3 Razões pelas quais culpamos ‘a outra’ – e porque devemos parar

Texto original por Ginny Brown no Everyday Feminism:http://everydayfeminism.com/2016/01/why-blame-the-other-woman

Por mais que pareça há muito tempo atrás, faz apenas uma década desde que a grande notícia sobre Brad Pitt e Angelina Jolie foi “Angelina roubou Brad da Jennifer!”

 Do Médium

Lembro de seus três rostos em todo lugar nas notícias, e lembro de muita gente indignada e furiosa. Quase sempre, a raiva não era direcionada a Brad, que largou uma mulher por outra, mas a Angelina.

A mídia trabalhou bastante para atiçar o fogo, com imagens contrastando as duas mulheres e manchetes como “Jennifer furiosa com Angelina”. Enquanto as duas mulheres envolvidas tinham muito pouco a dizer sobre a outra em público, a narrativa “Angelina versus Jennifer” era tão esmagadora que dez anos depois ainda é motivo de piadas:

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Essa história aponta para uma tendência comum: quando uma mulher é traída ou abandonada por outra mulher, nós tendemos a acumular culpa na nova mulher, tanto (ou mais que) quanto culpamos quem traiu ou abandonou.

Isso também acontece com outras configurações de gênero, mas as dinâmicas são diferentes. Quando são dois homens dos lados do triângulo amoroso, nós entramos em competição masculina e expectativa de lealdade a um código ou irmandade entre homens. E quando são parceiros de gêneros diferentes, geralmente temos bifobia e confusão de identidade somados à mistura.

Por hoje, no entanto, eu quero focar em situações em que os parceiros envolvidos são duas mulheres, enquanto a pessoa entre elas é homem, mulher ou não-binária.

Tratando a situação como essa questão mulher-versus-mulher é uma armadilha em que muitas feministas caem.

Nós podemos debater que mulheres devem mostrar solidariedade com outras mulheres não “roubando” seus parceiros. Mas quando fazemos isso estamos perdendo as raízes mais profundas da dinâmica “culpe a outra mulher”.

Vamos cavar até essas raízes e ver por que culpar a outra mulher é profundamente anti-feminista.

Primeiramente, quando dizemos “Angelina roubou Brad de Jennifer”, o que dizemos sobre Brad? Estamos falando como se ele fosse um objeto passivo, como uma carteira que pode ser tomada por um passante inescrupuloso.

Me perdoe por declarar o óbvio, mas pessoas não são carteiras. Pessoas não podem ser roubadas (obviamente não estou falando de sequestro, que é algo completamente diferente). Quando Jordan larga a Megan pela Nicole, Jordan está fazendo uma escolha sobre com quem estar junto, e como fazê-lo.

Jordan está decidindo se deve ser honesto sobre seus sentimentos. Jordan está decidindo que estar com Nicole é mais importante do que qualquer compromisso que estabeleceu com Megan. Então por que colocamos o foco em Nicole, e falando como se ela tivesse deslizado Jordan em seu bolso enquanto Megan não estava olhando?

Eu gostaria de dar uma olhada nas três das maiores razões que tendemos culpar a outra mulher, e as atitudes anti-feministas que furtivamente acompanham essas razões.

Razão #1: Nós frequentemente pensamos em relacionamentos como propriedade

“Ele tem dona”. Nós usamos linguagem de propriedade e posse para falar de relacionamentos.

De corações de Dia dos Namorados que dizem “Seja meu” a ameaçadores “Se não posso te ter, ninguém pode”, nós falamos como se alguém que amamos fosse algo a ser conquistado ou perdido, pego ou roubado.

Eu acredito que fazemos isso pelo senso de segurança que isso dá. Você não tem que continuamente negociar seu relacionamento com sua torradeira: Uma vez que pagou o preço por ela, é sua e você não tem que pensar sobre isso.

Quando algo nos pertence, nós podemos contar naquilo estando lá pelo tempo que queremos mantê-lo.

A realidade de uma parceria é um tanto diferente. Um relacionamento é sempre uma escolha, todos os dias. Cada pessoa faz a escolha de continuar conectado e investindo.

Todo dia nós podemos escolher sermos honestos, presentes e nos importando com nossos parceiros, ou focados em nós mesmos e isolados.

Todo dia nós escolhemos ser fiéis aos compromissos que fizemos (incluindo monogamia, se essa é parte do nosso relacionamento), ou deixá-los para trás.

Quando falamos em “roubar” o parceiro de outra pessoa nós aliviamos a responsabilidade do outro pelas escolhas que fizeram.

Eu não acho que deixar um compromisso seja sempre uma escolha errada. Às vezes, é mais saudável abandonar um relacionamento se não está mais funcionando. Às vezes, a melhor decisão é ficar e resolver quaisquer problemas que estejam tendo.

De qualquer maneira, é uma escolha que o parceiro faz, não algo que é forçado pela presença de outra mulher.

Eles precisam assumir essa escolha, e as pessoas a sua volta precisam os encorajar a assumir a responsabilidade por isso, ao invés de focar na pessoa que não havia se comprometido com ninguém.

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Razão #2: Cai no estereótipo da sedutora irresistível

Há uma longa história na cultura ocidental sobre olhar para as mulheres como sedutoras perigosas que possuem todo o poder. Se uma mulher vai a um homem, ele não tem escolha a não ser cair como uma presa pelos seus charmes.

