4 lições que aprendi como uma garota negra introvertida

A ideia de fazer contatos depois do expediente me esgota. Não é que não goste de conhecer pessoas. Não é que eu seja uma eremita antissocial. E não é que não aprecie o ambiente lisonjeiro, com Lalah Hathaway e Ledisi cantando ao fundo, ou os vários pretensiosos salgadinhos e bebidas (nenhuma vergonha; adoro comidas pretensiosas. Na verdade é meu tipo de comida favorita). A única coisa é que fico rodeada de pessoas no trabalho o dia inteiro. Antes de me consumir com outra dose de estímulo social, preciso recarregar as baterias e dizer a palavra que Martin Lawrence tornou famosa no filme Bad Boys: WOO-SAH (Relaxa!).

Por Nichole Nichols, do Brasil Post 

No espaço da personalidade, me inclino muito mais para a introversão do que para a extroversão. Curto o meu momento, prefiro observar antes de agir e contribuo para a conversa apenas quando acho que tenho algo relevante a dizer. Ser introvertida, mulher e negra não tem sido necessariamente uma experiência difícil, mas tem me proporcionado algumas trocas e interações muito interessantes ao longo dos anos. Filtrei essas lições em quatro pontos.

1. Independentemente das aparências, não estou sozinha. Existem mais pessoas como nós lá fora do que eu pensava.
Devido à natureza de nossa personalidade, às vezes os introvertidos são suscetíveis de se sentir isolados. Sei que me sentia assim quando criança, especialmente nas férias e no recreio. Às vezes ainda me sinto assim como adulta, e muitas vezes me sinto de alguma forma “punida” por ser menos sociável e mais introspectiva. Uma coisa que adoro sobre a blogosfera é a capacidade que nos dá de ler perspectivas que não estão facilmente representadas na TV, no rádio, ou em nossas publicações favoritas: perspectivas de escritores como Stacia Brown, que escreveu este excelente artigo sobre introversão e raiva, e Slim Jackson, que escreveu outro que o meu favorito sobre esse tópico. Ler um número cada vez maior de obras de escritores introvertidos sobre introversão, em conjunto com inúmeros comentários de outros leitores que compartilham essas frustrações e observações, me mostra que não sou a anomalia que me sentia durante o colégio.

2. Como nosso tipo de personalidade é o oposto do estereótipo da mulher negra irreverente e espalhafatosa, muitas pessoas ficam perplexas quando nos conhecem.
Muitas pessoas ficariam chocadas se pudessem ouvir minhas conversas mentais. Provavelmente ficariam ainda mais chocadas com as respostas espontâneas que mando de volta com alfinetadas mais apropriadas quando me perguntam: “Por que você não fala?” ou quando ouço: “Você é tão quieta”. Ou minha favorita: “É preciso tomar cuidado com os quietinhos”. Talvez seja apenas uma teoria, mas acho que parte da expectativa para que eu seja expansiva — ou simplesmente tenha uma personalidade ousada e inflada — está apoiada no velho estereótipo sobre as mulheres negras.

Todos vimos imagens na mídia de negras dizendo “sista” [forma de tratamento carinhosa entre as negras norte-americanas, variação de sister, irmã em inglês], girando o pescoço, vozes estridentes e com um gênio que pode ir do zero ao 100 em dois segundos. Por mais incrível que pareça, em uma sociedade que é mais diversa do que nunca, ainda há pessoas cuja exposição a mulheres negras se limita a séries como Love & Hip Hop, Basketball Wives, e Real Housewives of Atlanta, que nunca parecem mostrar uma mulher negra introvertida. Imagino que elas não façam muito drama. Graças a Deus temos a produtora Issa Rae, da série online “Awkward Black Girl”.

Estereótipos persistem porque anulam a necessidade de se conhecer as pessoas como indivíduos, pelo menos nas mentes daqueles que gostam de usá-los. As pessoas normalmente se agarram firmemente aos seus estereótipos e não reagem bem quando estes são descontruídos, mesmo com vários exemplos comprovando que aquele estereótipo estava errado.

3. As pessoas imaginam que somos páginas em branco e preenchem as lacunas de acordo com suas concepções.
Chamam isso de nos “consertar”, entre outras coisas. Existe essa “concha” na qual estou supostamente dentro, e as pessoas parecem ficar incomodadas se consideram que estou muito escondida dentro dela. É como se estivessem me resgatando. Do que? Não sei. Talvez as pessoas pensem que ser quieta e reservada signifique não ter personalidade, então elas tentam me emprestar a delas. Gostam de salto agulha de couro vermelho combinados com blusa azul apertada, então talvez eu goste de usá-los também. Afinal, não estou vocalizando o que gosto, então isso deve significar que minhas preferências estão disponíveis para quem quiser pegar, correto?

Mas não é assim. Tenho minhas próprias preferências, opiniões e personalidade; apenas não sinto necessidade de reforçá-las constantemente. Os introvertidos que descobriram isso devem ser particularmente cuidadosos, porque às vezes aqueles que são tão gentis ao emprestar suas personalidades ficam muito ofendidos quando você não absorve suas sugestões. Como temos coragem de ter nossa própria personalidade ou recusar a “ajuda” deles, arruinando a perfeita fantasia Cher e Tai Frasier [amigas no filme As Patricinhas de Beverly Hills]?

4. Confiança silenciosa, ainda assim, é confiança.
Os introvertidos são as pessoas mais autoconscientes sobre a face da terra. Temos muitas oportunidades de nos avaliarmos, especialmente porque temos muitas pessoas preocupadas com nosso nível de confiança dizendo que este não deve estar muito adequado. Mas o que acontece é o seguinte: que fatores esses avaliadores de confiança autoimposta usam para determinar se existe confiança e se esta tem um nível adequado? Muitas vezes esses avaliadores vinculam o silêncio ou uma atitude mais despreocupada com falta de confiança. Isso não poderia estar mais longe da verdade. A confiança silenciosa existe, assim como existe a conversa nervosa, intimidadora.

Assim como a escritora Susan Cain disse em sua palestra na TED Talk: “Há zero de correlação entre ser o melhor tagarela e ter as melhores ideias”.

Todos temos momentos em nossas vidas que provavelmente nunca esqueceremos.

Um desses momentos aconteceu na faculdade. Estava visitando uma universidade vizinha para apoiar uma das unidades da minha irmandade em um de seus eventos. Estávamos conversando e comendo ao ar livre quando uma das minhas companheiras dessa unidade da irmandade me chamou num canto. Ela precisava dar um pulo no Wal-Mart porque o ketchup havia acabado? Alguém estava doente? Não e não. Me chamou num canto para me dizer que eu estava “muito quieta” e precisava ser mais animada. Estava preocupada sobre a irmandade criar o estereótipo de ser uma organização escolhida por garotas quietas, antissociais. Aquela não foi a última vez que alguém me disse algo parecido sem pestanejar ou uma opinião fora de propósito ou ofensiva.

Só para deixar claro, sou como qualquer outro ser humano que tem vários níveis de confiança, dependendo do que está acontecendo na minha vida no momento. As pessoas que agem como se fossem faróis de autoconfiança em todos os momentos só podem ser mentirosas. Ou péssimos atores.

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