5 Mitos sobre Aborto

Para cada assunto tratado há vários mitos. Já falei de cinco (e outros cinco) mitos do Feminismo. Dia 28 de setembro é o Dia de Ação Global para o Acesso ao Aborto Seguro e Legalizado. Também é Dia da Campanha pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe. Por isso, quero falar de alguns mitos sobre as militância das pessoas que são a favor da legalização e descriminalização do aborto.

Texto de Thayz Athayde.

1. Pessoas que são a favor da legalização do aborto odeiam crianças e não querem ter filhos.

Ser a favor da legalização e descriminalização do aborto não significa odiar crianças ou não querer filhos. Defender a autonomia do corpo da mulher não tem nenhuma relação com odiar crianças ou não querer filhos. Esse mito é parecido com aquele de que comunistas comem criancinhas: só serve para dar risada. A mulher é quem deve decidir se quer ser mãe ou quando será, com total autonomia. Você pode ser mãe ou pai e, ainda assim, ser a favor da legalização do aborto. No texto‘Sou mãe e apoio a descriminalização do aborto’, Ludmila Pizarro diz:

“Como mãe, referendo a decisão do Conselho Federal de Medicina e convido todas as pessoas, com ou sem filhos, que nunca fariam um aborto ou que não pensaram a respeito, a refletir sobre essa questão, lembrando que a criminalização do aborto, além de diminuir a autonomia da mulher, apenas faz com que mais vidas sejam perdidas, independente de crenças e valores morais.”

2. Se o aborto for legalizado quem fará mais aborto são as pessoas pobres.

Esse é um mito que revela um grande preconceito de classe. Normalmente as pessoas que falam isso sempre argumentam que pessoas pobres gostam de ter filhos, são promíscuas, etc. O relatório‘Aborto e Saúde Pública’ (.pdf), coordenado pela antropóloga Debora Diniz, traz alguns dados sobre a questão do aborto e a renda familiar:

“Nos anos 2000, um estudo com ampla base populacional analisou os fatores associados ao aborto como desfecho da primeira gestação entre jovens de 18 a 24 anos. A pesquisa mostrou que renda familiar e escolaridade constituem tais fatores: quanto maior a renda e a escolaridade, maiores as chances de a primeira gravidez resultar em um aborto.”

É importante destacar que hoje isso já acontece. As mulheres ricas, em sua grande maioria brancas, vão em uma clínica para fazer aborto, para isso é necessário desembolsar um valor considerável em dinheiro. Enquanto isso, mulheres negras e pobres morrem em clínicas clandestinas, em casa ou maltratadas em hospitais. Enquanto o aborto for criminalizado as mulheres continuarão morrendo por racismo e por questões de classe.

3. Pessoas que são a favor da legalização do aborto são assassinas.

Toda vez que uma discussão sobre aborto se inicia, sempre tem alguém para gritar: ASSASSINA! Parece óbvio, mas é preciso dizer que ser a favor da legalização do aborto não significa ser assassina. Aborto é uma questão de saúde pública e não deve ser pautado por uma discussão moral ou pessoal, muito menos podemos divagar sobre quando começa a vida, até porque essa discussão é infinita e sem conclusão, como explicita o médico Drauzio Varella:

“Não há princípios morais ou filosóficos que justifiquem o sofrimento e morte de tantas meninas e mães de famílias de baixa renda no Brasil. É fácil proibir o abortamento, enquanto esperamos o consenso de todos os brasileiros a respeito do instante em que a alma se instala num agrupamento de células embrionárias, quando quem está morrendo são as filhas dos outros. Os legisladores precisam abandonar a imobilidade e encarar o aborto como um problema grave de saúde pública, que exige solução urgente.”

 

4. Se o aborto for legalizado todo mundo vai fazer aborto.

Tá todo mundo sentado? Mesmo? Vamos lá, vou jogar uma bomba: as pessoas já fazem aborto. Sim! Mesmo que você seja contra, mesmo correndo o risco de ser presa, mesmo o corpo da mulher sendo criminalizado. Segundo a Pesquisa Nacional de Aborto (.pdf):

A PNA indica que o aborto é tão comum no Brasil que, ao completar quarenta anos, mais de uma em cada cinco mulheres já fez aborto. Tipicamente, o aborto é feito nas idades que compõem o centro do período reprodutivo feminino, isto é, entre 18 e 29 anos, e é mais comum entre mulheres de menor escolaridade, fato que pode estar relacionado a outras características sociais das mulheres de baixo nível educacional.