Em contrapartida a isso, há a ideia de que homens são incapazes de controlar seus desejos sexuais. Logo, mulheres têm que ser responsáveis por assegurar que homens não traiam.

Apesar do conceito ter começado com os esteriótipos masculino x feminino, a ideia de que “a outra” é uma sedutora imoral pode entrar também em relacionamentos lésbicos, não importando a apresentação de gênero das pessoas envolvidas.

Tornar as mulheres responsáveis pelo comportamento sexual dos homens é um componente chave da cultura do estupro. É o mesmo conceito que diz que uma mulher “estava pedindo” se ela se veste de certa maneira.

A verdade é que homens são perfeitamente capazes de tomar decisões sobre com quem se envolver e com quem não se envolver. Assim como eles são capazes de ouvir e entender o “não” de uma mulher, eles são capazes de recusar uma mulher atraente e disponível porque é mais importante para eles honrar seu compromisso monogâmico já existente.

Paradoxalmente, quando tratamos nosso parceiro como se ele não fosse responsável por permanecer fiel a nós, frequentemente nos tornamos mais controladoras.

Se forças externas são capazes de fazê-los trair ou nos deixar, então a única maneira de se proteger disso seria administrar o acesso às forças externas.

Então monitoramos suas amizades e relações de trabalho com mulheres. Podemos ficar suspeitosas ou apreensivas quando eles são amigáveis com uma mulher atraente em público.

Se outras mulheres em qualquer lugar são ameaças, então temos que bloquear ou limitar o acesso de nosso parceiro a outras mulheres. Isso, por sua vez, diretamente leva a comportamentos controladores como dizer onde eles podem ir e com quem eles podem passar tempo junto.

Podemos dizer a nós mesmas, e a eles, que estamos apenas fazendo isso para o próprio bem deles, porque sabemos que eles não sabem lidar com a tentação. Ao fazer isso, estamos tratando-os como crianças ao invés de adultos responsáveis. Levado a extremos, isso pode ser tornar abuso emocional.

Se ao invés disso aceitarmos completamente que nosso parceiro é responsável por se manter fiel, então se torna trabalho deles decidir quais situações são cheias de tentação e que situações são seguras.

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Control (2007)

Razão #3: Dói menos

Quando você foi abandonada ou traída é realmente doloroso pensar que a pessoa que você amou tomou a escolha de não estar com você.

É muito mais fácil, ao invés disso, pensar como se outra pessoa jogou um feitiço que seu parceiro foi incapaz de resistir. Então se torna mais como ser atingido por uma força da natureza e menos “meu parceiro não me valorizou o suficiente para estar comigo” ou “a outra pessoa tem algo que eu não tenho”.

Também é mais fácil ficar brava com alguém que você não conhece.

Mesmo quando nossos parceiros se comportaram horrivelmente conosco, nós temos uma longa história de amor e proximidade com eles que torna a raiva difícil e complicada. E a outra mulher? Pode ser alvo de simples raiva e ódio.

A dor que você está tentando evitar focando toda sua raiva e culpa na outra mulher é exatamente onde a cura precisa acontecer. É a dor da traição de alguém que confiamos. É a dor de se perguntar se não fomos o suficiente. É a dor de se perguntar quanto do amor era sincero e quanto foi mentira.

Processar esse nível de dor é horrível, e pode ser um alívio descontar a raiva em uma mulher que não conhecemos. Mas para se curar e seguir em frente devemos lidar de verdade com essas dores mais profundas e questionamentos.

Se você está lidando com isso agora, eu não estou aqui para ensinar como você deve sentir. Na verdade, me deixe parar e dizer: Eu sinto muito, muito mesmo. Aqui vai um abraço cibernético se quiser um. E aqui outros artigos que escrevi que podem lhe ajudar agora (no original, não traduzidos):http://everydayfeminism.com/2013/09/break-ups-and-griefhttp://everydayfeminism.com/2012/11/my-husband-had-an-affair

Cuide-se como você precisar, incluindo deixando esse artigo para ser lido em outro momento (ou nunca).

Um período de raiva focada na outra mulher pode ser o que precisamos como um passo no processo de recuperação. Censurar nossos sentimentos por serem “errados” não faz nenhum bem, então não é isso que estou sugerindo.

O que estou dizendo é que em algum ponto o processo de cura vai ter que envolver olhar diretamente para as escolhas que seu parceiro fez, atribuir a responsabilidade do seu parceiro aos atos que ele tomou, e lidar com todos os sentimentos desagradáveis e questionamentos que acompanham.

***

Quando culpamos “a outra” estamos caindo em muitos dos tipos de mentalidade que o feminismo luta contra: a ideia de que relacionamento é uma propriedade, a ideia de que mulheres são responsáveis por controlar a sexualidade do parceiro, a ideia de que relacionamentos só funcionam se você controlar o comportamento do outro.

Essas mentalidades levam à opressão e a relacionamentos abusivos, e precisamos nos certificar de que estamos lutando contra ambas as coisas tanto quando são sutis como quando são óbvias.

Tradução autorizada por Ginny Brown e pelo Everyday Feminism

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