80% das empreendedoras negras não têm reservas para enfrentar a crise

Artigo produzido por Redação de Geledés

Maioria entre a população brasileira, as mulheres negras estão entre os grupos mais vulneráveis aos efeitos da pandemia no novo coronavírus. Elas são, em sua maioria, empreendedoras por necessidade, mães solo e estão com a saúde mental comprometida. Os dados são da pesquisa realizada pelo Instituto Identidades Brasil (ID_BR), divulgada nesta segunda-feira (27).

A pesquisa “Saúde financeira de mulheres negras em tempos de covid-19”, foi realizada em duas fases. A primeira, em abril, no início das medidas de isolamento e contou com parceria da Faculdade Zumbi dos Palmares e das empresas Empodera e Empregueafro, de inclusão no mercado de trabalho. Neste momento, foi mapeado os impactos da crise na vida de mulheres negras.

Já a segunda e última fase foi realizada entre os dias 9 e 16 de julho e foi elaborada e desenvolvida por seis pesquisadoras negras ligadas ao Programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-Raciais do CEFET-RJ, à FGV (Fundação Getúlio Vargas) e à UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

Neste momento, objetivo principal foi mapear os impactos específicos das medidas de isolamento social na vida econômica das mulheres negras. No total, foram ouvidas 369 mulheres em 22 capitais, além do Distrito Federal.

Entre as entrevistadas, 83% das mulheres se autodeclararam pretas, de acordo com definições do IBGE. Maior parte das mulheres negras que responderam à pesquisa são jovens (estão entre 30 e 34 anos de idade) e escolarizadas; 61% disseram possuir Ensino Superior e, dessas, 31% cursaram pós-graduação e 72% do total de respondentes está na região sudeste do País.

Segundo o instituto, no primeiro levantamento, apesar do momento de incertezas, parte das respondentes apresentava um comportamento otimista em relação às expectativas em relação às finanças. Com a ampliação das restrições, o impacto na vida econômica e na saúde mental das mulheres negras se tornou um ponto de atenção, motivando a continuidade.

“Fazer esses retratos diante de um contexto de pandemia é essencial para provocar políticas públicas e privadas com especificidade para este grupo que, antes mesmo de um contexto de como este, já eram mais vulneráveis a ficarem mais desempregadas”, diz Luana Génot, diretora-executiva do ID_BR.

O estudo pontua que mulheres negras correspondem à maioria da população brasileira, cerca de 60 milhões de pessoas, segundo o IBGE (Instituto de Geografia e Estatística) e que elas são em 50% mais suscetíveis ao desemprego, segundo o IPEA (Instituto de Pesquisas Aplicadas).

Na primeira fase do estudo, chegou-se ao dado de que, diante das incertezas econômicas que a pandemia do novo coronavírus impôs, cerca de 80% das mulheres negras e  empreendedoras não têm reservas financeiras para enfrentar a crise. Entre as que têm emprego formal, 77% tem medo de ficar desempregada.

Na nova fase, que buscou detalhar esta realidade, entre as mulheres empreendedoras, 60% disseram que o são por necessidade; 45% relataram que não conseguem alocação ou reconhecimento no mercado de trabalho formal. Cerca de 15% disseram que perderam o emprego ou tiveram suas fontes de renda reduzidas durante a pandemia; 41% vive do retorno de sua produção e/ou serviço e 30% do auxílio emergencial.

“Isso mostra que a gente precisa parar de romantizar o ‘empreendedorismo de necessidade’. [É preciso] olhar para essas mulheres com muito mais intencionalidade para evitar novas situações em que empreender por necessidade seja a grande premissa de vida delas”, diz Génot.

No que diz respeito ao ramo de atuação, os cinco mais citados por elas foram: beleza (13%), gastronomia (11%), artes (10%), moda (9%) e consultorias e saúde, ambos com 8% das respostas.

Para Luana, isso mostra uma saturação deste mercado e que é preciso abrir novas possibilidades. “A gente precisa ter políticas para que essa mulher consiga atingir seu pleno potencial financeiro em áreas mais variadas e as empresas precisam se responsabilizar, independente da pandemia.”

Mãe solo, negra e muito mais ansiosa 

A maternidade é um ponto que intensifica a insegurança financeira neste momento – sejam elas empreendedoras ou empregadas no mercado formal. Maioria das entrevistadas apresentou o perfil de mãe solo.

41% das mulheres que responderam à pesquisa são mães e 43% delas disse arcar com as despesas dos filhos sozinhas; apenas 15% conta com o apoio do auxílio emergencial ou do bolsa família.

Quando o assunto são cuidados diários, 44% dizem que não contam com o apoio do companheiro ou companheira nos cuidados diários com os filhos.

A saúde mental também se torna uma questão neste momento, segundo a pesquisa. 28% apontaram estar abaladas por questões financeiras e 26% dizem estar com a saúde mental abalada por outros motivos.

36% das respondentes informaram, ainda, que têm sofrido de crises de ansiedade e 20% apontam oscilações de humor.

Por outro lado, a maioria informou não dispor de recursos para este tipo de cuidado, o que corresponde a 37% das respostas.

“Isso mostra que o autocuidado não está em primeira instância – somando os afazeres domésticos, à questão da maternidade e a pressão psicológica – isso se dá pela falta de segurança em relação ao futuro financeiro”, diz a diretora.

O estudo ainda pontua que há temor e incerteza sobre a situação não só financeira, mas de saúde, com relação à família e como seguir com o trabalho ou empreendimento também após a pandemia. 42% disseram ter medo que a pandemia piore e 17% tem medo de ficar doente e não conseguir trabalhar.

“Está tudo completamente interconectado. Essa é uma mulher que, a pesar de ter a sua o seu alto grau de estudos, ela se encontra vulnerável, ainda tanto dentro de sua saúde financeira, quanto dentro de sua saúde mental.”

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