os 300 anos de escravização e os 123 anos de exploração ao qual a comunidade negra foi submetida e do genocídio ao qual os indígenas são submetidos desde a invasão do Brasil. Aí passamos por toda a imprecisão de nossos livros de história, que colocavam os integrantes dos quilombos como preguiçosos, com toda carga semântica preconceituosa, discriminatória que cabia ao dominador e a quem exercia o papel de colonizador.
Estas leis são reflexos de perseguições e discriminações, injustiças e genocídios, e infelizmente ainda o genocídio dos indígenas ainda não tem a atenção devida pela sociedade brasileira. Todas estas leis são reflexos de uma consciência histórica e também da ação dos movimentos sociais, que passaram a cobrar e ainda exigem que se saia do plano abstrato e que as reivindicações não fiquem apenas no plano da lei. Há inúmeros diplomas legais, como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial nossa Constituição Federal e vários diplomas legislativos brasileiros que primeiro trataram a discriminação racial como contravenção penal (Lei Afonso Arinos), depois tivemos a lei 7716/89 e ainda a lei 9459/97 que qualificaram a injúria com conotação racial, e hoje temos a lei do estado de São Paulo 14.187/2010, que possui uma atitude muito explícita e consciente de enfrentar a questão e de dar uma resposta administrativa, além da reparação penal e civil já existente. Temos também o Estatuto da Igualdade Racial, que como a Dra. Débora disse, não agradou ao movimento social, mas que contempla as cotas como uma medida possível a título de política pública justificada pelo fato da dívida histórica com os negros.
BOX: Convenção Internacional
Ratificada pelo Brasil em 1968, entro no ordenamento jurídico em 1982, invoca a execução de medidas especiais e concretas que garantam que os grupos discriminados tenham acesso à direitos universais. A observância dos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, sem discriminação de raça, cor, idioma ou religião.
Temos que enfrentar de forma objetiva e corajosa toda forma de preconceito e de discriminação para que a sociedade paulatinamente aprenda e mude, criando a ideia geral de que todos devem ser respeitados. A lei 14.187/2010 tem um caráter pedagógico, ou seja, o processo administrativo e a condenação de quem discriminou servem de exemplos. Infelizmente são vários os casos de discriminação em escolas, restaurantes, hospitais, hotéis; diversos são os casos em que as pessoas não são julgadas e não são vistas pelos demais como discriminadores.
Há muitos casos em que adolescentes são chamados de forma pejorativa pelo diretor da escola, já ouvi isto em audiência de infância e juventude, e este diretor foi o responsável pelo adolescente abandonar as aulas; casos como este jamais podem acontecer. Ou ainda da mãe que foi buscar sua filha na escola e a encontrou com o cabelo alisado, recebendo como justificativa da professora o fato de que a criança brincava na areia e com o cabelo crespo era muito mais difícil limpar. Esta não é uma justificativa razoável para alisar o cabelo da criança, se é que a professora tinha o direito de alisa-la.
São inúmeros os casos e notamos que a discriminação pode ser indireta, como uma forma de agir, atuar e que é considerada discriminação. Muitas vezes, quando se fala em crimes patrimoniais a palavra da vítima é preponderante, por que não o é também em crimes raciais? Não se tem a mesma preponderância a palavra da vítima? Tendo em vista que quem discrimina não vai fazer com plateia, desta forma a palavra da vítima tem que ter muito valor, pois para que seja feita a reparação esta é a única prova.
Isto ocorre no ambiente de trabalho, mas no familiar também. Houve uma mãe que me relatou que tinha mais de um filho, mas aquela filha era a mais negra de todos. Outra relatou ‘fui confundida como baba dela na escola’. Houve uma senhora de aproximadamente 75 anos, que foi discriminada pela tia em razão de ser negra, relatou que quando estava limpando a casa, a tia pisava na mão dela por ser negra. O racismo institucional se propaga não só na relação com o Estado, mas tem reflexos na família. Se a lei de combate à discriminação foi criada nos moldes da lei de combate à homofobia é porque muitas das condutas são parecidas, assim recomendo que a lei de combate à discriminação receba a mesma divulgação, sendo importante a interiorização deste aparato legal. Para fins pedagógicos, é importante que esta lei chegue a todos os locais para, quem sabe, diminuirmos a ocorrência dos casos de discriminação racial.