Pois é. O aborto já acontece. O que estamos lutando é para que todas as mulheres tenham acesso ao aborto legal e seguro. Porque, enquanto mulheres ricas tem dinheiro o suficiente para pagar um aborto seguro ou mesmo viajar para outro país, mulheres pobres, e em sua maioria negras, morrem em clinicas clandestinas que usam métodos inseguros.  Portanto, a questão do aborto é de saúde pública, como alerta o relatório ‘Aborto e Saúde Pública’:

Os resultados confiáveis das principais pesquisas sobre aborto no Brasil comprovam a tese de que a ilegalidade traz conseqüências negativas para a saúde das mulheres, pouco coíbe a prática e perpetua a desigualdade social. O risco imposto pela ilegalidade do aborto é majoritariamente vivido pelas mulheres pobres e pelas que não têm acesso aos recursos médicos para o aborto seguro. O que há de sólido no debate brasileiro sobre aborto sustenta a tese de que “o aborto é uma questão de saúde pública”. Enfrentar com seriedade esse fenômeno significa entendê-lo como uma questão de cuidados em saúde e direitos humanos, e não como um ato de infração moral de mulheres levianas.

Ao legalizar o aborto retiramos a questão da área criminal para incluí-la na área de saúde. A partir dai, políticas públicas mais efetivas são desenvolvidas. Tanto na área de planejamento familiar e prevenção de gravidez, como no atendimento as pessoas que decidem realizar um aborto. O Uruguai descriminalizou e legalizou o aborto em 2012. Este ano foi divulgado que no período de dezembro de 2012 até maio de 2013, nenhuma mulher faleceu vítima do procedimento. No período, 2.550 abortos foram realizados no país.

Segundo o Ministério da Saúde Pública uruguaio, dez em cada mil mulheres entre 15 e 44 anos já fizeram pelo menos um aborto. O subsecretário da Saúde Pública, Leonel Briozzo, informou, ainda, que o dado coloca o país entre os que registram as menores taxas do procedimento ao lado dos países europeus. Referência: Desde a legalização, Uruguai não registra mortes de mulheres por aborto.

5. As pessoas que são a favor da legalização do aborto não seguem religião ou não acreditam em Deus.

Esse mito é bem fácil de ser quebrado, basta acessar esse site: http://www.catolicasonline.org.br/. Há várias pessoas religiosas, ou que acreditam em Deus, que entendem que o aborto não é uma questão pessoal ou moral. Muitas dessas pessoas não fariam um aborto, porém, entendem que essa decisão pessoal não invalida o fato de que outras pessoas podem decidir abortar. Ou seja, opinião pessoal não pode pautar uma decisão que cabe apenas as pessoas que estão grávidas. Vale lembrar que não apenas mulheres engravidam, mas também homens trans*.

Uma opinião pessoal não pode pautar políticas públicas. A Pesquisa Nacional de Aborto e o relatório ‘Aborto e Saúde Pública’ apontam que a maioria das mulheres que fazem aborto são cristãs:

A religião não é um fator importante para a diferenciação das mulheres no que diz respeito à realização do aborto. Refletindo a composição religiosa do país, a maioria dos abortos foi feita por católicas, seguidas de protestantes e evangélicas e, finalmente, por mulheres de outras religiões ou sem religião.

Os poucos estudos analíticos com amostras selecionadas de mulheres indicam que entre 44,9% e 91,6% do total de mulheres com experiência de aborto induzido declaram-se católicas. Entre 4,5% e 19,2% declaram-se espíritas, e entre 2,6% e 12,2% declaram-se protestantes. É possível sugerir algumas tendências regionais, havendo uma maior concentração de mulheres católicas nos estudos da Região Nordeste e de mulheres espíritas nos da Região Sul. Um estudo com 21 mulheres que induziram o aborto identificou que 9,8% delas não tinham religião.

 

 

 

Fonte: Blogueiras Feministas

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