Outras sugestões importantes: a interiorização da Comissão Processante; que a Secretaria de Justiça faça parceria com outros órgãos, pois a efetivação da lei é necessária. Não podemos encarar como natural que o preconceito esteja na sociedade de forma que não possa ser modificado.
Encerrarei narrando mais dois casos: uma senhora negra que morou trinta e quatro anos em Berlin, formou-se em ciência política e voltou ao Brasil. Ela participou de processo de seleção para emprego em uma empresa, onde o entrevistador a chamou pelo nome, mas olhou para uma mulher loira que estava ao lado. Ela percebeu e perguntou ao entrevistador: ‘o que leva o senhor a crer que uma senhora negra não seja capaz de falar habilmente o alemão?’; ela não quis ingressar com as ações legais cabíveis. O outro caso recebi ontem, foi uma situação ocorrida há trinta anos atrás, quando uma mulher negra e seu filho foram discriminados no ônibus. A mulher relatou o corrido ao religioso que a orienta, que argumentou que aquilo era normal, que ela passou por isto porque possivelmente em outra vida foi uma pessoa branca, loira que discriminou algum filho de escravo.
Pois bem, são ofensas aos direitos humanos, são modos preconceituosos e discriminatórios, não podemos aceitar ações como estas. Temos que lutar para fazer com que o Brasil seja realmente uma sociedade multicultural.
Dr. Adilson Paulo Prudente do Amaral Filho – Procurador do Ministério Público Federal (MPF).
Vou destoar um pouco do objeto da lei 14.187/2010 e aproveitar o convite para falar o que o MPF faz nesta área de atuação. Não comentarei da lei, mas gostei muito da ideia, pois temos que utilizar todos os recursos que a legislação oferece e acredito que seja uma boa prática para a esfera administrativa, que pode ser mais célere, tendo em vista que o direito penal e civil muitas vezes não são tão ágeis. E uma sanção administrativa que venha em seis meses pode ser mais efetiva pela celeridade, pois está fresco na cabeça do infrator e da vítima.
Temos no MPF um grupo de combate a crimes cibernéticos, este grupo recebe todos os crimes envolvendo racismo, seja injúria ou a lei 7716/89, quase todos eles são estaduais, então é muito difícil ver um crime destes na esfera federal. Em 14 anos vi apenas um caso que se processou perante a Justiça Federal, pois foi um fato ocorrido dentro da delegacia da Receita Federal, caracterizou-se como federal em razão da função pública do ofensor. Ao final foi feito um acordo onde o infrator pagou uma indenização em favor da vítima e não se adentrou na esfera penal efetivamente. O que aparece muito na Justiça Federal são condutas descritas no art. 20 da lei 7716/89, caput e seus parágrafos.
BOX: Artigo 20: “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou procedência nacional”.
Por que isto importa à Justiça Federal e por que isto deu ensejo à criação de um grupo especifico? Deu-se em razão deste crime tipificado pelo art. 20 ser cometido de forma objetiva pela internet ou ainda em jornais como o caso citado da Faculdade de Medicina (Unifesp). Mas se o crime é cometido pela internet (sites, blogs e todas as demais formas de postagem eletrônica) ele tem um caráter interessante que é da transnacionalidade. Eis que atravessa a fronteira do Brasil e cai em uma situação que é a descrita no artigo 109, inciso V da Constituição Federal que prevê que todos os crimes que o Brasil se comprometeu a combater através de um tratado internacional, cuja execução comece no Brasil e vice-versa. Assim se estabelece a competência da Justiça Federal, então temos como exemplo o tratado de combate ao racismo e todas as formas de discriminação racial, que acabam chegando para o MPF. Desta forma verificou-se que não havia estrutura para isto e assim o grupo surgiu em 2003, com a finalidade de criar uma forma de combater da melhor maneira os crimes raciais e também de combater ideais nazistas divulgados pela internet.
BOX: artigo 109, V: “Art. 109-Aos juízes federais compete processar e julgar: V – os crimes previstos em tratados ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;”
Um exemplo são as páginas de relacionamento como Orkut, em que o título dado era algo como ‘Odeio Preto’. Foi uma investigação trabalhosa, houve um processo de convencimento do Google para que fornecessem informações, pois eles entendiam que não estavam afetos às leis brasileiras. Após dois anos firmou-se um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, onde se acordou que em prazo célere seria feita a identificação do sujeito perpetrador, esta investigação é realizada através do numero IP. Temos também convênio com provedores como Terra e UOL, que enviam informações de casos ocorridos em suas páginas ao MPF. Trabalhamos também com investigação de pornografia infantil, mas trouxe para vocês somente casos de discriminação racial porque é o foco da reunião. Há um acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que estabelece a competência da Justiça Federal para casos de discriminação racial, então pode haver um conflito de competência com a Justiça Estadual.
BOX: O que é IP? Internet Protocol é responsável pela identificação das máquinas, das redes e também pelo encaminhamento correto das mensagens entre elas.
DIÁLOGO ABERTO
Dr. Antonio Carlos Arruda – Coordenador da CPPNI
O objetivo do seminário é obter alguns subsídios para o aprimoramento da Lei 14.187/2010, bem como melhorar os trabalhos da Coordenadoria e da Comissão Processante da lei. Haverá ainda em setembro outra atividade para apresentar os resultados deste primeiro seminário.
Dra. Adriana Pereira – IPEM
Tenho algumas questões sobre os mecanismos para utilização da lei: a quem procurar? Quais documentos apresentar? Testemunhas são obrigatórias? Qual o organograma?
A lei gera expectativas de que o caso seja resolvido rapidamente, então se faz necessário que fique claro para as pessoas que tipo de resposta será dada às vítimas. Sugiro ainda que seja criada uma Ouvidoria para orientação e esclarecimento de dúvidas pela internet.
Quanto ao relatório, quando estará disponível?
Resposta de Anne Caroline Nascimento da Silva – Assessora da CPPNI
As denúncias podem ser registradas na Coordenadoria e nos órgãos conveniados. Há denúncias que chegaram à Coordenadoria pela própria Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Informações e denúncias podem ser realizadas pelo email [email protected]O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. .
Marco Antonio Zito Alvarenga – advogado e presidente do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo.
Sobre a pergunta a quem procurar, considero que deve-se arrolar os conselhos da comunidade negra, seja ele estadual ou municipal, podem e devem ser arrolados como órgãos que recebam esta demanda.
Dr. Eginaldo (Jundiaí)
Minha sugestão é contar com a participação do judiciário neste tipo de evento. Os magistrados não tem conhecimento sobre o tema, então seria importante tê-los presente. Quanto aos convênios nos municípios, sugiro que as pessoas que vão fazer o atendimento sejam capacitadas quanto ao tema, pois em muitos casos eles não conseguem captar a gravidade do problema.
Dr. Tatiana Belons
Entendo como importante a interiorização da Comissão Processante, bem como a capacitação em direitos, de forma a multiplicar a informação de como e onde a população pode reclamar.
Luis Henrique – Centro de Referencia em Direitos Humanos de Prevenção e Combate ao Racismo/Coordenadoria dos Assuntos da População Negra (CONE)
O Centro de Referência recebe denúncias de racismo e encaminha ao judiciário. Atuamos na prevenção e combate ao racismo e oferecemos acolhimento, atendimento e encaminhamento jurídico e psicossocial para casos denunciados de discriminação.
José Eduardo Malheiros – Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo
Sobre o recebimento das denúncias, minha sugestão é que haja a uniformização do recebimento através de relatório nos moldes do CIDEC (Centro Interdisciplinar de Estudos Econômicos.
Dr. Antonio Carlos Arruda
Haverá um formulário adequado para o acompanhamento do processo, já temos licitação para tanto.
Dra. Kelly Cristina da Silva – Conselho de Jundiaí
Tenho dúvida sobre qual o procedimento para os Conselhos que não estiverem integrados a este sistema?
Dr. Antonio Carlos Arruda
Todos os Procons podem receber denúncias, já foram capacitados em vinte cidades e faremos capacitações em mais vinte de outras cidades do estado de São Paulo.
Dr. Clério Rodrigues – procurador do Estado
Tivemos ótimas sugestões nos comentários anteriores. A Dra Débora do MP mencionou o caso da São Paulo Fashion Week e, se o Poder Publico está financiando de alguma forma o evento, este ente publico tem o dever de exigir a promoção da inclusão social. Quanto à contratação pública, tenho informação de que há tramite no parlamento de pedido de reforma da lei de licitações, que sugere pontuação a empresas que apresentem números favoráveis à inclusão social. Creio que a Coordenadoria poderia pensar em um texto aditivo considerando este projeto.
Contribuições de Dojival Vieira
Dojival Vieira, advogado, foi um dos convidados a participar do I Seminário.
Diante da impossibilidade de sua presença no evento, enviou sua colaboração por escrito, que foi transcrita no documento.
Prezado colega Antonio Carlos Arruda,
Responsável pela Coordenação de Políticas para a População Negra e Indígena da Secretaria da Justiça de S. Paulo
Impossibilitado de estar presente ao I Seminário sobre a Lei 14.187/2010 em virtude de compromissos anteriormente assumidos, tomo a liberdade de encaminhar por escrito a minha contribuição ao debate.
A Lei 14.187/2010, sancionada pelo governador Alberto Goldman e em vigor desde 19 de julho do ano passado, padece de grave omissão ao prevê que as multas aplicadas aos infratores sejam revertidas para o Tesouro do Estado, sem qualquer contrapartida, nem à vítima nem a um Fundo para promoção das ações afirmativas, ou qualquer outra iniciativa similar.
A omissão acaba por transformar a vítima de agressões racistas em contribuinte involuntário a engordar a caixa do Estado, o que não creio ter sido a intenção, nem do Governo estadual ao propor nem do legislador ao aprovar o projeto enviado à Assembleia Legislativa.
Com base na mesma Lei estadual, o governador Geraldo Alckmin lançou em 21 de março próximo passado, Dia Internacional de Luta contra a Discriminação Racial, o Programa São Paulo contra o Racismo, que igualmente corrobora o equívoco da Lei e, ao enfatizar as providências apenas no plano administrativo, acaba por omitir o direito da vítima a buscar a reparação cível e de cobrar do Estado as providências para a responsabilização criminal dos agressores.
Em face do exposto, proponho a este Seminário a aprovação de pedido ao governador Geraldo Alckmin para que envie emenda à Assembleia Legislativa com o acréscimo de um parágrafo ao art. 6º, com a seguinte redação.
Parágrafo 5º – Os valores das multas aplicadas terão a seguinte destinação:
– 30% para o(a) ofendido(a);
– 70% para a constituição de um Fundo de Promoção das Ações Afirmativas no Estado de S. Paulo, cujo funcionamento será regulamentado por decreto.
Em relação ao Programa São Paulo contra o Racismo, da forma como foi formatado, acaba por premiar os infratores, na medida em que enfatiza as penalidades administrativas, porém, omite as providências no campo cível e penal.
Neste sentido, proponho que nos convênios firmados entre a Secretaria de Justiça e as Prefeituras, haja a obrigatoriedade da participação de advogados com a inclusão das subseções da OAB em tais convênios, de modo a dar igual ênfase as medidas cíveis e penais cabíveis para cada caso.
Sem mais para o momento, cumprimento-o pela iniciativa, saúdo os seus participantes, e desejo que este I Seminário seja coroado de êxito.
BIBLIOGRAFIA:
Sites Eletrônicos:
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS – http://www.cidh.oas.org/annualrep/2006port/BRASIL.12001port.htm
EDUCAFRO CURSINHOS VESTIBULARES – http://www.educafro.org.br/missao.html
FOLHA DE SÃO PAULO – http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u582192.shtml
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO – http://www.saopaulo.sp.gov.br/
JUS NAVIGANDI – http://jus.uol.com.br/revista/texto/5837/vadiagem-e-mendicancia
NAÇÕES UNIDAS – ALTO COMISSARIADO PARA OS DIREITOS HUMANOS – http://www.ohchr.org/SP/Pages/WelcomePage.aspx
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL/SP – http://www.oabsp.org.br
PREFEITURA DE SÃO PAULO – http://www.capital.sp.gov.br/portalpmsp/homec.jsp
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA – CASA CIVIL – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm
UNESCO BRASIL – http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/international_year_for_people_of_african_descent/